Acórdão nº 12/15.0JDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução04 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Na 1ª Secção Criminal da Instância Central de Lisboa, por acórdão de 13/01/2017, constante de fls. 472/489, foi o Arg.

[1] AAA, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 163[3]) condenado nos seguintes termos: “… Pelo exposto, delibera o tribunal colectivo:

  1. Condenar o arguido AAA como autor material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo artigo 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (sendo vítima a menor Jéssica).

  2. Condenar o arguido AAA como autor material e na forma consumada de uni crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo artigo 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (sendo vítima a menor Jéssica).

  3. Condenar o arguido AAA como autor material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo artigo 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (sendo vítima a menor Jéssica).

  4. Condenar o arguido AAA como autor material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo artigo 171.°, n.°s 1 e 2 e 177.°, n.° 1, al. b), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão (sendo vítima o menor Nuno).

  5. Em cúmulo jurídico das quatro penas parcelares vai o arguido condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

  6. Vai ainda o arguido condenado nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 4 (quatro) U.C.'s (arts. 513.° e 514.° do CPP e art. 8.°, n.° 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa).

  7. Condenar o arguido/demandado no pagamento a BBB do montante de € 3.450,00 (três mil e quatrocentos e cinquenta euros), a título de indemnização civil, absolvendo-se do demais pedido.

  8. Custas do pedido de indemnização civil pela demandante e demandado, na proporção do respectivo decaimento.

  9. Ordenar a recolha de amostras do ADN do arguido e que os perfis resultados da amostra sejam inseridos na base de dados de perfil de ADN para efeitos de investigação criminal, caso ainda não se encontrem inseridos, sendo a respectiva recolha solicitada ao INML, Delegação Sul (arts. 5.0, n.° 1, 8.°, n.° 2 e 18.°, n.° 3 da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro).

    …”.

    * Não se conformando, o Arg.

    interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 513/543, com as seguintes conclusões: “… A. O Arguido prestou declarações em audiência de uma forma coerente e espontânea, ainda que nervosa, simplesmente não conseguindo explicar os factos, porque os desconhece e perplexo, a sua reação é a de mera negação, uma vez que não cabe ao mesmo encontrar explicações para a motivação da menor e da avó da mesma.

    1. O depoimento da menor BBB, depoimento para memória futura, ouvido em sede de audiência, foi um depoimento reticente, sem emoção e claramente conduzido.

    2. Na verdade, não tendo sido o mesmo sujeito ao principio do contraditório a menor disse o que quis, não foi minimamente questionada sobre alguns pormenores, nomeadamente temporais e circunstanciais.

    3. Não se questionou a mesma do período de tempo em que isto aconteceu, quando pela mesma foi dito e está no processo a fls. 88 a 93, que tudo terá ocorrido aquando do parto da irmã DDD, e considerou-se provado que tal decorreu durante um período muito mais alargado, e nem nesta questão se fala.

    4. Também não foi a mesma questionada acerca de onde estaria o irmão CCC, e o irmão EEE quando ocorreram os alegados abusos.

    5. Nos factos que a mesma relata referentes ao irmão como poderia a mesma estar no beliche, deitada na cama de cima, e conseguir ver o irmão CCC, sentado na cama de baixo? E ver a cara do mesmo ficar roxa? Parece-nos ser muito difícil à mesma conseguir visualizar tais factos.

    6. E isto é muito grave, porque se consideraram provados estes factos, só pela palavra da mesma, quando o menor CCC, apesar de muitas vezes instado nunca os relatou, se calhar porque não aconteceram.

    7. O relatório médico legal de fls. 462 a 466 contém um relato da examinanda sobre os motivos da perícia à menor BBB. Neste relato a menor diz "Ele ( AAA, o então companheiro da mãe) só fazia estas coisas quando a minha mãe estava na maternidade com a minha irmã mais pequena...primeiro ele fez com o meu irmão ( CCC )...um dia de manhã...(...)...Comigo foi noutro dia...no dia a seguir ou dois dias, a minha mãe também estava na maternidade, só vinha ao jantar para comermos (...)ele estava no sofá...chamou-me... (...)E depois a segunda vez também foi comigo, foi na casa de banho, ele disse que me ia dar banho e afinal não foi...ele não tinha roupa já...eu também tinha tirado a roupa, pensei que ele me ia dar banho...foi o mesmo que no sofá (...) foi na banheira.

      I. Este relato, do relatório pericial, que foi valorado como prova, é por si só uma clara contradição ao depoimento prestado para memória futura, em pormenores importantes, nomeadamente o período temporal dos alegados abusos, bem como as circunstancias, que, no caso da banheira, são completamente diferentes.

