Acórdão nº 2284-12.2TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

1.-Relatório: A e B , intentaram em Novembro de 2012 acção declarativa, com processo comum e sob a forma Ordinária, contra Banco …… Português, SA ( em liquidação ) e Massa Insolvente do Banco ….. Português, pedindo que, julgada a acção provada e procedente, seja declarada a extinção, por compensação, dos dois financiamentos de €7.500.000,00 cada um, num total de €15.000.000,00 , concedidos aos AA pela 1ª Ré em 27/2/2008.

1.1-Para tanto, alegaram os AA, em síntese, que : -A primeira Ré, que em 1996 foi autorizada pelo Banco de Portugal a realizar operações bancárias em Portugal, propôs e aconselhou o Autor marido a aderir a um produto financeiro, designado Privado Financeiras, o que veio a suceder em meados de Março e Maio de 2007, entregando-lhe então para o referido efeito 15.000.000,00€ ; -Sucede que, tendo o produto financeiro, designado Privado Financeiras, concentrado em exclusivo a totalidade do investimento conseguido na aquisição de acções do BCP, verificou-se posteriormente que a cotação das acções do BCP vieram a cair acentuadamente , de cerca de 4,00€ em Junho de 2007 para 2,00€ em Fevereiro de 2008 e para €1,00 no último trimestre de 2008 ; -Já em Fevereiro de 2008, novamente aconselhado e estimulado pela primeira Ré, e com vista a participar no aumento de capital da Privado Financeiras, o Autor marido contraiu junto da 1ª Ré dois financiamentos de €7.500.000,00 cada um, num total de €15.000.000,00; -Em consequência dos actos praticados pela 1ª Ré acima referidos, e outros, veio o Autor a sofrer um prejuízo no montante de €30.000.000.00, sendo que a responsabilidade do mesmo é de atribuir à 1ª Ré, porque violou diversos deveres gerais de qualquer intermediário financeiro, nos termos do CVM.

1.2.-Citados os RR, vieram ambos, em conjunto, apresentar contestação, no âmbito da qual deduziram defesa por excepção , dilatória [ incompetência material ; Ineptidão da petição ; excepção dilatória inominada ] e peremptória [ Prescrição ] , e por impugnação motivada, pugnando no essencial pela improcedência da acção.

1.3.-Prosseguindo os autos a respectiva tramitação legal, maxime com a realização de uma audiência prévia , nesta foi relegado para momento posterior a apreciação do grosso das excepções pelas RR invocadas na contestação, e , bem assim, foi igualmente decidido que a questão pelas RR suscitada em requerimento incorporado nos autos em Julho de 2014 e atinente à inutilidade superveniente da lide [ em razão de estar a decorrer um processo de insolvência da Ré , sendo que é nesse processo que os credores da insolvência devem reclamar os seus créditos ] , seria oportunamente apreciada/conhecida.

É que, com referência à referida questão de inutilidade superveniente da lide , considerou o tribunal a quo que importava conhecer antes de mais qual a decisão final a proferir na acção n.° 1470/10.4BELSB, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, 5.ª Unidade Orgânica, intentada pela sociedade PRIVADO HOLDING SGPS, S.A, e tendo em vista a anulação do acto do Banco de Portugal de revogação da autorização concedida ao BANCO …. PORTUGUÊS, S.A. para o exercício da actividade bancária.

1.4.-Conhecido o desfecho final da acção n.° 1470/10.4BELSB, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e conclusos os autos em 11/10/2016, proferiu então o tribunal a quo sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “ Atento o supra exposto, de harmonia com o disposto no art. 277°, e), do Código de Processo Civil, declaro extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas pelos AA, cfr. art. 536°, 3, do Código de Processo Civil, uma vez que na data da propositura da acção já tinha sido revogada ao BPP a autorização para o exercício da actividade bancária, pelo que aquele iria, necessariamente, entrar em processo de liquidação, razão pela qual é de afastar a aplicação do preceituado no n° 2, e) do citado art. 536° do CPC.

Registe e notifique.

Fica prejudicado o despacho proferido anteriormente.

Lisboa, m.d.” 1.5.-Inconformados com a sentença indicada em 1.4., da mesma apelaram ambos os AA A e B, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões : A.-A acção proposta pelos AA., aqui apelantes, visa a declaração da extinção, por compensação, dos créditos de reembolso dos dois financiamentos de €7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros), cada um, num total de €15.000.000,00 (quinze milhões de euros) concedidos aos AA. pela Ré, em 27 de Fevereiro de 2008, para aquisição de valores mobiliários, uma vez que têm direito a ser indemnizados pelo BPP no montante de €30.000.000,00 (trinta milhões de euros).

B.-A sentença recorrida declarou extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, considerando que os AA., aqui apelantes, deviam reclamar o seu crédito e respectiva compensação nos autos de insolvência.

