Acórdão nº 246/14.4TELSB-A.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Data da Resolução31 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: Nos presentes autos veio P.R. recorrer invocando segredo profissional .

Apresentou para tanto as seguintes – Conclusões que se transcrevem integralmente e na totalidade.

Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos presentes autos, que considerou ilegítima a invocação do segredo profissional pelo Recorrente, no âmbito da diligência de abertura de correio eletrónico.

Através da decisão ora em crise o Tribunal “a quo” determinou que o segredo profissional do advogado não é um valor absoluto, ou seja, refere que “nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo artigo 87.º, n.º 1, do EOA [atual artigo 92.º], mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta atividade profissional”.

Assim, de acordo com o despacho recorrido “só estão cobertos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta atividade profissional”.

A respeito deste tema, conclui a decisão em apreciação que “o conteúdo do correio eletrónico aprendido e visualizado e cuja junção aos autos foi ordenada pelo JIC, em nada belisca o artigo 87.º, n.ºs 1, 2, 3 e 7, do EOA [atual artigo 92.º], na medida em que, sem margem para quaisquer dúvidas, o teor do mesmo não se relaciona com assuntos profissionais do advogado (…) pelo que, não se pode sustentar a violação do segredo profissional (…)“.

Resulta também da decisão que agora se impugna que a invocação em causa é extemporânea, uma vez que “nos termos do artigo 76.º e 77.º do EOA, a invocação do segredo profissional deveria ter sido invocada no momento da busca e apreensão”.

Foi com base na argumentação que acima se sintetizou, que o Tribunal a quo considerou ilegítima a pretensão do Recorrente, relativamente à correspondência eletrónica junta aos autos – decisão com a qual o Recorrente não concorda, pelos motivos que passa agora a expor.

Quando se invoca o segredo profissional – neste caso, do advogado –, no processo-crime, a lei consagra um mecanismo específico para enfrentar o problema de saber se esta invocação é legítima ou não ou, ainda que seja legítima, se o segredo deve ser levantado.

No caso de apreensão e junção aos autos de documentos, como no caso vertente, resulta da interpretação conjugada dos artigos 180.º e 135.º, ambos do CPP (supra transcritos, no capítulo 2, para onde se remete), que, suscitada a questão do segredo profissional relativamente à correspondência eletrónica, pelo Recorrente, deveria o Tribunal a quo, num primeiro momento, indagar sobre a legitimidade da invocação do segredo profissional, relativamente ao correio eletrónico junto aos autos, nos termos do disposto no artigo 135.º, n.º 2, do CPP.

Caso entendesse que a invocação do segredo profissional em causa era ilegítima, como entendeu, considerando que os documentos sobre os quais o segredo profissional foi invocado estão fora do perímetro da obrigação em causa, o Tribunal poderia ordenar a sua junção aos autos.

Porém, antes de tomar esta decisão deveria obrigatoriamente ter ouvido “o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável (vide artigo 135.º, n.º 4, do CPP e artigos 92.º, n.º 4, e 55.º, n.º 1, alínea l), ambos do EOA).

O artigo 135.º do CPP estabelece, assim, o mecanismo para o eventual sacrifício do sigilo profissional em prol de um outro interesse, que, no caso concreto, seja prevalecente, criando um mecanismo processual, tendente à superação da invocação do segredo pelo advogado, que pode culminar, após a audição da Ordem dos Advogados, numa decisão de quebra do mencionado segredo.

Por todo o exposto, não se pode manter a decisão do JIC, ora em crise, na medida em que o mesmo decidiu sobre a eventual ilegitimidade da invocação do segredo profissional, antecipando-se ao parecer da Ordem dos Advogados – o que não podia legalmente fazer, pois, é certo que apenas o poderá fazer depois de obtido o mencionado parecer.

Em conclusão, o despacho de que se recorre deve ser revogado, desde logo, porque não se seguiram os trâmites legais supra indicados, os quais têm obrigatoriamente de ser seguidos, atendendo à situação em concreto, para que seja eventualmente levantado o segredo profissional.

Ainda que assim não se entenda, a decisão em causa deverá ser sempre revogada, atendendo aos motivos que seguem.

Em primeiro lugar, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, do EOA apenas se permite a apreensão de correspondência respeitante a facto criminoso, se o advogado tiver sido constituído arguido – o que, até ao presente momento não aconteceu.

Ou seja, como acima referenciado e na linha da boa doutrina e jurisprudência deste Venerando Tribunal, o Recorrente devia ter sido constituído arguido antes da referida apreensão. O que, como se afere dos autos, não aconteceu e nem ainda ocorreu.

