Acórdão nº 940/14.0TTLSB.L2-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

1.–Relatório: 1.1.–O MINISTÉRIO PÚBLICO colocado junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, veio propor, em 02/04/2014, acção declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a Ré BBB, SA, CIF n.º (…) e com sede na Avenida (…) Lisboa, pedindo, que AAA, enfermeira, com o bilhete de identidade (…) e residência em (…)Lisboa que o tribunal declare a existência de um contrato de trabalho firmado entre a mesma e a Ré BBB, SA. Alega para tanto, em resumo que a ré se dedica á exploração do centro de atendimento do serviço nacional de saúde em instalações em Lisboa e que a trabalhadora recebe ordens da mesma tendo sido admitida na qualidade de enfermeira ao serviço desta no dia 5/03/2007, tendo, para o efeito, assinado um documento denominado “Contrato de Prestação de Serviços”. Desde essa data, AAA exerceu funções de enfermeira, no desenvolvimento das quais efetuava a triagem, atendimento e encaminhamento dos utentes, no cumprimento de ordens emanadas da Ré, na sede da Ré e com equipamento da Ré. Mais refere que a enfermeira em causa cumpria horas de início e termo da respetiva prestação a qual era determinada pela Ré, através da emissão de uma escala de serviço mensal, e estava sujeita a avaliações mensais e trimestrais de desempenho e que auferia um valor/hora, que lhe era pago mensalmente. A trabalhadora dedica-se em exclusivo desde 2003 ao atendimento telefónico na área da saúde, altura em que pediu a exoneração do serviço nacional de saúde e encontrava-se destacada desde 2000 na linha de atendimento telefónico pediátrico.

Apesar de do documento lavrado pelas partes constar que foi celebrado um contrato de prestação de serviços a relação estabelecida entre as mesmas consubstancia uma relação laboral presumindo-se a existência de um contrato dessa natureza.

Conclui o Ministério Público que os factos alegados se traduzem na existência de subordinação jurídica e económica da trabalhadora perante a ré sendo que a mesma goza da presunção prevista no art.º 12.º do Código do Trabalho na versão de 2003, motivo pelo qual o contrato que vigorou entre ambas deve ser considerado contrato de trabalho.

Tal petição inicial do Ministério Público fundou-se no auto de utilização indevida de contrato de prestação de serviços, levantado no dia 03/03/2014 por uma Inspectora da ACT, e que se mostra junto a fls. 2 a 7.

A Ré foi citada a fls. 122, por carta registada com aviso de recepção, tendo apresentado a contestação e documentos de fls. 65 a 167, tendo suscitado uma questão prévia quanto a custas, e arguido, sucessivamente, as excepções de arquivamento dos autos pela ACT, e de erro na forma do processo, radicadas no facto do contrato de prestação de serviço celebrado com a aludida enfermeira ter cessado os seus efeitos em 4/3/2014, e, finalmente, impugnado os factos alegados pelo Ministério Público, pugnando pela inexistência da relação de trabalho subordinado invocada pelo Ministério Público e pedindo a sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, do pedido.

