Acórdão nº 9444/16.5T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução31 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório AAA intentou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma do Processo Especial, contra “BBB, S.A.”, tendo apresentado, para o efeito, o formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho. Juntou, com o referido formulário, a decisão, proferida pela empregadora, que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento, com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação.

Teve lugar a audiência de partes, nos termos do disposto no art. 98.º-I, do Código de Processo do Trabalho, não se tendo logrado obter a conciliação entre as partes.

Notificada a empregadora para motivar o despedimento e apresentar o procedimento disciplinar, veio a mesma a assim proceder. Motivou a empregadora o despedimento, alegando, em síntese, que: (i) o trabalhador foi admitido ao seu serviço em 23 de Julho de 2001, exercendo, ultimamente, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, as funções de chefe de secção, sem prejuízo de, desde 4 de Agosto de 2014, estar em situação de baixa médica; (ii) ao trabalhador foi instaurado procedimento disciplinar em virtude de, no dia 2 de Dezembro de 2015, ter aquele, em missiva enviada à entidade empregadora, utilizado vocabulário muito grave, violando, assim, os deveres de respeito, bom senso, cordialidade e reconhecimento para quem, consigo, sempre teve consideração e sempre se prontificou a ajudar a superar dificuldades financeiras que lhe foram surgindo.

Conclui a entidade empregadora pela improcedência da acção, devendo, em consequência, ser absolvida do pedido de declaração de ilicitude ou irregularidade do despedimento.

Regularmente notificado do articulado motivador do despedimento, o trabalhador veio ao mesmo responder, alegando, em síntese, que: (i) a missiva enviada ao trabalhador com a intenção de despedimento mostrava-se assinada pela “Direcção de Pessoal”, sendo que a acompanhar tal comunicação estava uma assinatura ilegível, sem qualquer indicação do seu autor; (ii) a intenção de despedimento não foi, assim, efectuada pela entidade empregadora nem por pessoa ao seu serviço com poderes para o efeito, já que “Direcção de Pessoal” designa um serviço, departamento ou unidade organizativa e não uma pessoa ou a própria empregadora; (iii) a nota de culpa dirigida ao trabalhador não se encontra subscrita pela entidade empregadora mas sim pelo Instrutor do Procedimento Disciplinar, sem que tenha sido enviada qualquer procuração ou outro instrumento legal donde decorram os poderes do instrutor para o referido procedimento; (iv) a missiva enviada pelo trabalhador constitui uma mera carta de protesto pela falta de pagamento de créditos laborais, sendo que a utilizavam da linguagem utilizada, mormente a expressão “extorquirem” deve ser entendida no seu real contexto, bem como ponderar-se a circunstância de não ter sido escrita pelo trabalhador; (v) há muito que a entidade empregadora pretendia despedir o trabalhador em virtude de o mesmo ter ficado temporariamente incapacitado para o trabalho, por motivo de doença, no ano de 2009; (vi) aquando do seu regresso, foi transferido para outra área – da qual nada entendia –, não tendo, então, reclamado por receio de perder o seu posto de trabalho; (vii) no ano de 2011, a entidade empregadora obrigou-o a assinar um contrato de utilização do parque de estacionamento contra a obrigação de efectuar, mensalmente, € 200,00, em compras no supermercado da empregadora, sendo que, até então, a utilização do parque era gratuita; (viii) também nesta ocasião, o trabalhador nada reclamou, pois foi avisado que, se levantasse problemas, seria despedido, ainda eu com outros pretextos ou fundamentos; (ix) por razões pessoais, solicitou à entidade empregadora empréstimo, o que lhe foi concedido à semelhança do que sucede com os demais trabalhadores e outras pessoas; (x) foi devido às grandes dificuldades económicas que, no ano de 2015, passava, que dirigiu à empregadora a missiva, perguntando a razão de lhe não terem sido pagos determinados montantes; (xi) não tem antecedentes disciplinares e sempre foi um trabalhador exemplar, zeloso e cumpridor; (xii) não violou qualquer dever contratual e, ainda que assim se não entenda, sempre a sanção aplicada pela entidade empregadora é desproporcional e desadequada à gravidade dos factos. Conclui, assim, pela procedência da acção, devendo, por conseguinte, ser declarada a ilicitude do despedimento e, em consequência, ser a entidade empregadora condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da opção pela legal indemnização, e condenada no pagamento das retribuições de deixou de auferir, desde a data do despedimento até à data da sentença.

Mais peticionou a condenação da entidade empregadora em juros de mora e no pagamento de sanção pecuniária compulsória, em montante nunca inferior a € 400,00, por cada dia de incumprimento da decisão judicial que vier a ser proferida.

