Acórdão nº 10145/14.8T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Março de 2017
Magistrado Responsável | EDUARDO PETERSEN SILVA |
Data da Resolução | 16 de Março de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
I.-Relatório: J... intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra S... SAD, pedindo a condenação desta no pagamento de € 1.056.400,00, acrescido de juros de mora, que ascendem actualmente ao montante de € 129.785,25, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, que se dedica ao agenciamento de jogadores futebol, com licença FIFA, e a Ré se dedica à actividade desportiva, com carácter habitual e fim lucrativo, cuja principal modalidade é o futebol.
No exercício das suas relações comerciais, ambas as partes celebraram um contrato de prestação de serviços verbal, mediante o qual a Ré reconheceu a intermediação do Autor na contratação do jogador de futebol Z..., enquanto representante dos interesses da Ré, tendo ficado estabelecido que a Ré pagaria ao Autor o valor correspondente a 10% da remuneração do contrato de trabalho desportivo do referido jogador, acrescido de 10% em caso de futura transferência deste, ou seja, 10% relativos à quantia correspondente à remuneração anual ilíquida de todas as épocas desportivas para que o mesmo foi contratado, no montante total de € 842.400,00.
Em aditamento ao contrato, acordaram também as partes que ao A. seria paga uma comissão de 10% sobre direitos de imagem do jogador, no valor de € 164.500,00.
Acrescem juros de mora desde a interpelação, a 19 de Março de 2013 (via fax e correio registado, onde o A. interpelou a ré para pagamento, num prazo de dez dias) e novamente em 21 de Agosto de 2013 (via fax e correio registado, interpelando a Ré à liquidação de parte da quantia devida, num prazo de 48h).
A Ré contestou, concluindo a final: -pela sua absolvição, por não ter celebrado qualquer contrato na base do qual possa fundar-se a remuneração peticionada; sem prescindir, -ser o contrato (…) declarado inexistente, por preterição de licença legal do A. para o exercício de actividade regulada, com a consequente absolvição; ainda sem prescindir, -ser o contrato declarado nulo por falta de forma, e ser a Ré absolvida; em todo o caso, -ser a Ré absolvida por falta de estipulação prévia de uma remuneração fixa para os serviços alegadamente prestados pelo A; -ser a Ré absolvida do pedido, por falta de alegação de quaisquer actos/despesas concretamente realizados pelo A. no âmbito da alegada prestação de serviços; ainda sem prescindir e sem conceder, -ser a quantia peticionada reduzida a um limite máximo inferior a €252,720,00; Subsidiariamente, -ser a Ré absolvida por falta de cumprimento, pelo Autor, dos termos contratuais que o próprio alega terem constituído elemento essencial do contrato que supostamente celebrou com a Ré; Por reconvenção: -Ser o Autor condenado no pagamento de indemnização de €900.000,00 pelos prejuízos sofridos pela Ré em decorrência do incumprimento do alegado contrato verbal.
Alegou a Ré em síntese que: Nos termos alegados pelo A., de que intermediou na contratação de um jogador e que a sua intervenção se traduziu na contratação do mesmo a custo zero, apresentando-se o A. como agente de futebol FIFA, a sua suposta actividade integra a actividade própria do empresário desportivo, a qual está regulada na ordem jurídica portuguesa mediante diversos diplomas nacionais e internacionais, desde logo na Lei de Bases da Actividade Física e Desporto, e no Regulamento FIFA , sendo que nos termos da Lei 28/98 de 26.6, apenas podem exercer a actividade de empresários desportivos as pessoas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes, e nos termos do Regulamento FIFA, a actividade de agente ou empresário desportivo está sujeita à atribuição de licença pela associação do país de que o candidato é nacional. Sendo o A. português e residente em Portugal, a licença teria de ser emitida pela Federação Portuguesa de Futebol e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, e não pelas autoridades do Burkina Faso. Legalmente, não existe o agente FIFA. Os contratos de mandato celebrados com agentes desportivos que não se encontrem inscritos nos registos nacionais são cominados de inexistência jurídica.
Ainda que assim não fosse, sempre o contrato seria nulo, pois que o contrato teria de ser reduzido a escrito.
Sem prescindir, se válido fosse o contrato, a remuneração do serviço nunca seria a de 10% mas, nos termos da Lei 28/98, salvo percentagem diversa a constar de cláusula escrita, seria no máximo de 5%, e na inexistência de acordo, a remuneração seria de 3%.
Por outro lado, o A. não alega factualmente que serviço prestou, não alega um único acto ou despesa que tenha feito, limitando a sua pretensão ao facto de constar a sua assinatura em dois documentos.
Subsidiariamente, é falso que o jogador tenha sido contratado a custo zero, antes, por não se encontrar livre, mas vinculado a outro clube, a ré viu-se forçada a acordar com este, comprometendo-se ao pagamento de um milhão de euros, pelo que, se existisse e fosse válido o contrato, sempre o A. teria incumprido os termos contratuais por si alegados, nada lhe sendo devido.
