Acórdão nº 2471/16.4T8LSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Decisão: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: A autora intentou a 29/01/2016 presente acção comum contra o BES, o NB e o FdR, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe, solidariamente, 104.500€, com juros, investidos em Euro Aforro 10, em EG Premium, Euro Aforro 8 e em Poupança Plus e 10.000€ a título de danos não patrimoniais.

Alega para tanto, em síntese, que foi levada, pelo BES, a comprar acções preferenciais / produtos financeiros de risco, em vez de ter investido em depósitos a prazo como pensava estar a fazer; quer a conta, quer as responsabilidades inerentes a ela, quer o património do BES foram transmitidas para o NB, na sequência da medida de resolução aplicada ao BES pelo BdP em 03/08/2014, transferência essa tornada evidente (elucidada e definida por completo) pela deliberação de 11/08/2014; como o único accionista do NB é o FdR, também este réu, tal como os outros dois, deve ser condenado a pagar à autora os tais 104.500€ que são os valores que esta julgava ter investido; os 10.000€ pedidos são o valor da indemnização pelos danos morais que a perturbação do bom cumprimento dos contratos lhe causou.

Os réus contestaram, excepcionando: o BES a sua ilegitimidade processual passiva, bem como a excepção peremptória da inexigibilidade do cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas para o NB em resultado da medida de resolução aplicada pelo BdP; o NB a sua ilegitimidade substantiva ou a impossibilidade superveniente da lide; o FdR a incompetência absoluta do tribunal judicial em razão da matéria que lhe diz respeito.

Para além disso, todos eles impugnaram os factos alegados pela autora.

A autora respondeu às excepções, defendendo a sua improcedência e a inconstitucionalidade da interpretação da deliberação do BdP de 29/12/2015 em termos que considerem que este, uma entidade administrativa sujeita a controlo jurisdicional dos tribunais, pode, por acto discricionário, impedir os efeitos de decisões judiciais que sejam contrárias às suas deliberações.

O BES veio entretanto comunicar que, na sequência de deliberação do Banco Central Europeu, de 13/07/2016 (entretanto transitada), que revogou a autorização do exercício da actividade do BES, se encontrava em processo de liquidação judicial requerido pelo BdP; em conformidade, pede que seja declarada, em relação a si, a extinção da instância, nos termos e para os efeitos do art. 277-e do CPC.

A autora opôs-se alegando, além do mais, que o despacho de prosseguimento da liquidação foi objecto de recurso.

No despacho saneador foi julgado: procedente a excepção da dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, no que concerne ao FdR, absolvendo-o da instância; verificada a inutilidade superveniente da lide em relação ao BES; que o NB não era parte na relação jurídico-material posta em jogo nesta acção (enquadrando-se tal como ilegitimidade substantiva), pelo que quanto, a ele, a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido.

A autora recorre deste saneador-sentença, pondo em causa estas três decisões.

Os réus contra-alegaram defendendo a improcedência do recurso.

As questões que importa decidir são as de saber se se devem confirmar ou não as três decisões referidas. I Quanto à excepção da incompetência absoluta O tribunal recorrido, seguindo no essencial, a contestação do FdR, começou por chamar a atenção para o facto de que a autora, no que ao FdR tange, só invocou como causa de pedir o seguinte: i. por força de uma medida de resolução aplicada pelo BdP ao BES, em 03/08/2014, a conta da autora no BES passou para o NB de que é único accionista o FdR; ii. por força desta medida de resolução a relação jurídica entre a autora e o BES foi «cedida» a benefício do NB, que é controlado pelo FdR, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças; iii. o único accionista do NB é, por essa razão, o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa sub-reptícia «cessão de créditos».

E depois diz: O poder jurisdicional encontra-se dividido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas suscitadas perante eles – cf. art. 211 da Constituição da República Portuguesa e art. 37 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26/08). Segundo aquela norma constitucional, “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.” Consagra-se, na última parte deste preceito, o princípio da competência genérica ou residual dos tribunais comuns.

