Acórdão nº 2/15.2IFLSB-D.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.-No Tribunal Central de Instrução Criminal, aos 07/10/2016, foi proferido despacho pelo Mmº JIC que deu por reproduzida a promoção do Ministério Público “mantendo-se a apreensão”.

  1. -Inconformadas com esta decisão, dela interpuseram recurso as arguidas “ACA LDA.” e “APT, LDA.”, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): I.-O presente recurso tem a sua origem no despacho proferido a fls. 3286 dos presentes autos, mediante o qual o Tribunal a quo decidiu indeferir a invalidade arguida, mantendo a decisão vertida no despacho do Ministério Público (com a referência 1749828), o qual em acréscimo ao pedido de entrega dos elementos concretos aí vertido, determinou a entrega (e consequente apreensão) de «SAF-T contabilidade e SAF-T facturação respeitantes aos anos de 2015 e 2016 relativo às sociedades ACA e Acessórios e APT, Lda.».

    II.-Nem toda a documentação de facturação e contabilidade das recorrentes relativa aos anos de 2015 e 2016 está relacionada com a actividade criminosa indiciada nos autos e objecto de investigação no inquérito.

    III.-Apenas se poderia admitir a decisão de apreensão relativamente a documentação respeitante a transacções envolvendo buffers (identificados a fls. 1542), missing traders (identificados a fls. 1544) ou, em geral, outros arguidos ou suspeitos indiciados nos presentes autos - quanto a estes, as ora Recorrentes remeteram aos autos os elementos de que dispunham quanto às sociedades B., Lda., e D., Lda. (as únicas com as quais mantiveram relações comerciais).

    IV.-A apreensão ordenada nos presentes autos é de tal forma ampla que abrange documentos relativos a transacções com outras pessoas não identificadas nos presentes autos, no âmbito de actividade não indiciada nos presentes autos e, por isso, que não são susceptíveis de ser usados como prova nos mesmos, como a lei exige para que se possa ordenar a apreensão (cfr. artigo 178.º, n.º 1, do CPP).

    V.-O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou a liberdade fundamental de iniciativa privada, o direito ao crédito e à reputação das RECORRENTES, o direito à reserva da vida privada e o princípio da proporcionalidade, aplicando uma norma inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, e 61.º da Constituição, extraída por interpretação do artigo 178.º, n.º 1, do CPP, de acordo com a qual a autoridade judiciária competente pode determinar, no decurso do inquérito, a entrega e a subsequente apreensão de documentos que não se relacionam com a matéria criminal sob investigação e que serve de referencial ao investigador.

    VI.-O despacho de fls. 3288 violou o disposto no artigo 178.º, n.º 1, do CPP, devendo, em consequência, ser revogado e substituído por decisão que reconheça a invalidade arguida e, dessa forma, revogue a ordem de envio, pelas RECORRENTES, e a decisão de apreensão de todos os ficheiros "SAFT" relativos à contabilidade e facturação dos anos de 2015 e 2016 e de todas as facturas e notas de crédito emitidas pelas mesmas, no mesmo período.

    Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, vêm as recorrentes solicitar que o Despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que, reconhecendo a invalidade suscitada, revogue a ordem de envio e a decisão de apreensão dos ficheiros SAFT integrados da contabilidade e faturação dos anos de 2015 e 2016 e das faturas e notas de crédito emitidas pelas mesmas, na parte em que não respeita a arguidos ou suspeitos indiciados nos presentes autos, só assim se fazendo a costumada e boa Justiça! 3.-Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda nos seus precisos termos.

  2. -Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de não se encontrar demonstrada nos autos a data indicada na declaração do distribuidor postal, relevante para a determinação da notificação a partir da qual se conta o prazo fixado para o recurso – porquanto, no seu entender, a notificação do despacho recorrido, efectuada por via postal, deve considerar-se efectuada no 5º dia posterior à data do depósito da notificação na caixa postal, indicada na declaração lavrada pelo distribuidor postal (artigo 113º, nº 3, do CPP) – bem como que tenha sido efectuado atempadamente o pagamento da multa devida por o recurso ter sido interposto no 3º dia útil posterior ao termo do prazo respectivo, pelo que os autos deveriam ser devolvidos ao tribunal a quo para esclarecimento destes aspectos.

    Subsidiariamente, pugna pela declaração de nulidade do despacho recorrido por violação das regras de competência material do Tribunal Central de Instrução Criminal.