C.-Para aquela conclusão, concorreram, desde logo, dois argumentos que, em bom rigor, não se revelam congruentes com a decisão constante do dispositivo da sentença recorrida.

D.-Na perspectiva da sentença recorrida, nos termos do artigo 90.2 do CIRE, na pendência do processo de insolvência do devedor, os credores apenas poderão exercer os seus direitos no âmbito daquele processo de execução universal e segundo os meios processuais previstos no CIRE.

E.-E, se uma acção declarativa em que se discutem direitos patrimoniais oponíveis ao devedor insolvente prosseguir, estar-se-á a desrespeitar o comando dos preceitos legais plasmados nos artigos 90.º, 91.º/1 e 128.º/1 e 3, todos do CIRE, porquanto o autor daquela acção estaria, na pendência do processo de insolvência, a exercer os seus direitos por meios processuais alheios ao CIRE, em violação do princípio par conditio creditorum.

F.-Ora, tais argumentos que se extraem da fundamentação de direito da decisão recorrida apontam no sentido de que os AA., aqui apelantes, não terão deduzido a sua pretensão segundo a forma especial de processo legalmente prevista, in casu, o processo de insolvência.

G.-Verificar-se-ia, então, nos termos dos artigos 193.º e 546.º, n.º 2 do CPC, uma situação de inadequação do processo utilizado ao fim por ele visado pelos AA., a qual se reconduz à figura do erro na forma do processo e não à inutilidade superveniente da lide.

H.-De igual modo, um terceiro argumento em que se fundamenta a conclusão emanada da sentença recorrida também não se revela congruente com o dispositivo da decisão do Tribunal a quo.

I.-Extrai-se da sentença recorrida a premissa de que se revela inútil uma sentença proferida em acção declarativa instaurada contra o devedor insolvente, se o credor não reclamar o seu crédito no processo falimentar, porquanto aquela decisão jamais poderá ser dada à execução para cumprimento coercivo (cfr. artigo 88.5 do CIRE).

J.-A qual parece reconduzir-se, portanto, ao entendimento de que, embora a parte insista na continuação da lide, manifestando, assim, o seu interesse em obter uma decisão, o desenrolar da mesma aponta para um desfecho que sempre será inócuo, ou indiferente, em termos de não modificar, a situação que existia antes de ser posta em juízo.

K.-A verificar-se a hipótese ora descrita, ter-se-ia que concluir pela falta de interesse processual em agir dos AA., excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (artigos 577.º e 578.º do CPC), que se coloca no plano da relação entre a parte e o objecto do processo e é passível de se verificar ab initio ou posteriormente.

L.-Distintamente, e unicamente em coerência com a conclusão constante do dispositivo da sentença recorrida, encontramos o último dos fundamentos do argumentário em que assenta a decisão do Tribunal a quo, quando aí se convoca o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2014, de 25.02.2014.

M.-Em obséquio ao bom rigor técnico-jurídico, deve ter-se presente que a inutilidade superveniente da lide implica a verificação de um facto ou de uma situação posterior à inauguração daquela, por força da qual se vem a revelar impertinente ou desnecessário fazer recair sobre ela uma pronúncia judicial, por ausência de efeito útil.

N.-Desnecessidade aquela que só pode ser aferida em termos objectivos, para se concluir pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.º, alínea e) do CPC), sob pena de se confundir com o pressuposto processual da falta de interesse processual em agir.

O.-Assim, e relativamente, pelo menos, a três dos fundamentos em que assenta a sentença recorrida, verifica-se uma situação de incongruência entre os fundamentos e o dispositivo da decisão, não sendo este último, conclusão lógica das três primeiras premissas em que a sentença recorrida assentou.

P.-O que configura, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, uma nulidade da sentença por oposição entre os seus fundamentos e a sua decisão ou, pelo menos, por ambiguidade ou obscuridade que a torna ininteligível, a qual expressamente se invoca.

Q.-Sem prejuízo da verificação daquela nulidade, e sem conceder, sempre se teria que concluir que o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido a respeito dos argumentos que, em bom rigor, configurariam erro na forma do processo não têm o mínimo de assento na letra da lei, nem de suporte nos cânones da hermenêutica jurídica.

R.-Contrariamente ao entendimento rígido que sustenta todo o edifício argumentativo da sentença recorrida, dos artigos 90.º , 91.º/1 e 128.º/1 e 3, todos do CIRE, maxime daquele artigo 90.º, apenas resulta, em geral, a consagração da natureza especial das normas, substantivas ou processuais, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas relativas aos direitos sobre a insolvência.

S.-Mas delas não se pode extrair, de forma liminar, que as acções declarativas sejam afectadas pela declaração de insolvência do devedor ao qual é oponível um crédito que se pretende reconhecido na instância declarativa.

T.-Impondo-se...

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