A determinação da competência do tribunal, em razão da matéria é um pressuposto processual que deve ser apreciado antes da questão ou questões de mérito, sendo decidida em face do teor da petição inicial e tomando em conta, por um lado, a pretensão formulada ou a medida jurisdicional requerida e, por outro, a relação jurídica ou situação factual descrita nessa peça processual (entre muitos outros arestos, cf. o acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 01/07/1993, Colectânea de Jurisprudência, 1993, tomo III, págs. 144 a 146, e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 90 e 91).

De acordo com o regime plasmado nos arts. 153-B, n.ºs 1 e 2, e 153-C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (= RGICSF), na versão em vigor à data da resolução do BES, e dos arts. 2 e 3/1 do Regulamento do Fundo de Resolução (RFR), aprovado pela Portaria 420/2012, de 21/11, o FdR é uma “pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira”, que funciona junto do BdP e que tem por objecto “prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo BdP e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”.

Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao FdR as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo, exorbitantes das de direito privado – insusceptíveis, portanto, de aplicação às relações entre particulares. Aliás, o contencioso administrativo aplica-se mesmo quando se trate de responsabilidades derivadas de actos de gestão privada, isto é, praticados e regulados ao abrigo de normas de direito privado, como decorrência da alínea f do art. 4/1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei 13/2002, de 19/02.

A Lei 58/2011, de 28/11, autorizou o Governo a proceder à revisão do regime aplicável ao saneamento e liquidação das instituições de crédito sujeitas à supervisão do BdP. Na sequência dessa lei de autorização, veio o DL 31-A/2012, de 10/02, introduzir alterações ao RGICSF, adoptando um novo regime de intervenção do BdP, nas instituições de crédito em dificuldades financeiras, permitindo-lhe, nomeadamente, proceder à resolução das mesmas, através de alguma das modalidades previstas nos arts. 145-F e 145-G desse diploma, com a possibilidade, entre outras, de “determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa.” Neste contexto legislativo determinou-se a criação “de um FdR que tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação das medidas de resolução que venham a ser adoptadas pelo BdP […]” cf. preâmbulo do DL 31-A/2012.

No quadro da adopção de medidas de resolução em que seja criado um banco de transição, para o qual sejam transferidos, parcial ou totalmente, os activos, passivos, e elementos extrapatrimoniais da instituição de crédito objecto de resolução, o capital social desse banco é realizado pelo FdR – art. 145-G/4 do RGICSF. Por sua vez, nos termos do art. 145-H/1 do RGICSF, “o BdP selecciona, dentro dos limites do estabelecido no n.º 2 do mesmo preceito, os activos, passivos e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição.” Foi ao abrigo deste regime que o Conselho de Administração do BdP, por deliberação de 03/08/2014 (20h), aplicou uma medida de resolução ao BES e, nessa sequência, determinou a constituição do NB, aprovou os respectivos Estatutos – nos termos do art. 145-G/5 do RGICSF –, determinando, ainda, a transferência para o NB de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão existentes na esfera jurídica do BES (pontos 1 e 2 daquela deliberação).

Nos Estatutos do NB, constantes do anexo 1 à deliberação de 03/082014 do BdP, dispõe-se (art. 4) que o respectivo capital social é de 4.900.000.000€, integralmente detido pelo FdR. Foi, portanto, segundo as enunciadas normas do RGICSF e das cláusulas estabelecidas na medida de resolução, integradas por normas de direito administrativo, que o FdR disponibilizou aquele montante para capitalização do NB, permitindo-lhe a prossecução da actividade do BES, assegurando os interesses dos respectivos depositantes e credores comuns, e evitando a propagação sistémica da situação do BES aos demais bancos do sistema financeiro nacional.

Na presente acção a autora refere-se a responsabilidade “de natureza contratual ou extracontratual” (n.º 7.6 da petição).

Estando em causa a determinação da responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, está-se perante matéria regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei 67/2007, de 31/12. O FdR, como se disse, é uma “pessoa colectiva de direito...

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