Pelo que, desde logo, atendendo ao teor da norma acima indicada, nenhuma correspondência deveria ter sido apreendida e junta aos autos, sendo, por outro lado, patente a violação das garantias de defesa do aqui Recorrente, no âmbito deste processo-crime, que lhe são devidas por força do artigo 32.º, n.º 1, primeira parte da CRP, e reforçadas pela consagração das imunidades necessárias ao exercício da profissão de advogado, nos termos do artigo 208.º da CRP.

Por outro lado, nos termos dos artigos 92.º e 67.º, n.º 1, alínea b), ambos do EOA, e artigo 1.º, n.º 6, da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, dúvidas inexistem de que a representação das sociedades em causa na celebração de escrituras públicas de compra e venda de imóveis, assim como a prática de atos atinentes com tais celebrações, são atos próprios da atividade profissional de advogado e, neste caso, da atividade tipicamente exercida pelo Recorrente.

Adicionalmente, importa referir que, de acordo com o que foi transmitido ao Recorrente, na diligência de abertura de correio eletrónico, a correspondência junta aos autos respeita a compras e vendas de imóveis, no período em questão na investigação, ou seja, de junho a outubro de 2012.

Mas mais: trata-se de correio recebido e/ou enviado de um endereço de e-mail profissional, instalado no computador portátil do Recorrente, que é utilizado pelo mesmo, essencialmente, para o desenvolvimento da sua atividade profissional, o qual, aliás, foi apreendido no seu escritório, onde normalmente trabalha.

São, assim, vários os elementos apontados, que se relacionam diretamente com o exercício das funções profissionais do Recorrente, e, por isso, abrangido pelo segredo profissional, nos termos do artigo 92.º do EOA.

Daqui resulta que, ao contrário do defendido no despacho de que se recorre, conjugados os factos em causa nos autos, a atividade profissional do Recorrente e a correspondência eletrónica junta aos autos, o teor da mesma estará necessariamente sujeito ao sigilo profissional, na medida em que está em causa certamente uma relação advogado-cliente e, concomitantemente, uma atividade – compra e venda de imóveis – desenvolvida no contexto de uma prestação de serviços – mandato – pelo Recorrente.

Note-se, inclusivamente, que, como se teve oportunidade de transmitir ao JIC, durante a diligência de abertura de correio eletrónico, o Recorrente não tem qualquer reserva relativamente à junção aos autos do mencionado correio, mas, considerando o que acima se expôs tem o dever de invocar o sigilo profissional - o qual apenas poderá ser quebrado mediante consulta da Ordem dos Advogados, tal como se exarou supra.

Face ao caráter primordial do segredo profissional, o advogado tem de considerá-lo prevalecente, relativamente a qualquer outro interesse, tendo o dever de o invocar sempre que se revele necessário.

A este propósito, atente-se ao conteúdo do patrocínio forense, consagrado no artigo 208.º da CRP, que trata das imunidades necessárias ao exercício da profissão, sendo essas imunidades puras garantais constitucionais que, in casu, se refletem nos artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 18.º, n.º 2, todos da CRP.

Outra interpretação colocará, sempre, em declínio uma atividade profissional – advogado – essencial à efetividade de uma função de soberania: administração da justiça (cfr. artigo 208.º da CRP).

Ou seja, A não assunção das imunidades como garantias efetivas por meio de uma interpretação normativa restritiva de uma atividade profissional, que integra uma função de soberania – administração da justiça –, viola o princípio da independência, da liberdade e da responsabilidade do patrocínio forense – advogado – impostos pelo artigo 208.º da CRP. E, por consequência, esta interpretação normativa restritiva conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4, dos artigo 135.º e 180.º, n.º 2, ambos do CPP, e dos artigos 55.º, n.º 1, alínea l), 76.º, 77.º e 92.º, n.ºs 1 e 4, do EOA viola o princípio da boa administração da justiça, consagrado no artigo 208.º da CRP.

Com efeito, o artigo 208.º da CRP garante que os advogados têm as imunidades necessárias para o exercício do patrocínio, onde se incluirá a proibição de apreensão de correspondência que respeite ao exercício do patrocínio e, consequentemente, a garantia do sigilo profissional.

Por outro lado, o artigo 18.º, n.º 2, da CRP, indica-nos que os direitos só devem ser restringidos, para salvaguarda de outros direitos, quando necessário e de forma proporcional.

Impõe-se que da análise e decisão da legitimidade ou não da escusa que o Tribunal a quo fizesse uma exegese de indispensabilidade da correspondência para a descoberta da verdade e a sua relevância para a tutela de bens jurídicos, valores ou direitos constitucionalmente consagrados.

Impunha-se, assim, um juízo jurídico de proporcionalidade em sentido lato ou de...

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