Acórdão nº 43/99.5TBMTA.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução31 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


I – Relatório 1.

No processo comum colectivo n.º 43/99.5TBMTA, o condenado M…, melhor identificado nos autos, requereu a reabertura da audiência, nos termos do disposto no artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal, alegando, no essencial, que após a condenação entrou em vigor lei penal mais favorável, no que concerne à pena acessória de expulsão, pedindo que lhe seja aplicada a nova lei de forma a evitar a execução da expulsão.

Procedeu-se à reabertura da audiência de julgamento, com produção de prova – junção de um documento, declarações do condenado e inquirição de testemunhas -, finda a qual foi proferido acórdão que decidiu “manter a pena única e a sanção de expulsão por 10 anos, já transitada em julgado, nos precisos termos, não aplicando o regime em vigor neste momento por não o considerar mais favorável ao arguido”.

2.

O condenado recorreu deste acórdão, finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): A) Foi dado como provado que “Actualmente o arguido reside com a companheira, vive com uma filha comum e dois filhos da companheira. Tem outros dois filhos que residem com a mãe na Holanda;” B) Este ponto da matéria de facto foi incorretamente julgado, impondo decisão diversa da recorrida a certidão de nascimento da menor junta aos autos na sessão da audiência que teve lugar em 17/11/2016, conforme consta da respetiva ata, bem como, o depoimento da testemunha S…, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 15:24 horas e termo pelas 15:29 horas, nos segmentos em que refere que a menor está a cargo do Recorrente.

  1. Reapreciada a prova, deve ser dado como provado que “Actualmente o arguido reside com a companheira, vive com uma filha comum, menor de 6 anos, nascida em 10/01/2010, sobre a qual exerce, conjuntamente com a respetiva mãe, as responsabilidades parentais e assegurando o seu sustento e educação e dois filhos da companheira. Tem outros dois filhos que residem com a mãe na Holanda;” D) O Tribunal a quo entende que, para a apreciação da aplicação do regime mais favorável, apenas os factos contemporâneos da condenação devem ser tidos em conta, e não outros.

  2. Resulta da Lei e constitui entendimento pacífico na jurisprudência que, com a previsão do art.º 371.º-A, do CPP pretendeu o legislador que fosse admitida a possibilidade de produção de prova relativa à personalidade do requerente, ao seu comportamento anterior e posterior aos factos - que a sentença condenatória não tenha considerado – às suas atuais condições de vida e às condições possíveis no futuro.

  3. Na decisão a proferir terão se se atender aos novos factos resultantes da audiência reaberta e, consequentemente, não se pode confinar aos factos descritos e apurados na decisão transitada.

  4. Assim, para apreciação da pretendida revogação da pena acessória de expulsão do território nacional, impõe-se a consideração de todos os factos posteriores à condenação, designadamente, os respeitantes à evolução da personalidade do Recorrente, das suas condições atuais e de vida e possibilidades de futuro.

  5. O Tribunal a quo, ao considerar na sua decisão, apenas, os factos inicialmente provados e não os factos atuais, violou, por erro de interpretação o disposto no art.º 371.º-A, do CPP I) O Tribunal a quo fez uma interpretação inconstitucional do art.º 371.º-A, do CPP, ao interpretar este preceito no sentido de que, na reabertura da audiência para aplicação de lei mais favorável, apenas podem ser considerados os factos provados à data da condenação e não factos posteriores e contemporâneos da audiência reaberta, por tal interpretação violar o art.º 32.º, n.º 1, da CRP, ou seja, porque, ao não considerar toda a factualidade superveniente demonstrada, comprimiu, de forma intolerável os direitos de defesa do Recorrente.

  6. Resulta do acórdão recorrido e dos autos que: - o Recorrente, antes de recolher ao estabelecimento prisional em 15/06/2016, estava a residir com a companheira, com uma filha comum, menor de 6 anos, nascida em 10/01/2010, sobre a qual exerce, conjuntamente com a respetiva mãe, as responsabilidades parentais e assegurando o seu sustento e educação e com dois filhos da companheira, tendo outros dois filhos que residem com a mãe na Holanda; - é cozinheiro e ganhava cerca de 980,00 euros, a companheira ganha 500,00 euros, e pagam de renda de casa 275,00 euros; - não tem familiares diretos em Cabo Verde; - durante o período de ausência ilegítima de estabelecimento prisional não há conhecimento que o arguido tenha cometido outros ilícitos, nem durante o período em que esteve em reclusão, num total de 24 anos; - que o mesmo constituiu família e mostra-se integrado, K) Em face do exposto, forçoso é concluir que o Recorrente não só reúne condições para aplicação do regime mais favorável da Lei 23/2007, como esse regime lhe deve ser aplicado.

  7. O Recorrente constituiu família, está integrado e a trabalhar e está há mais de duas décadas afastado da prática de qualquer ilícito criminal, pelo que se conclui que não existe qualquer propensão para a reincidência, é considerável o seu grau de inserção na sociedade, são basicamente inexistentes as exigências de prevenção especial e, independentemente das circunstâncias, reside em Portugal há quase 30 anos.

  8. Não obstante a gravidade dos crimes pelos quais o Recorrente foi condenado, o tempo decorrido sobre a sua prática e a conduta posterior adotada são suficientes para que seja possível fazer um juízo de prognose favorável à sua permanência em território nacional.

  9. O Tribunal a quo, ao não aplicar a lei mais favorável, violou, por erro de interpretação o disposto nos artigos 135.º, al. b) e 151.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 23/2007.

  10. Estão reunidas as condições para a aplicação da lei mais favorável, face à factualidade agora dada como provada, nos termos do disposto nos artigos 135.º, al. b) e 151.º, n.º 1 e 2, da Lei 23/2007, pelo que deve a decisão recorrida ser substituída por outra que determine a aplicação desta Lei e revogue a pena acessória de expulsão de território nacional imposta ao Recorrente.

NESTES TERMOS e nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser substituída por outra que determine a aplicação da lei mais favorável e revogue a pena acessória de expulsão de território nacional imposta ao Recorrente.

  1. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, suscitando uma questão prévia e pronunciando-se no sentido de que, caso a questão prévia não seja acolhida, o recurso não merece provimento, concluindo (transcrição das conclusões): - Afigura-se-nos precludente da apreciação de mérito, que o Recurso suscita, a circunstância de, recentemente, por decisão transitada, após confirmação pela RLx, o TEP ter determinado a imediata execução da pena acessória de expulsão, brigando a nova intervenção do Tribunal Superior com a segurança jurídica que enforma a figura do "caso julgado" (arts 580º,2, e 625º,1, CPC, e 4º, CPP), melhor nos parecendo que se deva (devesse) considerar a questão (da pena acessória) definitivamente resolvida.

    - Ainda que assim não seja entendido, a pretensão do arguido/condenado/recorrente esbarra no poder discricionário que assiste ao Tribunal, aquando da aplicação concreta do regime do L 23/07, 4.07.

    - Na verdade, estando em causa a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (art 2º,4, CP) - atendendo que o (congénere) regime do DL 264/-B/81, 3.09, aplicável à data do cometimento das infracções, por ser de accionamento automático, é, clara e abstractamente, menos vantajoso -, importa saber se a nova disciplina (L 23/07), de "aplicação casuística", pode subsumir a situação concreta "sub judice", invertendo a decisão de expulsão.

    - O Tribunal "a quo" manteve os "factos provados" das condenações iniciais (quer de 1992, quer a cumulatória de 1999), apenas convocando produção de prova para factos ali não relevados, obviamente por se desconhecer a lei superveniente, mas agora de ponderação/apuramento obrigatórios, assim permitindo-se a inquirição de 3 testemunhas, arroladas pelo recorrente, e a tomada de declarações deste, que versaram sobre as condições pessoais do agente.

    - Dessa sorte, as necessidades de prevenção especial não resultaram atenuadas (o arguido mantém-se sem licença de residência no país e violou, em duas ocasiões, as ausências que lhe foram concedidas, mantendo-se, só na segunda licença de curta duração, 16 anos e 8 meses fora da acção da justiça, só voltando à reclusão, de modo compulsivo, por execução de mandados de detenção oportunamente emitidos!), sendo que praticou factos muito graves (roubos, furtos qualificados e violação), logo nos primeiros 3 anos de permanência em Portugal, a que se seguiu a reclusão a que se viria a eximir, até 15.06.16.

    - A sua imediata inserção na sociedade portuguesa, "ignorando" a pena acessória, que se revogaria, arrastaria riscos para a ordem e tranquilidade públicas, em função da impreparação para se conduzir de forma responsável, nunca cuidando, sequer, de regularizar a sua permanência em território nacional! - Razão por que se deverá manter o Deliberado, em 29.11.16, sem embargo de, preferencialmente, se lhe sobrepor a (anterior e transitada) ordem de execução da expulsão, determinada pelo TEP, reiterada pelo Tribunal da Relação, como sugerimos.

  2. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), apôs o seu visto.

  3. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    II – Fundamentação 1.

    Dispõe o...

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