Acórdão nº 462/14.9GCMFR.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


* Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Juízo Local Criminal de Mafra, por sentença de 23/11/2016, constante de fls. 107/203, foi o Arg.

[1] XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 16[3]) condenado nos seguintes termos: “… Pelos fundamentos expostos, julgo procedente a acusação pública e, em consequência, decido: a) condenar o arguido XXX como autor material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artº 291º, nº 1, al. b) do C.P., na pena de 115 (cento e quinze) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), o que perfaz a multa global de 690,00 € (seiscentos e noventa euros); b) condenar o arguido XXX na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do artº 69º nº 1 al. a) do C.P.; Deverá o arguido entregar, no prazo de dez dias, após o trânsito em julgado da sentença, na secretaria deste Tribunal, ou em qualquer posto policial, a sua licença de condução ou qualquer outro documento que a habilite a conduzir qualquer tipo de veículo, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência (artigos 69.º, n.º 3, 348º, nº 1, al. b) do C. P. e 500º, nº 2 do C. P. P. e Acórdão S.T.J. nº 2/2013).

Se conduzir veículo automóvel no período durante o qual se encontra proibido de o fazer, incorrerá na prática de um crime de violação de proibições (artº 353º do C.P.).

  1. Mais decido condenar o arguido nas custas processuais penais, fixando-se em 2 UC’s a taxa de justiça (artºs 513º e 514º do C.P.P., 8º, nº 9 do R.C.P. e tabela III anexa).

    …”.

    * Não se conformando, o Arg.

    interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 129/154, com as seguintes conclusões: “… 1. – A sentença de que ora se recorre enferma de vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artº 410º, nº 2, b) do C. P. Penal. De facto, 2. – Da análise dos depoimentos do queixoso e de sua companheira resultam claras discrepâncias em pontos fundamentais dos discursos no que tange ao preenchimento dos elementos constitutivos do crime de que o arguido vem acusado.

    1. – O arguido não colocou em momento nenhum em perigo, objectivamente, a vida ou a integridade física dos ocupantes do veículo conduzido pelo queixoso.

    2. - De facto, não violou grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, á ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão de sentido de marcha em auto-estrada ou em estrada fora de povoações, à marcha atrás em auto-estrada ou em estradas fora de povoações ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita.

    3. – Por um lado a deslocação em velocidade propositadamente lenta não se encontra mencionado entre os casos objectivamente mencionados no artº 291º, nº 1, al. b) do C. P. Penal.

    4. – Por outro lado, a ultrapassagem foi efectuada por forma forçada pois o queixoso vinha impedindo que a mesma se realizasse e quando este verificou que não a conseguia impedir travou para que a mesma se concluísse com segurança – “Mas pronto, depois ele ultrapassou porque eu travei e ele depois passou pata a frente…” 7. – A versão de que o queixoso travou para permitir a ultrapassagem, versão por este debitada, entra em choque com a da sua companheira que refere que o queixoso travou porque o arguido “… quando ultrapassou, guinou…”, “… não deu espaço de segurança para se dirigir para a direita…”.

    5. – E quando o arguido parou junto à casa do filho, onde tem a sua garagem, parou fora da estrada onde ambos os carros vinham circulando. Contudo, 9. – A AAA, companheira do queixoso, quando foi instada para responder “… se ele parou dentro da estrada em que vocês seguiam ou fora da estrada?...” ela referiu que “… sim. Foi relativamente… foi a metade. Pronto”.

    6. – Já o queixoso, quando a Meritíssima Juiz a quo perguntou “…se o carro do arguido quando parou à frente da casa do filho, se impediu, se tiveram que se desviar vocês para prosseguirem o vosso caminho?” ele respondeu “… Ah, a gente teve que travar se não, não dava depois para passar, que ele estava a obstruir a ruazita”.

    7. – Sendo certo que qualquer das duas testemunhas ouvidas sobre esta matéria referiram, unanimemente que o veículo do arguido parou fora da rua/estrada, dentro do lugar do Carvalhal, por onde até então haviam circulado os dois veículos.