  3. -Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

  4. -Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II–FUNDAMENTAÇÃO.

  5. -Âmbito do Recurso.

    O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se se verifica a invalidade do despacho lavrado pelo Ministério Público a fls. 3043/3044, na parte em que confirma a notificação das arguidas para envio dos ficheiros SAFT integrados na contabilidade e facturação dos anos de 2015 e 2016 e das facturas e notas de crédito emitidas pelas mesmas, na parte em que não respeita a arguidos ou suspeitos indiciados nos presentes autos, por violação da liberdade de iniciativa privada, do direito ao crédito e à reputação das arguidas e do princípio da proporcionalidade, tutelados nos artigos 61º, 26º, nº 2 e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

  6. -Elementos relevantes para a decisão.

    2.1-Aos 14/07/2016, no âmbito do processo de inquérito com o NUIPC 2/15.2IFLSB que corre seus termos no DCIAP, o Exmº Procurador da República proferiu o seguinte despacho a fls. 2707/2708 (transcrição da parte relevante): Através dos seus defensores vieram as arguidas ACA, Lda. e APT, Lda. requerer, além do mais, que seja dado sem efeito a notificação efectuada às arguidas pela Autoridades Tributária e Aduaneira para entrega de todos os ficheiros informáticos resultantes do sistema "SAFT" respeitantes à contabilidade e facturação dos exercícios de 2015 e 2016, bem de todas as facturas e notas de créditos por elas emitidas naqueles anos, atenta a manifesta desproporcionalidade daquela ordem relativamente ao âmbito da busca definido no despacho que a ordenou Os presentes autos têm por objecto a investigação de uma rede de fraude intracomunitária ao IVA que, operando no sector dos telemóveis, desde 2015 tem estado a desenvolver ininterruptamente esquemas de defraudação do Estado português em sede de IVA utilizando o modus operandi característico da denominada fraude carrossel.

    Esses esquemas de defraudação do Estado em sede de IVA que se desenvolvem através da associação de operações intracomunitárias isentas de IVA e operações nacionais não isentas, implicam a participação de vários operadores que, entre si, formam circuitos económicos de mercadorias ou só circuitos de facturação, nos casos em que a mercadoria é fictícia Tendo em vista: -Identificar e comprovar a totalidade da mercadoria que circulou pelos missing trader, buffer e broker referenciados nos autos, -A totalidade da facturação por eles emitida em razão das transacções ou supostas transacções dessas mercadorias (reais ou fictícias) -Reconstituir a totalidade dos circuitos fraudulentos -Identificar e comprovar o papel dos operadores que neles participaram Foi ordenada a realização de buscas a vários locais e, no que agora importa, às instalações da ACA, Lda. e APT, Lda. em relação às quais existem suspeitas de operarem de broker tendo em vista a apreensão de objectos e documentos relevantes para a investigação em curso e susceptíveis de servir de prova dos factos, nomeadamente elementos contabilísticos e respectivos documentos de suporte relacionados com a actividade criminosa indiciada Ora, para esse efeito é indispensável à investigação aceder e analisar toda a contabilidade e facturação dos exercícios de 2015 e 2016. So assim será possível à investigação determinar a totalidade das mercadorias oriundas dos missing trader já identificados e noutros que venham a ser identificados e concretizar cada um dos items que as integram (IMEI), qual o destino que as arguidas deram as essas mercadorias e quais os documentos de suporte dessas operações, nomeadamente, a respectiva facturação e eventuais notas de crédito.

    Pelo exposto, vai indeferido o requerido.

    2.2-Em 30/08/2016, as arguidas/ora recorrentes apresentaram nos autos requerimento dirigido ao Exmº Procurador da República – fls. 3037/3040 - nos seguintes termos (transcrição): ACA LDA., e APT, LDA., ARGUIDAS nos autos acima referenciados e neles devidamente identificadas, tendo sido notificadas do Despacho de fls. 2707 -2708, vêm expor e requerer a V. Exa o seguinte: 1.º- Pelo Despacho de fls. 2707 -2708 foi indeferido o requerimento das ora ARGUIDAS, de que fosse dada sem efeito a notificação das Arguidas para que procedam à entrega de todos os ficheiros (informáticos) resultantes do sistema "SAFT" que respeitem à contabilidade e à facturação, dos anos de 2015 e 2016, bem como de todas as facturas e notas de crédito por estas emitidas em 2015 e 2016, com fundamento na manifesta desproporcionalidade...

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