Acórdão nº 2080/16.8YLPRT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelTIB
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: Foi proposto procedimento especial de despejo no Balcão Nacional do Arrendamento, por João…e Outros, com os sinais dos autos, contra C…, LDA., também com os sinais dos autos, visando a resolução do contrato de arrendamento que tem como objecto o imóvel sito na Av…, por oposição à renovação pelo senhorio.

Juntaram ao seu requerimento a seguinte comunicação dirigida, em 23 de Julho de 2014, à arrendatária: «Na ausência de qualquer comprovação de V. Exas, durante no mês de Março de 2014, de que o estabelecimento locado mantinha a qualificação de "microentidade" para efeitos de NRAU, foi-vos remetida uma carta com Ref 539.09/2012, datada de 10.04.2014, remetida pela nossa Advogada.

Nessa certa, é referido que, na ausência da comprovação anual prevista no artigo nº5 do artigo 54º do NRAU - "No mês correspondente àquele em que foi feita a invocação de uma das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo 51º e pela mesma forma, o arrendatário faz prova anual da manutenção daquela circunstância perante o senhorio, sob pena de não poder prevalecer-se da mesma" -, o contrato ficou, por imposição legal, submetido ao NRAU e por prazo certo de 2 anos, renováveis por iguais períodos.

Desta forma e respeitando os prazos de aviso prévio previstos, vimos pela presente, comunicar a V.Exas que denunciamos o referido contrato de arrendamento para o dia 16.04.2016. devendo V.Exas entregar, nessa data, o locado, livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação.» A Requerida deduziu oposição, alegando, entre o mais, que aqui se dá por reproduzido, que fez a prova anual da manutenção do estatuto de microentidade, através de carta datada de 03-09-2014, sendo que não o fez no mês de Março por lapso dos seus serviços administrativos, que não estavam habituados a este novo procedimento.

Nos anos seguintes, passou a enviar em Janeiro, por cautela e antecipação, a comunicação, a comprovar que mantém a sua condição de microentidade.

Pretende continuar a beneficiar do regime previsto no art. 54º da Lei nº 6/2006, na redacção dada pela Lei nº 31/2012, de 14-08.

A natureza de microentidade da Requerida nunca se alterou ao longo dos anos, sendo essa a questão que substancialmente releva para efeitos do disposto no art. 54º, nº 5, da dita Lei.

O sentido do art. 54º, nº 5 da Lei 6/2006, ao afirmar que a inquilina não pode prevalecer-se do estatuto de microentidade se não fizer prova anual do mesmo, visa a manutenção nos anos subsequentes dos seus fundamentos/limites previstos no art. 5lº, nº 5 da referida Lei; O prazo para envio dessa comunicação tem natureza meramente indicativa, sem qualquer efeito de prescrição ou caducidade dos direitos atribuídos aos inquilinos.

Conclui pela improcedência do pedido.

Os Requerentes vieram responder, na sequência de notificação para o efeito, pugnando pelo seu direito a denunciar o contrato, dada a extemporaneidade da comunicação da Requerida.

Considerando haver elementos para o conhecimento do mérito, o Tribunal a quo proferiu decisão, julgando improcedente a acção e absolvendo a Requerida do pedido.

Inconformada com esta decisão, dela recorreram os Requerentes, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «1.-No presente recurso, requer-se a revogação da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, nos termos da qual foi julgada improcedente a acção e absolvida a Ré do pedido, que consistia no despejo do imóvel sito na Av…., por oposição à renovação pelos Autores, enquanto Senhorios.

  1. -Os Autores, ora Recorrentes, contactou a Ré, ora Recorrida, para submissão do contrato ao NRAU, tendo esta invocado a existência no locado de um estabelecimento comercial aberto ao público, sendo uma microentidade, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 4 do art.º 51º do NRAU (na redacção anterior às alterações impostas pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro.

  2. -A Ré não fez prova anual das circunstâncias alegadas, nos termos do mesmo artigo.

  3. -A falta da referida prova anual pela Ré levou os Autores a, nos termos do referido art.º 51º, n.º 4 do NRAU, considerarem o contrato de arrendamento automaticamente submetido ao NRAU, com prazo certo de 2 anos, tendo os mesmos denunciado o contrato, impedindo a sua renovação para além de 16 de Abril de 2016.

  4. -A Recorrida não aceitou a referida denúncia do contrato, e não abandonou o locado na data supra indicada, alegando que não fez a prova anual da manutenção das circunstâncias invocadas no mês de Março de 2014 (conforme era exigido pela lei vigente), tendo-o feito em Setembro, por lapso dos seus serviços administrativos.

  5. -Apesar de ter efectuado o correcto enquadramento factual e jurídico, o Tribunal a quo acabou por decidir erradamente (pelo menos na perspectiva da ora Recorrente, claro está), ao considerar que a violação pela Recorrida (Inquilina) do prazo para prova anual das circunstâncias invocadas não tem carácter preclusivo.

