Acórdão nº 28048/15.3T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. –Relatório: 1.1.

    AAA, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum contra BBB, S.A., peticionando a condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 22.502,76, acrescida de juros à taxa legal de 4 % ao ano desde a citação da Ré e até integral pagamento.

    Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que trabalhou para a R. desde 22 de Abril de 2003 até 31 de Outubro de 2014, exercendo as funções de vigilante; que ao longo desse tempo prestou trabalho suplementar diurno, nocturno e em dias feriados que não lhe foi totalmente pago, bem como não lhe foram concedidos descansos compensatórios correspondentes a trabalho suplementar realizado, sendo-lhe devido o valor que peticiona no que respeita ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Outubro de 2014. Pediu, a final, nos termos e para os efeitos do art. 528º do Código de Processo Civil e para prova dos arts. 11º, 12º, 14º, 15º e 17º da petição inicial, que a Ré seja notificada para juntar aos autos o registo do nº de horas de trabalho praticado pelo A., bem como os relatórios de ocorrências elaborados pelo A. de Janeiro de 2010 a Outubro de 2014.

    Na contestação apresentada a R. veio defender a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos e alegou, em suma: que os documentos que o A. junta não podem considerar-se idóneos e, como tal, provam o trabalho suplementar que o A. alega ter realizado há mais de cinco anos a contar da data em que a R. foi citada para a acção (16 de Novembro de 2015); que os documentos referentes ao trabalho suplementar prestado a partir de 16 de Novembro de 2010 não o demonstram; que pagou naquele período ao A. € 10.795,43 a título de trabalho suplementar, feriados e descansos compensatórios; que a partir de Agosto de 2012 os valores devidos foram alterados por foça da Lei n.º 23/2012 de 25/06 e da suspensão dos IRC, não tendo ainda em conta o regime de adaptabilidade nestes consagrado e que a actividade de segurança privada funciona em regime de turnos, o que deve ser atendido.

    O A. respondeu a fls. 158 e ss., invocando que não se verifica a prescrição de créditos e que a circunstância da empresa estar isenta de encerrar nos dias feriados não interfere com o direito de os assalariados ao seu serviço não trabalhar nesse dias, porquanto tal faculdade deriva de um interesse, de ordem pública, que é exterior à própria empresa, ou seja, o direito à não exigibilidade da prestação normal de trabalho nesses dias é uma garantia que surge directamente na esfera jurídica dos trabalhadores enquanto meros cidadãos, não podendo, por isso, o respectivo exercício ficar dependente do facto de as empresas estarem ou não obrigadas a encerrar durante esses mesmos períodos e o gozo dos feriados não constitui uma garantia reflexa, mas um autêntico direito subjectivo.

    Foi proferido despacho saneador, aí se fixando o valor da acção em € 22.502,76 e foi dispensada a fixação dos temas da prova (fls. 165.166). Foi ainda determinada a notificação da R. para juntar os documentos solicitados pelo A. na sua petição inicial.

    Na sequência dessa notificação, a R. veio a fls. 179-180 dizer o seguinte: «1–Os relatórios de ocorrência, cuja junção aos autos o A. vem requerer, não se encontram em poder da R. A R. esclarece que no período a considerar tinha ao seu serviço cerca de 2.500 vigilantes colocados centenas de postos disseminados por todo o território nacional e que, em cada dia, é efectuado por cada turno de cada vigilante, um relatório de ocorrência. Assim é manifestamente impossível à R. guardar esse tipo de documentação, por mais de escassos meses.

    2–Relativamente aos restantes documentos, a R., tem desenvolvido esforços e intensas e aturadas buscas aos seus arquivos documentais, tendentes a localizar os referidos documentos.

    3–Importa referir que nos últimos anos a R. tem sofrido inúmeras reestruturações internas, sobretudo ao nível do seu departamento administrativo, sobretudo motivadas pela aquisição de duas empresas de segurança a (…), SA e a (…), SA.

    4–Consequência directa da referida aquisição, as referidas 3 empresas passaram a ter Administração e serviços administrativos comuns e sofreram complexas e sucessivas reestruturações, designadamente ao nível dos respectivos serviços administrativos, das quais resultou, ao que nesta sede importa referir, a concentração no escritório da (…) de todos os serviços administrativos principais das 3 empresas, entre os quais, o Departamento de Recursos Humanos.

    5–Actualmente todo o Departamento de Recursos Humanos da R. e das referidas duas empresas, apesar de concentrado na (…), por questões imperiosas de gestão de espaço, viu-se forçado a transferir maior parte do suporte documental mais antigo, designadamente os registos de presenças dos seus cerca de 2500 vigilantes para outras instalações.

    6–Certamente atendendo ao enorme volume de documentação (apenas em suporte de papel, como a que foi requerida) e inerente deslocação e arrumação noutros espaços, nos últimos anos, facto é que, apesar de todos os esforços desenvolvidos nesse sentido, procedendo a intensas e aturadas buscas aos seus arquivos documentais, tendentes a localizar todos os documentos solicitados, os mesmos não foram localizados.