    8. –A diferença dos depoimentos do queixoso e sua companheira, que claramente pretendiam incriminar o arguido, e a sua falta à verdade no tocante ao local de paragem no final do trajecto comum –único facto presenciado por terceiros – deviam ter alertado a Meritíssima Juiz a quo para a infidelidade dos dois no respeitante à verdade dos factos.

    9. – Ao aceitar como integralmente verdadeiros tais depoimentos, dispensando uma cuidada análise sobre a matéria de facto que deu como provada, julgou a Meritíssima Juiz a quo incorrectamente cometendo um erro notório na apreciação da prova.

    10. – As diferenças de versões transmitidas pelo queixoso e sua companheira e a sua falta à verdade quanto ao ponto de paragem no final da viagem, impõem decisão diversa da recorrida. De facto, 15. – Quando não se queira aceitar a versão do arguido, e não se vê razão para não a aceitar a menos que se entenda que por ser versão de arguido a mesma não é, por si, credível, levaria pelo menos a recorrer ao princípio “in dubio pro reo” e não se dar como provados os factos constitutivos da acusação.

    11. – “O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo” – cfr. Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 25.03.2010 – Proc. 1058/08.0TACBR.C1.

    12. – II - O «in dubio pro reo é um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão-de-direito que cabe, como tal, na cognição do STJ. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova: mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmo), conforma ele um daqueles princípios que (…) devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma «questão-de-direito» para efeito do recurso de revista» – Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª ed. (1974), Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 217-218; cf., ainda, Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997, e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 437.

      III- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.

      IV- Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

      – vide Acórdão do S.T.J. de 12.03.2009 tirado no Proc. 07P1769.

    13. – Deverá, pois, quanto mais não seja por respeito a este princípio, ser anulada a sentença ora posta em crise e em sua substituição ser proferida uma outra que dando como não provados os factos de acusação, absolva o arguido da mesma.

      …”.

      * A Exm.ª Magistrada do MP[4] respondeu ao recurso, a fls. 194/198, nos seguintes termos: “… 1. De uma leitura atenta da decisão recorrida, resulta que a Mma. Juiz a quo, cumpriu a exigência legal de fundamentação ínsita no artigo 374.º, do Código de Processo Penal, descrevendo os factos que considerou provados e, seguidamente, descrevendo o raciocínio que a levou a considerar tais factos provados.

    14. Nessa análise da prova produzida explanada na sentença não se detecta qualquer erro notório na apreciação da prova, como previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea c), do Código de Processo Penal.

    15. Com efeito, o vício do erro notório na apreciação da prova apenas se verifica quando os factos dados como provados ou não provados contrariam todas as evidências, na perspectiva de um homem de formação média, bem como vão contra a lógica e as regras do senso comum.

    16. O raciocínio do Tribunal ao apreciar a prova produzida foi devidamente explicado na sentença e seguiu as regras da experiência e do senso comum, não existindo qualquer anomalia no processo lógico seguido.

    17. O que se verifica in casu é que, pura e simplesmente, o recorrente discorda da forma como o Tribunal analisou a prova produzida.

    18. E nesta sede, há que recordar que, nos termos do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

    19. Não podemos olvidar que o princípio constitucional da presunção de inocência (previsto no artigo 32.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa), do qual decorre o princípio do in dúbio pro reo apenas prevalece sempre que da apreciação da prova resulte uma dúvida insanável acerca da prática dos factos descritos na acusação. E, tal dúvida, não existiu na mente da Mma. Juiz a quo, pois que o Tribunal chegou a uma convicção não se vislumbrando da argumentação expendida na sentença qualquer falta de objectividade e lógica na apreciação feita.

    20. Por todo o exposto, afigura-se-nos que a decisão encontra-se devidamente fundamentada, sendo inatacável o processo lógico formado pelo Tribunal a quo para chegar à decisão.

      Por todo o exposto, entendemos dever ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, manter-se a decisão...

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