AAA notificada do articulado de p.i. na ação intentada pelo Ministério Público contra a BBB, S.A., veio, nos termos do art. 186.º-L, n.º 4 do Código de Processo do trabalho (CPT), apresentar articulado próprio pugnando pela procedência da acção e condenando-se a R. no pedido e logo reconhecendo-se e declarando-se a existência de um contrato de trabalho entre a mesma e a R., contrato esse com antiguidade reportada a 11de Fevereiro de 2003. Alega, muito em síntese que a Ré é uma sociedade comercial anónima cujo objeto consiste na conceção, projeto, instalação, financiamento, exploração e transferência para o Estado Português do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, nos termos previstos no Contrato de Prestação de Serviços aprovado por Despacho de 27 de Fevereiro de 2006, do Ministro da Saúde. Como resulta do respetivo objeto, esta ré procedeu à conceção, projeto e instalação do Centro de atendimento do Serviço Nacional de Saúde, implementando uma linha de atendimento telefónico denominada (…) a cuja exploração se dedica. A (…) proporciona serviços de triagem, aconselhamento e encaminhamento em situação de doença via telefone, bem como aconselhamento terapêutico para esclarecimento de questões apoio em matérias relacionadas com medicação, assistência em saúde pública e informação geral de saúde. No sentido de dar resposta aos contactos telefónicos dos utentes, a Ré detém dois espaços físicos de atendimento, vulgarmente denominados callcenter, um em Lisboa e outro no Porto recrutando enfermeiros que prestam serviços nos ditos espaços físicos em regime de turnos. No dia 5 de março de 2007, foi admitida ao serviço da R. como enfermeira, tendo desde então, e até 4 de março de 2014, prestado as respetivas funções sob a autoridade e direção da mesma ré, de quem sempre recebeu ordens e instruções de serviço e integrada na empresa de que esta é dona, concretamente no callcenter de Lisboa. Já prestava serviços em linhas de atendimento telefónico integradas no Serviço nacional de Saúde em momento anterior a 5 de março de 2007. A partir da exoneração das suas funções como enfermeira do Serviço Nacional de Saúde passou a dedicar-se em exclusivo à linha de atendimento telefónico. Como trabalhadora da R., a Interveniente prestou serviços no âmbito da (…) e no âmbito das funções que lhe foram cometidas pela Ré estava incumbida de proceder ao atendimento das chamadas efectuadas para a (…), procedendo à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações concretas que lhe eram expostas e descritas telefonicamente prestando funções em instalações da Ré, e com recurso a uma ferramenta informática de protocolo que foi concebida pela R utilizando material desta, nomeadamente, terminal informático, monitor, teclado, rato, cadeira, mesa, linha telefónica e auscultadores com microfone de acordo com o horário estabelecido também pela R. e mediante o pagamento de uma remuneração mensal que variava em função das horas de serviço prestadas, sendo o valor / hora de € 8,75. A R. proporcionava formação aos enfermeiros antes de iniciarem as respetivas funções sendo essa formação remunerada. O horário da prestação de actividade era unilateralmente definido pela Ré, de acordo com uma escala de turnos por esta organizada. A R. procedia à avaliação periódica do seu desempenho no exercício das suas funções, sendo a avaliação efetuada por um supervisor, e sendo suscetível de influenciar o valor hora que lhe era pago. Durante os respetivos turnos, era submetida a um conjunto de regras impostas pela R. e cujo cumprimento era fiscalizado pelos supervisores ou responsáveis de turno, nomeadamente, relativas a asseio e alimentação, disposição de pertences pessoais, utilização de telemóveis e outros dispositivos. O atendimento das chamadas dos utentes era efetuado de acordo com um algoritmo definido pela Ré devendo cumprir as indicações de interação com o utente definidas nomeadamente no que se refere ao modo de tratamento do próprio utente e aos métodos utilizados para encaminhamento de acordo com o quadro clínico que era descrito. Tinha direito a gozar anualmente 35 dias de férias, de acordo com o período estipulado por acordo porém estava impedida de gozar férias nos últimos 15 dias do mês de dezembro.

A Ré respondeu ao articulado da interveniente não tendo deduzido oposição á intervenção da trabalhadora e pugnando do modo como na sua contestação pela improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido.

Foi realizada audiência de julgamento cuja acta consta de fls.

815 a 820 e onde foi além do mais declarada cessada a intervenção do MP por se haver considerado que tendo a interveniente apresentado articulado e meio de prova assumiu a posição de autora, e considerando-se improcedente excepção arguida pela ré por se haver considerado que a viabilidade desta acção não fica prejudicada pela cessação da relação jurídica entre as partes porquanto existem efeitos jurídicos que decorrem da mesma.

O MP veio interpor recurso da decisão que julgou cessada a representação do mesmo a fls. 815, recurso que admitido a subir seus termos para o Tribunal da Relação de Lisboa foi julgado procedente, tendo sido revogada a decisão recorrida a determinada a prossecução da acção continuando o MP como autor e tendo-se em consequência anulado os termos posteriores de produção de prova mantendo-se o despacho de fls. 817 quanto a decisão da excepção.

Foi realizada audiência de julgamento na sequência do determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Proferida sentença foi a acção julgada procedente tendo-se decidido o seguinte: “Reconhece-se a existência de um contrato de trabalho entre a interveniente AAA e a ré “ BBB, SA”, fixando-se a data do início de relação laboral em 5 de Março de 2007”.

1.3.– Informada com esta decisão, dela recorreu a ré, concluindo as suas alegações de recurso do seguinte modo: 1.ª-O presente recurso é interposto quanto à sentença que julgou procedente a acção e reconheceu a existência de um contrato de trabalho entre a Recorrente e a Enfermeira AAA, abrangendo este recurso a decisão de facto e de Direito. 198/279 197 2.ª-A Apelante impugna a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto aos factos provados (…) 132.ª-Sem prejuízo da revisão pretendida da decisão sobre a matéria de facto, a Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o Direito aos factos assentes, uma vez que dos mesmos se extrai que o vínculo contratual mantido entre aquela e a enfermeira AAA, é de prestação de serviços, o que fica reforçado em face da alteração pretendida à decisão sobre a matéria de facto. 231/279 230 133.ª-Tendo o contrato entre as partes tido início na vigência do Código do Trabalho de 2003, alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de...

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