Acórdão nº 25735/15.0T8SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução25 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou, em 13.11.2015, contra ABÍLIO .....

, residente na ……, acção de investigação oficiosa de paternidade, em processo comum e na forma ordinária, através da qual pede se declare para todos os efeitos legais que a menor MARIA ....

é filha do réu e que seja ordenado à Conservatória do Registo Civil de Loures o averbamento do reconhecimento judicial dessa paternidade e da avoenga paterna no assento de nascimento da menor.

Fundamentou, o Mº Pº, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte: 1. No dia 7 de Dezembro de 2013, na freguesia de Loures, nasceu a menor Maria …, que foi registada apenas como filha de Sofia ..., encontrando-se omissa a paternidade.

  1. A menor é também filha do réu, com quem a progenitora manteve uma relação de namoro, entre 31 de Julho de 2012 e meados de Abril de 2013.

  2. Durante os primeiros 120 dias que precederam o nascimento da menor, a mãe desta só manteve relações sexuais com o réu.

  3. Foi efectuado exame pericial para investigação de parentesco biológico, que conduziu a uma probabilidade de 99,99999997 do réu, ser o pai.

  4. Deve ser declarado que a Maria ....é filha do réu Abílio... e ser ordenado à CRC de Loures o averbamento do reconhecimento judicial dessa paternidade e da avoenga paterna, no assento de nascimento da menor.

    Citado, o réu apresentou contestação, em 04.01.2016, assumindo ter mantido um relacionamento amoroso com a mãe da menor, mas alegou que o mesmo terminou durante os primeiros 120 dias que precederam o nascimento e que desconhece se a progenitora da menor teve relações sexuais com outros homens, além do réu, ao que acresce o facto de o resultado do relatório pericial não ter revelado uma probabilidade de 100% de o réu ser o progenitor da menor Maria ….

    Pediu ainda o réu, na sua contestação, a realização de novo exame pericial de cariz hematológico, a suportar através do apoio judiciário por este requerido e que, sendo indeferido o exame pericial, seja a acção julgada improcedente e, consequentemente, indeferidos os pedidos formulados.

    O M.ºP.º teve vista no processo, em 03.02.2016, e opôs-se à realização de novo exame pericial hematológico e requereu a condenação do réu em indemnização e multa a favor do Estado.

    Por requerimento de 17.03.2016, o réu veio desistir do exame pericial que havia solicitado na sua contestação.

    Por despacho de 12.04.2016, foi considerado prescindido o pedido de realização de novo exame pericial e prejudicado o pedido de condenação em multa ou indemnização a favor do Estado.

    Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio, selecionados os factos assentes e enunciados os temas da prova.

    Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, em 16.05.2016, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 08.07.2016, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Face do exposto, e ao abrigo das citadas disposições normativas, julga-se totalmente procedente, por provada, a presente acção, e, consequentemente: a) declara-se a menor Maria ....filha do Réu Abílio...; b) ordena-se o averbamento da respectiva paternidade e da avoenga paterna no Assento de Nascimento da menor.

    Custas pelo R., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

    Notifique e registe.

    Após trânsito, comunique à Conservatória do Registo Civil de Loures.

    Valor da acção: € 30.000,01.

    Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs, em 29.09.2016, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

    São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente: i. Não se conformando com a sentença proferida pelo douto tribunal a quo, o réu vem interpor o presente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, da decisão proferida, pois, no seu entender, a sentença sub judice padece do vício de inconstitucionalidade material por violação do disposto no artigo 13.º, n.º 2 da CRP, na medida em que interpretou os artigos 1865.º, n.º 5 e 1869.º e seguintes do CC, no sentido de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.

    ii. A respeito da temática sub judice importa observar o teor do artigo 67.º, n.º 2, alínea d), da CRP.

    iii. A identidade de interesses e a semelhança das situações entre o direito da mulher à determinação do momento adequado para exercer a maternidade (ou não, ou mesmo nunca) e o aqui discutido direito do homem a determinar o momento adequado para exercer a paternidade (ou não, ou mesmo nunca), implicará que todos os argumentos aplicados à situação da mulher aquando dos referendos efectuados em Portugal em torno da I.V.G. e aquando da subsequente decisão do legislador de a despenalizar, nos termos referidos no artigo 142.º, n.º 1, al. e), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, seja aplicável agora, de modo semelhante, ao homem.

