Acórdão nº 1130/14.7TDLSB-C.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. Nos autos de Inquérito (Actos Jurisdicionais) que, com o n.º 1130/14.7TDLSB, correm termos na Comarca de Lisboa, Lisboa – Instância Central – 1.ª Secção Instrução Criminal – Juiz 2, em que é arguido J...

, identificado nos autos, e outros, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 17-04-2016, o ora recorrente veio arguir a nulidade da denúncia efectuada e de toda a prova carreada para os autos através do depoimento da denunciante, porque proveniente de consulta jurídica e por isso violadora das regras de sigilo profissional.

2. Na sequência da referida diligência foi proferido despacho que aplicou medidas de coacção e relegou a apreciação das nulidades invocadas para momento posterior, após cumprimento do contraditório, vindo em 04-05-2016 (a fls. 246-256, fls. 4719-4729 dos autos principais) a ser proferido despacho que, para além do mais, indeferiu essa arguição de nulidade.

3. Inconformado com essa decisão, veio o arguido dela interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «1.ª No processo penal vigora o princípio da legalidade dos meios de prova. O artigo 125.º do CPP com a epígrafe “Legalidade da prova” estabelece que “São admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei”.

  1. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, na anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524, “Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana (art. 1.º) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (art. 2.º), não podendo, portanto, valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas sob tortura ou coacção (nulidade e não mera irregularidade. Cfr. AcTC n.º 528/03) obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência ou das telecomunicações (n.º 8; cfr. arts. 25.º-1 e 34.º), não podendo tais elementos ser valorizados no processo”.

  2. Invocando Gössel, Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, 1992, Coimbra Editora, 1.ª Edição (Reimpressão), Outubro de 2013, pág. 83, afirma que as proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo», adiantando que “o que define a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição e, mesmo, de uma permissão”.

  3. Como salienta o Costa Andrade, na pág. 75, “não parece que deva encarar-se o arguido como titular ou portador exclusivo dos direitos, interesses ou bens jurídicos cuja salvaguarda pode ditar, em concreto, balizas à descoberta da verdade. Pelo contrário, só uma arrumação e imputação policêntricas daqueles interesses abrirá a porta a uma adequada compreensão teleológica das proibições de prova. (…) As proibições de prova podem resultar do primado reconhecido a valores ou interesses de índole supra-individual como os subjacentes ao Segredo de funcionários e Segredo de Estado (arts. 136.º e 137.º do CPP)”.

  4. Nesta linha, Susana Aires de Sousa, Agent procateur e meios enganosos de prova, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2013, págs. 1212/3, afirma: “Enquanto expressão de um Estado de Direito, o ius puniendi há-de aparecer perante o delinquente como um poder dotado de superioridade ética, como expressão das suas mãos limpas, como refere Radbruch. Neste sentido, a protecção dos direitos fundamentais manifestada no regime das proibições de prova, não tutela apenas o seu titular mas a própria credibilidade, reputação e imagem do Estado de Direito. Além dos direitos fundamentais, as proibições de prova podem resultar ainda da guarida concedida a outros valores ou interesses: o segredo de estado, o segredo profissional, até mesmo a descoberta da verdade (v. g. artigos 132.°, n.° 2 e 134.° do CPP)”.

  5. As proibições de prova dão lugar a provas nulas - artigo 38.°, n.° 2, da CRP.

  6. A lei portuguesa proíbe as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade.

  7. À semelhança do que sucede com outras categorias profissionais, o Advogado está obrigado a guardar segredo relativamente a factos que lhe advenham através do exercício da sua actividade profissional, conforme imposição prevista pelo artigo 87.° do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.° 15/2005, de 26 de Janeiro (Diário da República, Série I-A, n.° 18, de 26 de Janeiro de 2005, alterada pelo Decreto-Lei n.° 226/2008, de 20 de Novembro e pela Lei n.° 12/2010, de 25 de Junho).

  8. Os Advogados desempenham um relevante papel no exercício de uma função de soberania, a administração da justiça, como reconhece o artigo 208.° da Constituição, que estabelece sob a epígrafe “Patrocínio forense”: “A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.

  9. Segundo Vitalino Canas, O Segredo Profissional dos Advogados, in Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, Volume II, Almedina, 2005, págs. 791 a 803, o segredo profissional dos advogados não tem a mesma natureza e significado que o dever de segredo vigente para outras categorias profissionais ou entidades (banqueiros, jornalistas, funcionários de finanças, etc.). O segredo profissional não visa salvaguardar qualquer interesse, mais ou menos disponível, do próprio advogado, mas interesses de outrem (do cliente e de outros cidadãos, incluindo colegas) e os altos interesses da Justiça e do Estado de Direito. Considera que o direito-dever de segredo profissional dos advogados é um direito particular análogo aos direitos, liberdades e garantias.

  10. De acordo com este Autor, como direito do advogado, o segredo profissional é uma forma de escudar o advogado de pressões tendentes à revelação de factos, com prejuízo do exercício independente da sua profissão. É outrossim um modo de salvaguardar o ambiente de confiança que deve rodear o exercício profissional da advocacia livre. Como dever, o respeito do advogado pelo segredo profissional tem como beneficiário principal e proeminente o cliente.

  11. Nesta linha, segundo Fernando Sousa Magalhães, Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, Almedina, 8.ª edição, pág. 122, afirma: O segredo profissional, sendo radicialmente um dever para com o cliente, já que sem ele sempre seria impossível o estabelecimento da relação de confiança, resulta também de um compromisso da Advocacia com a sociedade. Na verdade, a função social desempenhada pelos Advogados implica, para além da independência e isenção, o reconhecimento do seu papel como confidentes necessários.

  12. Estabelece o artigo 87.° Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe “Segredo profissional” (sublinhados nossos): 1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados; c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração; d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante; e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

    2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

    3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.

    4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.

    5 - Os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

    (...) 14.ª Como ressalta do exposto, o segredo profissional mostra-se inerente, não ao próprio advogado em si, mas à actividade desenvolvida por este profissional da Justiça, o que significa que nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo artigo 87 °, n.° 1, do EOA, mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta actividade profissional.

  13. O segredo do advogado, à semelhança do sigilo previsto para outras categorias profissionais, visa tutelar, em primeira linha, as relações de confiança que se estabelecem com os clientes e com outros colegas de profissão, que não são postas em crise quando não estão em causa factos relacionadas com o estrito exercício da advocacia.

  14. Dito por outras palavras: o advogado não está obrigado a...

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