Em caso de procedência do seu pedido, deverá o A. ser condenado a pagar à Ré os prejuízos decorrentes do jogador não ser livre, que se calculam em €900.000,00, correspondentes ao montante pago ao anterior clube do jogador.
O A. respondeu, defendendo diversa interpretação dos artigos 22º e 23º da Lei 28/98 de 26.6, invocando que deles decorre apenas que os agentes de futebol devem estar registados numa federação e cumprir os regulamentos FIFA, mas tal não significa que a federação tenha de ser a portuguesa, não se verificando pois a cominação da inexistência do contrato, sendo de resto que a Ré reconheceu a sua qualidade de agente no contrato com o jogador; Por outro lado, apenas ao jogador ou a seu pai, que o representou, é imputável o facto dele não estar desvinculado do clube anterior, sendo de resto que a Ré sabia dessa vinculação, tendo mantido negociações com esse clube. A quantia paga pela Ré ao clube anterior diz respeito a compensação pela formação do jogador e não a uma transferência. Concluiu invocando a litigância de má-fé da Ré. Procedeu-se à realização da audiência prévia, na qual, além do mais, foi fixado à acção o valor de 1.186.185,25€ e se admitiu o pedido reconvencional deduzido pela Ré.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo seguidamente sido proferida de cuja parte dispositiva consta: “Pelo exposto, julgo: a)-A presente acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor o valor de 891.900,00€ (oitocentos e noventa e um mil e novecentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, devido desde 30 de Março de 2013 e até integral pagamento; b)-O pedido reconvencional improcedente, por não provado e, consequentemente absolvo o autor do pedido formulado pela ré/reconvinte.
Custas da acção e reconvenção pela ré”.
Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: 1.-A sentença a quo violou as normas contidas nos art.ºs 22.º, 23.º e 24.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, bem como o disposto nos art.ºs 5.º, 19.º e 20.º do Regulamento da FIFA relativo aos agentes de jogadores (Players Agents Regulations) transposto para a Ordem Jurídica Portuguesa, na sua versão original em inglês, por via do art.º 2.º n.º 3.3 dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol, à qual foi conferido estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos do despacho.º 56/95, de 01 de Setembro (art.º 1.º, n.º 7 dos Estatutos da FPF), aplicável à data dos factos, e ainda do disposto nos art.sº 293.º e 289.º do Código Civil; 2.-Em resumo, deu-se como provado que o recorrido, agente desportivo de profissão, com residência profissional em Braga, interveio enquanto intermediário, em representação da recorrente, no âmbito de contrato de trabalho desportivo celebrado entre esta e o jogador L....
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-Resulta ainda que o recorrido se encontra registado como intermediário na contratação de praticantes desportivos pela Federação de Futebol do Burkina Faso (e não pela Federação Portuguesa de Futebol), e que à data era usual o pagamento a um tal intermediário ser de 10% do valor do contrato (de trabalho de trabalho desportivo no qual interviesse), tendo sido essa a percentagem acordada pelas partes.
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-Nenhum contrato entre o intermediário autor/recorrido e a SAD ré/recorrente foi reduzido a escrito.
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-A sentença recorrida dá provimento ao essencial do pedido do autor, condenando a ré no pagamento de uma verba correspondente a 10% do total da remuneração do jogador L... prevista para o conjunto das épocas para que foi contratado mediante esse contrato de trabalho desportivo (decaindo o pedido apenas quanto à remuneração pela intermediação no contrato de direitos de imagem).
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-Para chegar a esta decisão, a Mma. Juiz a quo – reconhecendo vícios formais no contrato estabelecido entre autor e ré – categoriza-os como causa de nulidade: “É certo que no caso dos autos existe uma nulidade formal do contrato”.
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-O art.º 23.º, n.º 4 da lei 28/98 dispõe expressamente que contratos como o dos autos celebrados por intermediários nas condições do autor “são considerados inexistentes”.
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-É verdade que a falta de um requisito formal ou a desobediência a norma imperativa dão origem à nulidade do contrato nos termos do disposto nos art.ºs 220.º e 294.º do Código Civil, mas apenas caso outra consequência lhe não seja legalmente atribuída, como atribui o art.º 23.º, n.º 4 da lei 28/98.
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-Para além do estrito recorte doutrinal da figura da inexistência, a mesma é aplicada a diversos casos que se não enquadram na sua pura construção conceptual – cfr. art.º 1630º, do Código Civil, e demais exemplos citados nos art.ºs 15º n.ºs 1 e 2, do Código do Registo Predial e 85.º e 86º do Código do Registo Civil, para além do art.º 23.º, n.º 4 da lei 28/98.
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-A propensão da actividade de...
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