    iv. Os interesses (ou critério de determinação da igualdade relativa) subjacentes à vontade de não procriar são substancialmente iguais para mulheres e homens – a autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade – sendo estes interesses que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro RUI MOURA RAMOS referiu no seu voto de vencido no Acórdão n.º 75/2010, do TC.

    v. E nem se invoque, em defesa da interpretação apresentada pela douta sentença, o "interesse do menor" ou o direito do mesmo à sua identidade/filiação.

    vi. A declaração de inconstitucionalidade das citadas normas não implica uma violação do direito ao nome, até por nada obrigar, actualmente, a que os apelidos da menor sejam, também, os do pai, pois a lei admite que a criança possa ter apelidos só da mãe, como resulta do artigo 1875.º, n.º 1 do CC.

    vii. Pelo Acórdão n.º 401/2011 do TC foi decidido que o direito a conhecer a paternidade biológica (ou direito ao conhecimento das origens genéticas) e o de estabelecer o respectivo vínculo jurídico, não são valores absolutos, tendo de ser compatibilizado com outros, como o da reserva da vida privada.

    viii. Note-se que mesmo no nosso ordenamento jurídico se prevê, em alguns casos, a relativização do vínculo genético: artigo 1839.º, n.º 3 do CC, não é permitida a impugnação da paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu, e, na Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, o teor do artigo 10.º, n.º 2, os dadores não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer e o do artigo 21.º, o dador de sémen não pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela.

    ix. Dúvidas não subsistirão de que, no nosso ordenamento jurídico, se mostra consagrada a autodeterminação parental da mulher, pois está legalmente consagrada a possibilidade de a mulher optar pela interrupção voluntária da gravidez até à décima semana - cf. Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, que alterou a redacção do artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal, aditando ainda ao mesmo a alínea e).

    x. Sendo que a vontade do homem não é acautelada juridicamente nos casos em que este pretenda que o filho nasça e a mulher não, abortando.

    xi. Não só a mulher é livre de não ter um filho que o homem quer, como também é livre de o ter quando o homem não o quer, como no caso dos autos.

    xii. No mencionado Acórdão n.º 75/2010 do TC foi tido em devida conta que para a mulher o respeito pela vida intrauterina não se traduz apenas, como para terceiros, num dever de omitir qualquer conduta que a ofenda, vindo também a implicar, após o nascimento, na vinculação, por largos anos, a deveres permanentes de manutenção e cuidado para com um outro, os quais oneram toda a sua esfera existencial.

    xiii. Tendo a interrupção voluntária da gravidez, por mera opção da mulher, sido introduzida no ordenamento jurídico e considerada compatível com o teor dos artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal) e 36.º (família, casamento e filiação) da CRP enquanto corolário do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do direito à reserva da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1, C.R.P.), ficou consagrada a tutela do direito à autodeterminação negativa em sede de procriação, para a mulher, discriminando o homem em razão do sexo atentos os artigos 1865.º, n.º 5 e 1869.º e seguintes do CC, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.

    xiv. De facto, resultou provado que apesar de não ser vontade do ora recorrente que a menor nascesse, tendo o mesmo manifestado vontade de a progenitora efectuasse uma interrupção voluntária da gravidez, a progenitora recusou “abortar” e, contra a vontade do pretenso progenitor, levou a gravidez até ao fim, vindo a menor MARIA ....

    a nascer na sequência da mesma. Como tal, a decisão de interromper (ou não) voluntariamente a gravidez e dar à luz (ou não) a menor foi tomada única e exclusivamente por iniciativa da progenitora da menor.

    xv. Porém, os presentes autos de reconhecimento judicial da paternidade foram instaurados oficiosamente sem que o pai tivesse prestado qualquer consentimento para o efeito. Dai decorre que, por um lado, a progenitora da menor teve oportunidade de decidir sozinha, e sem qualquer intervenção do ora recorrente, se levava ou não a cabo a interrupção voluntária da gravidez e, consequentemente, se daria ou não à luz a menor Maria …..

    xvi. Diferentemente, o ora recorrente, cuja posição nunca foi atendida para efeitos de decisão quanto a eventual interrupção voluntária da gravidez, viu contra si instaurado oficiosamente o presente processo de reconhecimento judicial da paternidade, sem que tenha a isso dado qualquer consentimento.

    xvii. O ora recorrente sempre foi tratado nestes autos, bem como nos de averiguação oficiosa da paternidade, como se de um criminoso se tratasse, apenas pelo simples facto de não ter levado a cabo a perfilhação voluntária da menor (vide, a este...

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