    7–Colocando-se a hipótese dos mesmos se terem extraviado ou até de nem sequer terem chegado aos seus serviços.

    8–Por todo o exposto a R. tendo esgotado todas as possibilidades de procura de todos os documento solicitados, colocando a hipótese de alguns dos mesmos se terem extraviado ou até de nem sequer terem chegado aos seus serviços, não pode dar cumprimento à requerida junção de documentos em virtude de não ter tais documentos em seu poder.» O A. não se pronunciou sobre esta justificação da R.

    No início da audiência de discussão e julgamento, em 8 de Junho de 2016, o Mmo. Juiz a quo proferiu despacho com o seguinte teor: «Notificada para juntar os relatórios de ocorrência e os registos das horas de trabalho prestadas pelo Autor, a Ré não juntou, apresentando a justificação constante do requerimento de fls. 179.

    Quanto aos relatórios de ocorrência, a Lei não exige sequer que os mesmos tenham existência, acatando-se como boa a explicação adiantada pela Ré para os não apresentar. Quanto aos registos do trabalho suplementar, exige a Lei que os mesmos sejam mantidos pelo empregador durante pelo menos 5 anos (artigo 202º, n.º 4 do Código do Trabalho). Ao não cumprir com esta exigência, a Ré tornou difícil, se não impossível, a prova do trabalho efectivamente prestado pelo seu trabalhador aqui Autor.

    Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 344º, n.º 2 do Código Civil, determinamos a inversão do ónus da prova relativamente aos horários de trabalho praticados e horas de trabalho prestadas pelo Autor, no período compreendido entre 19-10-2010 e 31-10-2014 (o período anterior encontra-se prejudicado face à inexistência de documento idóneo, como previsto no artigo 377º, n.º 2 do Código do Trabalho.» 1.2.

    A Ré, inconformada interpôs em 2016.06.20 recurso deste despacho, tendo arguido a nulidade do despacho no requerimento de interposição de recurso e formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: “

    1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em Audiência de Discussão e Julgamento realizada no dia 8 de Junho de 2016 que determinou a inversão do ónus de prova relativamente aos horários de trabalho praticados e horas de trabalho prestadas pelo A. compreendendo o período de 19/10/2010 e 31/10/2014”.

    2. Atendendo a que a aplicação do Instituto de inversão do ónus da prova pressupõe a verificação prévia de que a prova de determinada factualidade, por acção comissiva ou omissiva da parte contrária se tenha tornado impossível de fazer, o despacho ora recorrido ao decidir pela inversão do ónus da prova, logo no início da Audiência de Discussão e julgamento, sem esperar pela produção de prova, fê-lo prematuramente.

    3. No momento não era, evidentemente, patente, nem a impossibilidade, nem sequer a grave dificuldade da prova dos factos controvertidos.

    4. Ainda que assim não se entenda, à cautela se dirá que não se compreende e não se aceita a data a partir da qual foi considerada a inversão do ónus da prova, nos termos do artº 337º, nº 2 do Código do Trabalho – 19/10/2010 -, menção de data que não se encontra, aliás, fundamentada.

    5. Considerando que a R. foi notificada para proceder à junção dos documentos em 09/05/2016, (cfr. data certificada no CITIUS e o disposto no artº 248º do C.P.C. aplicável ex vi artº 1º, nº 2, alínea a) do C.P.T. aplicável ex vi artº 1º, nº 2, alínea a) do C.P.T.,), isto é, aquando da notificação do Despacho Saneador, a data a considerar seria entre 08/05/2011 e 31/10/2014.

    6. Assim, o despacho recorrido é Nulo, ao prematuramente apreciar e conhecer de questão de que ainda não podia tomar conhecimento, ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a data de 19/10/2010, como inicio de produção de efeitos da inversão do ónus da prova, estando tal data em oposição com a data em que o Despacho Saneador foi notificado à R.

    7. Violando, deste modo o disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artº 615º do C.P.C., aplicável ex vi do nº 1 e alínea a) do nº 2 do C.P.T., H) O A. veio reclamar o pagamento de valores relativos a trabalho suplementar, trabalho prestado em dias feriados e correlativo descanso compensatório.

    8. Na p.i., o A. arrolou 2 testemunhas, juntou 102 documentos e requereu a notificação da R. para juntar aos autos o registo do nº de horas de trabalho praticado perlo A., bem como os relatórios de ocorrência elaborados pelo A. de Janeiro de 2010 a Outubro de 2014.” J) No Despacho Saneador determinou-se a notificação da R. “para em 15 dias, juntar os documentos solicitados pelo A. na sua petição inicial” K) A R., através de Requerimento junto aos autos referiu em síntese que, tendo esgotado todas as...

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