Regularmente notificada da contestação do trabalhador, veio a entidade empregadora ao mesmo responder, pugnando pela validade formal do procedimento disciplinar.

Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência preliminar, bem como a selecção da matéria de facto.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, finda a qual o trabalhador optou pela reintegração no seu posto de trabalho.

Posteriormente foi lida a resposta à matéria de facto.

Proferida sentença foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.

1.2.Inconformado com esta decisão dela recorre o trabalhador, concluindo as suas alegações de recurso do seguinte modo: 1 – A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível, o recurso mostra-se interposto tempestivamente, o Recorrente têm interesse e manifesta legitimidade para tal, encontrando-se paga a taxa de justiça correspondente; 2 – A decisão ora recorrida é nula nos termos do disposto no art. 615º, nº1, alínea c), do C.P.C., por existir contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação da decisão; 3 – Face à factualidade dada como provada, entende o A. que o Tribunal a quo, sempre salvo o devido respeito por opinião diversa, deveria ter decidido pela ilicitude do despedimento do A.; 4 - Face à matéria de facto dada como provada, entende o A. que a sentença recorrida não interpretou ou aplicou da melhor forma o direito ao caso concreto, pois não teve em conta o disposto no art. 328º, nº 1 do C.T. e, bem assim, o disposto no art. 330º, nº 1 do C.T. e, ainda, o disposto no art. 351º, nº 1 do C.T., pois considerou que o comportamento do A. tinha sido culposo, descontextualizando toda a factualidade dada como provada e referente à relação laboral do A.; 5 - A carta que o Trabalhador endereçou à R. tratava-se de uma carta de interpelação que visava, antes de mais, protestar pela compensação de créditos que a R. estava a efectuar nos subsídios de férias e de natal devidos ao A. no âmbito do contrato de mútuo celebrado entre o A. e a R..

6 - Resultou provado que tal carta tinha sido escrita pela filha do Trabalhador, a R. deu tal facto como provado na decisão de despedimento, o A. e a R. estiveram de acordo sobre tal matéria em sede de articulados e o Tribunal a quo deu tal facto como provado 25 sob o ponto 16 da matéria de facto dada como provada, o que não foi tido em consideração pela sentença recorrida.

7 - O A. subscreveu tal carta e assinou-a, mas subscrever uma carta elaborada pela filha e ser o autor da carta são realidades distintas que merecem uma ponderação diversa.

8 - Resulta da leitura da carta que o A. não imputou à R. a prática de um crime de extorsão, mas sim a circunstância de a R. lhe estar a tirar o dinheiro do subsídios de férias e de natal, relativamente aos quais nunca o A. deu ou conferiu autorização para o efeito.

9 - Qualquer destinatário comum de boa-fé só pode concluir que o que está em causa na carta não é a imputação da prática de um crime de extorsão, mas sim a imputação de estar a ser retirado ao A. trabalhador uma quantia de dinheiro referente ao subsídio de férias e de natal do A. de forma que o mesmo, atenta a sua situação pessoal, considerava para si violenta, tendo justificado na carta que se encontrava em situação económica difícil.

10 - A R. sempre pediu ao A. que lhe concedesse autorização para descontar da sua “retribuição” os referidos créditos, o que o A. fez, de boa-fé, subscrevendo e assinando os respectivos documentos de autorização da R. para o efeito.

11 - Conforme resultou provado sob os pontos 20 e 23 da matéria de facto dada como provada, a autorização concedida pelo A. à R. para proceder à retenção ou compensação de créditos referentes ao valor em dívida refere-se à “remuneração mensal” do A. e não aos subsídios de férias e de natal.

12 – A sanção de despedimento sem qualquer compensação pelo envio da carta para a R. não poderá deixar de ser considerada desproporcional e desadequada face ao contexto da relação laboral e, bem assim, face aos factos dados como provados pela sentença recorrida no âmbito da relação laboral do A., nomeadamente, sob os pontos 1, 3, 16, 32, 33, 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45 da matéria de facto dada como provada.

13 - A R. na ponderação da sanção disciplinar que aplicou ao A., não teve em conta o passado disciplinar do A., o passado profissional de relevo do mesmo, a sua situação pessoal e familiar decisiva no teor da carta que o A. remeteu para a R., os quase quinze anos de relação laboral sem problemas disciplinares, a intenção do A. ao dirigir a carta à R., os prémios auferidos pelo mesmo, o mérito reconhecido e, bem assim, que o A. e a sua prestação laboral era diligente, zelosa, competente e dedicado.

14 - O que está em causa nos autos é a apreciação da carta escrita pela filha do A., no âmbito de uma relação jurídica diversa do contrato de trabalho que vigorava entre o A. e a R...

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