Acórdão nº 925/14.6T8CSC.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelGRA
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: Partes: MANUEL E OUTROS – (Autores/Recorridos) A, SA – (Ré/Recorrente ) Pedido.

a)-Declaração judicial de nulidade da Escritura de Justificação outorgada pela Ré A, SA. no dia um de Outubro de 1997, no Cartório Notarial de Lisboa, relativa aos prédios rústicos identificados no artigo 1 ° da petição descritos na Secção da Conservatória do Registo Predial de C..., sob os nºs.; b)-Cancelamento dos registos de aquisição dos identificados prédios, a favor da Ré, a que se refere a Apresentação n.º; c)-Declaração de nulidade de quaisquer outros contratos e correspondentes registos de aquisição que a Ré tenha celebrado, tendo por objecto os já identificados prédios; d)-Que seja declarado que os Autores são os legítimos donos e possuidores dos prédios em questão, ordenando-se que os mesmos retornem à sua posse e propriedade.

Fundamentos.

-serem donos e legítimos possuidores de três prédios rústicos, por lhes ter sido transmitido por morte de seus pais e, por sua vez, a estes, também pelos pais; -terem os referidos prédios integrado a relação de bens deixados por morte de seus pais M e Maria da Conceição ocorrida, respectivamente, em 21 de Março de 1953 e 26 de Julho de 1960; -encontram-se os referidos prédios inscritos na matriz em nome de M e Maria da Conceição, embora não estejam descritos na Conservatória do Registo Predial; -terem agido sempre como proprietários dos imóveis, fazendo-o de forma pública, pacifica, contínua, sem oposição e de boa fé, praticando actos materiais que o traduzem; -terem, desde 1974, tolerado que a Ré entrasse nos referidos terrenos por a mesma se mostrar disposta a negociar o preço dos mesmos, com vista à sua aquisição; -ter a Ré celebrado escritura de justificação notarial com vista à aquisição, a seu favor, dos prédios dos Autores, nela declarando que havia adquirido os prédios por compra e venda verbal; -encontrar-se a referida escritura sustentada em falsas declarações; -terem sido efectuadas notificações de incertos, quando os prédios se encontravam inscritos na matriz em nome dos Autores.

Contestação.

A Ré defendeu-se por excepção (invocando a sua ilegitimidade) e por impugnação, pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.

Na réplica os Autores pugnam pela improcedência da excepção e pedem a condenação da Ré como litigante de má-fé.

Os Autores vieram requerer a intervenção principal provocada de A, S.A. e S, SA, a quem foram transmitidos os imóveis.

Admitido o incidente e após citação as Intervenientes vieram alegar beneficiarem da presunção do direito de propriedade sobre os prédios atenta a existência de registo dos prédios em seu favor.

Sentença.

Julgou a acção procedente, determinando: 1-Declara-se impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 1 de Outubro de 1997, por a Ré não ter adquirido os prédios nela identificados, correspondente ao do artigo 1.º da petição inicial, descritos na Secção da Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob os nºs. Freguesia de Alcabideche, por usucapião; 2-Declara-se ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma que a Ré não possa, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado; 3-Ordena-se o cancelamento de quaisquer registos operados com base na dita escritura; 4-Declaram-se ineficazes e de nenhum efeito todas as transmissões efectuadas, e correspondentes registos, tendo como base a escritura de justificação; 5-Declara-se que os Autores são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no artigo 1.º da petição inicial; 6-Julga-se improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má fé; 7-Julga-se improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé; Custas por Autores e Ré, fixando-se a responsabilidade dos Autores em 1/10.

Conclusões do recurso (transcrição) 1.-As respostas dadas pelo Tribunal de 1.ª Instância aos artigos 1.º a 7.º da Base Instrutória devem ser revogadas, porque: (i)–foram infirmadas pela testemunha Maria (que demonstrou ter conhecimento directo dos factos); (ii)–revelam-se incongruentes com as alíneas NN) a TT) da Matéria Assente e as respostas aos artigos 9.º, 10.º e 12.º a 15.º da B.I.; (iii)–basearam-se em depoimentos de testemunhas de relato ex parte ou que admitiram estar incertas sobre a matéria em causa; (iv)–não são suportadas pelos Docs. 1 a 5 da p.i.

  1. -Assim, a matéria dos artigos 1.º a 7.º da B.I. deve ser dada como não provada, o que determina que a matéria do artigo 8.º da B.I. seja também dada como não provada.

  2. -Em qualquer caso, a matéria do artigo 8.º da B.I. deve ser dada por não provada, porquanto: (i) não é suportada pelos Docs. 1 a 5, 8 e 9 da p.i.; (ii) revela-se inverosímil e incongruente com a demais matéria assente e dada como provada (referida na conclusão 1 supra).

  3. -No limite, e caso se entenda que a matéria do artigo 11.º da B.I. não deve ser objecto de resposta, idêntica solução deve ser adoptada relativamente à matéria do artigo 8.º da B.I., por conter matéria conclusiva relativa ao thema decidendum (quer por aplicação analógica do artigo 646º, n.º 4, do anterior do CPC, quer porque, nos termos do artigo 410.º do novo CPC, a instrução apenas pode ter por objecto factos).

  4. -Sob pena de se afigurar excessiva e violar os artigos 264.º, n.os 1 e 2 – 1.ª parte, e 664.º in fine ambos do anterior CPC (que correspondem ao n.º 1 do artigo 5.º do novo CPC), a resposta ao artigo 16.º da B.I. deve ser alterada para o seguinte teor: “Provado apenas que, em data indeterminada mas sempre depois de 1974, os autores já falecidos Manuel e Luís os demais herdeiros de Máximo e Maria da Conceição permitiram que a ré A incluísse os mesmos prédios no perímetro de protecção do autódromo do Estoril».

  5. -A resposta conjunta dada pelo Tribunal de 1.ª Instância aos artigos 17.º a 23.º da B.I. deve ser revogada, porque: (i) baseou-se em depoimentos de testemunhas de relato ex parte e, inclusivamente, em depoimentos de parte indirectos, que não foram corroborados por qualquer documento, não sendo aplicável o artigo 360.º do Código Civil (que foi violado pelo Tribunal de 1.ª Instância); (ii) foi infirmada pelas testemunhas Maria, Mária e Ana (que demonstraram ter conhecimento directo dos factos); (iii) revela-se incongruentes e inverosímeis com demais matéria assente e considerada provada referida na conclusão 1 supra.

  6. -Assim, a matéria dos artigos 17.º a 23.º da B.I. deve ser dada como não provada.

  7. -Em qualquer caso, e sempre sem conceder, a resposta conjunta ao artigo 17.º a 23.º da B.I. revelou-se excessiva, porque desrespeitou o âmbito temporal da questão formulada no artigo 17.º da B.I., que teve por base a matéria alegada no artigo 73.º da p.i., pelo que a decisão recorrida violou os artigos 264.º, n.os 1 e 2 - 1.ª parte, e 664.º in fine ambos do anterior CPC (que correspondem ao n.º 1 do artigo 5.º do novo CPC).

  8. -A matéria do artigo 11.º da B.I. deve ser considerada provada, porquanto a mesma resulta quer da prova testemunhal (Maria , Maria José, Fernando ), quer da prova documental produzida nos autos (cfr. Doc. 18 da contestação e Docs. 2 e 3 juntos aos autos pela Recorrente em 22.06.2012).

  9. -Caso assim não se entenda, no limite, o artigo 11.º da B.I. deve ser objecto da seguinte resposta explicativa: “A Recorrente considerava-se dona dos mencionados prédios, até porque apresentava-se com essa qualidade perante terceiros”, sob pena do vício de deficiência em que já incorreu a decisão recorrida, tendo violado o n.º 4 do artigo 653.º do anterior CPC.

  10. -Sendo o recurso quanto à matéria de facto julgado procedente, afigura-se evidente que a Ré Recorrente adquiriu a propriedade dos terrenos em causa na presente acção, por usucapião, nos termos do disposto nos artigos 1251.º, 1296.º, 1297.º e 1292.º (que remete para o artigo 303.º) todos do Código Civil.

  11. -Com efeito, é inequívoco que a Recorrente teve a posse pública e pacífica dos terrenos em causa nos presentes autos por mais de 20 anos, estando preenchidos os elementos do corpus e do animus inerentes à posse.

  12. -Em qualquer caso, mesmo que se entenda que o recurso relativo à matéria de facto deva ser julgado improcedente (sem conceder), é forçoso concluir que a decisão recorrida incorreu em erro na aplicação do direito.

  13. -Em primeiro lugar, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1253.º - al. a), 1287.º e 1296.º do Código Civil, porquanto dos factos provados conclui-se que a Recorrente exerceu a posse dos terrenos em causa por mais de 20 anos – actuando com o animus subjacente ao exercício da posse –, tendo-os adquirido por usucapião, nos termos e para os efeitos do artigo 1296.º do Código Civil.

  14. -Por um lado, considerando que o Tribunal de 1.ª Instância deu como provado que o elemento do corpus da posse da Recorrente está verificado desde 1969 (cfr. respostas aos artigos 9.º, 10.º e 13.º a 15.º da B.I.), presume-se o animus possidendi da Recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil, o qual foi violado na decisão recorrida.

  15. -Por outro lado, considerando que o animus se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados (o que não se confunde com a mera convicção pessoal de ser o titular do direito ou com a prática de actos jurídicos relacionados com a coisa), o animus das Recorrentes infere-se e revela-se pelo comportamento adoptado por esta, conforme resultou provado nas respostas aos artigos 9.º, 10.º e 12.º a 15.º da B.I., devidamente conjugadas com as alíneas NN) a VV) da Matéria Assente.

  16. -Com efeito, pelo menos desde 1969 e durante mais de 20 anos, as Recorrentes actuaram com a intenção e a motivação de que eram titulares dos terrenos sobre os quais foi construiu o Autódromo do Estoril, tendo-se comportando assim perante o Governo, as demais autoridades estatais, a...

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