    8. Mais se diz nesse relatório pericial que a avó " nega ter observado sofrimento psicológico ou alterações comportamentais ou emocionais na menor ". E refere ainda que a menor tem psicóloga desde que vive com ela.

    9. Donde se conclui que a menor não é acompanhada por uma psicóloga devido aos factos denunciados, mas sim porque foi sujeita a uma intervenção cirúrgica complicada, primeiro no hospital e depois o processo passou para a escola.

      L. Certo é que a suposta necessidade de um psicólogo não decorre dos alegados factos praticados pelo arguido.

    10. Este relatório conclui ainda que " não se observam alterações psicopatológicas decorrentes do alegado abuso sexual....".

    11. No relatório pericial do menor Nuno , junto a fls. 454 a 457, concluem que " o menor nega a situação de abuso sexual em apreço nos autos, bem como quaisquer formas de maus tratos perpetrados pelo padrasto ou outra pessoa.(... )Assim, alguns medos específicos (... ) embora se encontrem frequentemente em crianças vitimas de abuso sexual, podem também ser atribuídos à insegurança emocional que o menor vivencia na sua vida familiar, vindo para primeiro plano a ansiedade de separação e medo de abandono.

    12. O menor CCC reagiu às perguntas, respondendo às mesmas, e colaborando, se não disse o que queriam foi porque não aconteceu, e o mesmo exterioriza um grande carinho pelo arguido e refere ter saudades dele.

    13. Entendemos que com a prova produzida não podia ter sido esta a decisão, ainda que ao abrigo do art°. 127 do C. P. P. exista livre apreciação da prova.

    14. Este preceito obriga-nos ainda assim a assentar a documentação dos factos provados em depoimentos concretos e em factos, sob pena de se verem infringidos muitos dos preceitos processuais.

    15. Ainda que ao abrigo do art°. 127 do CPP o tribunal possa apreciar a prova livremente, esta tem e terá sempre que ter os limites da própria prova, sob pena do aplicador da lei ficar com poderes acima da mesma.

    16. Não se fez assim qualquer prova de que o Arguido tenha praticado os factos pelos quais foi condenado, devendo o mesmo ser absolvido da prática dos mesmos, porque só assim se fará a devida justiça.

    17. Fazendo assim valer o honroso principio basilar do nosso sistema jurídico - " in dúbio pro reo ", e numa análise ponderada e justa a decisão nunca poderá ser a que veio a ser proferida.

      DE DIREITO: U. Das declarações para memória futura e a validade das mesmas.

      V. Resulta dos autos que o arguido só foi constituído arguido aquando da sua detenção em 29 de Outubro de 2015 ( cfr com fls. Dos autos ).

    18. As declarações para memória futura da menor BBB foram prestadas em 28 de Setembro de 2015.

      X. Ocorreram portanto quase um mês antes do arguido ser constituído como tal, ter conhecimento do processo, e poder usar dos seus direitos enquanto tal.

    19. A fls. 116 foi enviada notificação para o arguido, para as declarações para memória futura da menor em 11 de Agosto de 2015.

    20. O Arguido não recebeu essa notificação, e ainda que a tivesse recebido, a mesma era-lhe estranha e ainda não gozava do estatuto de arguido nos autos.

      AA. Terá sido notificado do adiamento desta diligência, o que também não ocorreu.

      BB. Foi marcada nova data, não tendo o arguido sido notificado da mesma.

      CC. Na data designada foi-lhe nomeada uma defensora oficiosa, nomeada a um arguido que ainda não o era.

      DD. Como será óbvio, esta defensora não conhecia o arguido, nem o processo.

      EE. Principio basilar do nosso sistema penal é o principio do contraditório.

      FF. Mais básicos ainda são os direitos do arguido (art°. 61 do CPP), que, no que aqui interessa, n°. 1 ai. a) " o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, dos direitos de: estar presente nos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito ".

      GG. Não foi garantido este direito, nem tão pouco o Ministério Público tentou mais tarde colmatar este erro grave, com a tomada de novas declarações para memoria futura.

      HH. Mais, insistindo na ignorância profunda dos direitos mais básicos do arguido, não fez comparecer a menor ao julgamento, apesar de nada ter sido alegado que levasse a que essa comparência não fosse conveniente.

      II. Por tudo o que ficou aqui exposto, não devem ser valoradas, nem tão pouco usadas como prova, declarações que violaram os mais princípios básicos do nosso sistema processual penal.

      JJ. Entendeu o tribunal que cada uma das condutas do arguido, cada ato sexual, é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele, autónomo de censura, constituindo, assim, um crime em concurso efetivo, com os demais (art°. 30 n°. 1 do Código Penal).

      KK. Temos que discordar desta subsunção dos factos ao direito.

      LL. Segundo é referido pela Menor BBB no relatório pericial que já se citou antes, todos os...

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