  6. -A lei em vigor à data dos factos, e portanto aplicável, menciona expressamente, que se o Inquilino não fizer a prova anual, “não pode prevalecer-se das circunstâncias invocadas” (n.º 5 do art.º 54º do NRAU, na redaçcão anterior às alterações introduzidas com a Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro).

  7. -Apesar de reconhecer expressamente que as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro não são aplicáveis ao caso dos autos, a Sentença recorrida recorreu à referida norma, para ficcionar o que entendeu ser a ratio legis da norma em vigor até àquela alteração, e, por essa via interpretativa, julgar inválida a denúncia efectuada, concluindo pela improcedência da acção de despejo, e pela absolvição da Ré do pedido.

  8. -Conforme se constata, a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo é manifestamente contrária ao texto legal.

  9. -Note-se que, perante a redacção da norma legal a aplicar, que se transcreve de seguida, não há qualquer margem interpretativa, nem dúvidas sobre o carácter preclusivo, ou não do prazo imposto ao Inquilino: “No mês correspondente àquele em que foi feita a invocação de uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º e pela mesma forma, o arrendatário faz prova anual da manutenção daquela circunstância perante o senhorio, sob pena de não poder prevalecer-se da mesma.” (art.º 54º, n.º 5 do NRAU) 11.-Sendo a circunstância invocada a existência no locado de um estabelecimento comercial aberto ao público que é uma microentidade, e não tendo o Inquilino (conforme considerado provado na Sentença recorrida) feito a prova anual da manutenção das circunstâncias invocadas, a consequência só pode ser a consagrada na Lei - deixar de poder prevalecer-se desse regime de excepção, ou seja, considerar-se o contrato imediatamente submetido ao NRAU.

  10. -Este era o regime regime legal vigente, estabelecido pelo legislador, não se podendo assumir, por via de interpretação, que o legislador não manifestou correctamente a sua vontade.

  11. -Portanto, dúvidas não podem restar que este era o regime pretendido pelo legislador, o qual tem aplicação até à alteração da Lei, a qual, como já se viu, ocorreu em Dezembro de 2014.

  12. -Na Sentença recorrida é mencionado que a Lei n.º 79/2014 de 19 de Dezembro “não pode deixar de constituir um elemento interpretativo incontornável da anterior versão do preceito legal” 15.-Pretender interpretar uma norma com base na lei que a altera (como fez o Tribunal a quo) é um gravíssimo erro, que não pode ser sancionado pelo Tribunal a quem.

  13. -Interpretar uma norma com base na lei que a revoga, corresponde a dizer que o legislador da primeira norma já pretendia um regime como o da norma que só foi publicada posteriormente.

  14. -Interpretar dessa forma é o mesmo que chamar “incompetente” ao legislador da primeira norma, pois é presumir que não conseguiu manifestar a sua vontade conforme pretendia.

  15. -Evidentemente, se a norma em vigor até 2014 fosse passível da interpretação feita pelo Tribunal a quo não teria sido necessária qualquer alteração pelo legislador, a qual, pelo contrário, demonstra precisamente o oposto: o novo legislador quis alterar o regime legal vigente, que era, obviamente, diferente do que viria a ser implementado em 2014.

  16. -E se era diferente, era porque o legislador assim tinha querido, restando ao Tribunal, no seu papel constitucional e organicamente estabelecido, aplicar a lei vigente aos factos que lhe são apresentados, pois não cabe aos Tribunais apreciar se a sanção estabelecida em determinado preceito legal é muito, pouco, ou nada, gravosa - O PAPEL DOS TRIBUNAIS É APLICAR A LEI VIGENTE.

  17. -Assim sendo, não se pode aceitar que o Tribunal a quo sob o pretexto de, na sua perspectiva, a lei instituir “uma sanção desproporcionadamente gravosa” contrariar frontalmente a estatuição legal da norma aplicável, e decidir em sentido inverso da mesma.

  18. -O que o Tribunal a quo fez, mais não foi do que, substituindo-se ao legislador, “apagar” a parte final do preceito legal constante do n.º 5 do art.º 54º do NRAU, aplicável ao caso em concreto.

  19. -Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo compara este regime legal, com o do contrato de arrendamento para fins habitacionais, parecendo aludir à eventual inconstitucionalidade da norma, sendo de ressalvar que a norma em causa não foi declarada inconstitucional, nem sequer foi invocada a sua inconstitucionalidade no caso em apreço.

  20. -Por outro lado, não está em causa o direito à habitação de um imóvel, nem o eventual despejo de uma família, nem a invocação pelos Inquilinos dos regimes estabelecidos para quem demonstra ter baixos rendimentos ou idade superior a 65 anos (matérias que são evidentemente mais sensíveis do ponto de vista social e merecedoras de protecção constitucional) - está meramente em causa um direito económico sobre a utilização de um imóvel destinado ao comércio.

  21. -Está em causa o cumprimento por uma empresa de uma obrigação legal, que era conhecida, que tem consequências definidas na Lei, e que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT