Acórdão nº 555/15.5SDLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | JORGE RAPOSO |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido NBP, solteiro, pedreiro, natural da freguesia de --------------, concelho de Lisboa, nascido a 19/10/1974, filho de RP e de MBP, residente na Rua -------------------, em Lisboa, actualmente, recluso no Estabelecimento Prisional de Caxias, foi julgado e condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., no artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-A anexa ao mesmo diploma legal na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Foi declarada perdida a favor do Estado a heroína e a quantia monetária apreendida ao arguido NBP (artigo 35.º n.º 2 do Decreto Lei n.º 15/93, de 21/01).
Nos mesmos autos, o co-arguido AL foi absolvido da prática do crime de tráfico de estupefacientes em co-autoria material, pelo qual havia sido pronunciado.
* Inconformado, o arguido NBP recorreu, apresentando a seguinte síntese conclusiva: 1. O Tribunal Recorrido, ao julgar e condenar o Recorrente pela prática dos factos em apreciação nos presentes autos, exerce duplamente o poder punitivo pela mesma factualidade.
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Com efeito, o Recorrente foi condenado nos presentes autos pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, cujos factos ocorreram em 13 de Junho de 2015.
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Contudo, o Recorrente, no âmbito do processo n.º 82/15.0JELSB, o qual correu termos na Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1.ª Secção Criminal, J16, foi igualmente julgado e condenado em pena de prisão por um crime de tráfico de estupefacientes, imputando-se-lhe neste processo a prática de vários actos delituosos, entre Março de 2015 até ao dia 05 de Agosto de 2015.
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Ora, encontrando-se em ambos os processos a apreciação de factos imputados ao Recorrente relacionados com a prática do crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º 21.° do Dec-Lei 15/93; existindo uma relação de contemporaneidade entre eles; existindo uma coincidência espacial em ambos os processos (Lisboa, Rua --------- (zona da Av. ------- e Rua -----)); encontrando-se ambos os processos a ser tramitados na mesma secção do DIAP e pela mesma magistrada do Ministério Público, sendo certo que existem inúmeras referências dos presentes autos no processo 82/15.0JELSB; e estando perante uma única resolução criminosa, a qual é manifesta, nenhuma razão objectiva ou subjectiva existe para que o Recorrente seja julgado e condenado em processos distintos.
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Assim, a decisão recorrida violou o princípio do non bis in idem, previsto no art.º 29.°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, deverá o Recorrente ser absolvido nos presentes autos.
Caso assim se não entenda, embora sem conceder, sempre se dirá 6. O acórdão recorrido padece do vício previsto no art.º 410.°, n.º 2, al. a) do C.P.P., nomeadamente, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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Pois, o Tribunal a quo declarou perdida a favor do Estado a quantia de € 385,00 apreendida ao Recorrente, sem que da matéria de facto provada resulte que o aludido montante é produto da actividade delituosa em apreciação nos presentes autos.
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Ora, a perda de quaisquer bens apreendidos é apenas uma consequência jurídica dos factos provados e na ausência destes, como acontece in casu, não podia o Tribunal recorrido decidir como decidiu.
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Pelo que não deverá ser declarada perdida a favor do Estado a quantia monetária apreendida ao Recorrente.
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Por último, entende o Recorrente que os factos provados constantes no Acórdão recorrido são enquadráveis na previsão legal constante do art.º 25.° al. a) do DL n.º 15/93 e não apenas no art.° 21.°, pelo qual o Recorrente foi condenado.
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Na verdade, estamos perante um caso de pequeno tráfico, bem distante dos casos que envolvem grandes narcotraficantes ou tráfico de grande ou médio vulto.
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Sendo que a pretensão do legislador ao criar o normativo previsto no art.º 25.° al. a) do DL 15/93, de 22.01, foi precisamente o de consagrar na lei tal distinção, como resulta da Nota Justificativa da Proposta de Lei enviada à Assembleia da República.
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Assim, no limite, deveria o Recorrente ter sido condenado pela prática do crime previsto no citado art.º 25.° al. a) do Dec-Lei 15/93 de 22 de Fevereiro em pena que, a nosso ver, não deveria, nem deverá ultrapassar os 2 anos de prisão.
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Pena essa que, atendendo às circunstâncias da prática dos factos, entendemos dever ser suspensa na sua execução, nos termos do disposto no art.° 50.° n.° 1 do Cód. Penal.
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Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.ºs 21.° e 25.°, n.º 1 do D.L.15/93, de 22.01, 50.° e 71.°, ambos do Código Penal, 410.°, n.º 2, al. a) do CPP e 29.°, n.º 5 da CRP.
Nestes termos e sempre sem olvidar o douto suprimento de V. Ex.e-, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser o acórdão recorrido substituído por outro que absolva o Recorrente ou, no limite, condene o mesmo pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art.º 25.º do D.L.15/93, de 22/01, em pena de prisão não superior a 2 anos e suspensa na sua execução por igual período, como é de elementar JUSTIÇA! Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo pela procedência parcial do recurso, dizendo, em síntese, não se verificar o pressuposto do caso julgado, ou seja, o trânsito em julgado da decisão, pelo que não se pode concluir pela existência da excepção do caso julgado por violação do ne bis in idem; inexistir insuficiência da matéria de facto para declarar a perda a favor do Estado da quantia de 385,00 Euros apreendida porquanto, tendo ficado provado que o Recorrente destinava a heroína que detinha à venda, é de presumir, face às regras de experiência comum, que a quantia fosse proveniente da venda da droga; e, aceitando que se verifica a diminuição da ilicitude que o art.º 25.º al. a) considera, porém, que a pena deve ser fixada em medida próxima do limite máximo, nos termos fixados pelo Acórdão e nunca em dois anos de prisão, suspensa na sua execução como pretendido.
* O recurso foi admitido.
O Recorrente declarou pretender a realização da audiência especificando pretender ver debatidas todas as questões colocadas à apreciação.
Em exame preliminar o relator consignou que o recurso devia ser julgado em conferência porquanto: Apesar do Recorrente manifestar o propósito de que o recurso seja decidido em audiência, fundamenta esse pedido de forma genérica “a fim de ver debatidas todas as questões ora colocadas à apreciação”, não requerendo a renovação da prova nem procedendo à especificação dos “pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos” como lhe impõe o art. 411º nº 5 do Código de Processo Penal. Efectivamente, essa referência genérica a “todas as questões” não cumpre a obrigação de especificação exigida pela lei. Por isso, por falta de fundamentação, tendo em atenção que servindo a audiência exactamente para debater esses pontos ou para a renovação da prova, não sendo indicado quais os pontos concretos a debater nem sendo requerida a renovação da prova, a realização de audiência se torna um acto inútil, o acórdão será proferido em conferência, sendo a adequação deste procedimento decidido definitivamente no acórdão a proferir.
A exigência de especificação – concretização – de cada um dos pontos a debater encontra suporte em várias decisões desta Relação, tendo em atenção que esta leitura restritiva se impõe pela circunstância do legislador ter considerado a audiência como «acto processual supérfluo», pois «a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações» (ver a motivação da proposta de lei 109/X), procurando imprimir celeridade processual e, ponderando que a audiência já constituía um direito renunciável, o legislador consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa desta 3ª secção no proc. 51/15.0YUSTR.L1 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, pg. 1118.
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Assim, in casu não se justifica a realização de audiência.
* Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal).
II – FUNDAMENTAÇÃO As relações reconhecem de facto e de direito (art. 428º do Código de Processo Penal) e, no caso, não foi interposto recurso sobre a matéria de facto.
É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).
* Sintetizando, são as seguintes as questões a decidir: 1. Violação do princípio ne bis in idem; 2. Perdimento da quantia apreendida; 3. Qualificação jurídica (tráfico de menor gravidade); 4. Medida da pena e suspensão da sua execução.
*** Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada: MATÉRIA DE FACTO PROVADA De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto: 1. No dia 13 de Junho de 2015, pelas 16 horas e 45 minutos, os arguidos AL e NBP encontravam-se no interior do veículo automóvel, de matrícula XX-XX-XX, marca Citroen, modelo Berlingo, de cor branca, a circular no cruzamento entre a Rua Maria Pia e a Rua Guilherme Anjos, nesta cidade de Lisboa.
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O arguido AL seguia no lugar do condutor, e o arguido NBP, no lugar de pendura.
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Ao aperceberem-se da presença dos agentes policiais naquele local, o arguido AL efectuou manobra de marcha atrás.
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Acto contínuo, o arguido NBP saiu do veículo automóvel e, apeado, colocou-se em fuga, no sentido descente da Rua...
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