Acórdão nº 696/15.9TELSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelVITOR MORGADO
Data da Resolução25 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO No processo de inquérito nº 32/14.1JBLSB, foi realizada, no Tribunal Central de Instrução Criminal, a 22/6/2015, uma diligência de interrogatório judicial de arguido detido referente a P...

, em que, tendo este confessado alguns dos factos que aí lhe eram imputados, viu ser-lhe substituída a medida de coação de prisão preventiva pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

Ora, apesar de o referido inquérito se encontrar, então, em segredo de justiça, veio o jornal Correio da Manhã a publicar, na sua edição de 25/6/2015, um artigo subscrito por um seu jornalista, em que, sob o título “P... confessa roubos”, se relata com algum pormenor a referida ocorrência processual.

Na sequência de denúncia apresentada pelo referido arguido, veio a ser extraída certidão do aludido inquérito com vista à instauração de um novo processo de inquérito pelo crime de violação do segredo de justiça – com a particularidade de não ter vindo a constar de tal certidão a denúncia do ali arguido – que deu origem aos presentes autos de inquérito 696/15.9TELSB.

Neste novo inquérito, tendo sido realizada a investigação tida por conveniente e tendo-se concluído que não existiam elementos bastantes que permitissem imputar a qualquer pessoa determinada a prática do ilícito em investigação, veio a ser proferido o despacho de arquivamento datado de 11/12/2015, em relação ao qual foi ordenado o cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 277º do Código de Processo Penal, mas sendo certo que o mesmo não foi notificado ao denunciante P....

Tendo requerido a consulta dos autos e tendo-lhe esta sido deferida em 20/10/2016, veio o referido denunciante requerer, perante o juiz de instrução, que fosse reconhecida a nulidade decorrente do artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal e que nos termos do artigo 122º, nº 2, do mesmo diploma, seja determinada a notificação ao requerente, nos termos do nº 3 do artigo 277º, do despacho de arquivamento de 11/12/2015.

Sobre tal requerimento incidiu o despacho judicial de 12/12/2016, em que foi decidido que, não estando em causa a lesão de qualquer outro interesse que não o das exigências de funcionalidade da justiça, se não verifica a nulidade invocada, indeferindo, assim, o requerimento do denunciante.

* Discordando do assim decidido, o aqui denunciante P... veio interpor o presente recurso, cuja motivação condensou nas seguintes conclusões: « 1. Recorre-se do Despacho do Tribunal a quo de 12 de dezembro de 2016, constante de fls. 220 a 222 dos autos, que, na sequência de requerimento apresentado pelo Recorrente, decide que “não se verifica a nulidade a que se refere o artigo 120º nº 2 alínea d) do Código de Processo Penal no que tange à falta de comunicação do despacho de arquivamento ao requerente e, assim, indefere-se o requerido”.

  1. Considerou-se na Decisão recorrida que, centrando-se o objeto do processo na investigação sobre a prática do crime previsto no artigo 371°, do Código Penal, fica desde logo arredada a hipótese de um particular se constituir como assistente.

  2. Em diferente perspetiva, considerou também a Decisão recorrida que o facto de o Ministério Público nestes autos não ter sido devidamente informado pelo Ministério Público que interveio no Inquérito nº 32/14.1JBLSB a propósito da efetiva denúncia realizada pelo Recorrente, tornava inverificável a nulidade arguida, independentemente de agora se reconhecer que a denúncia do crime partiu realmente do Recorrente e de, por isso, ser agora esse facto conhecido.

  3. É manifesta a insuficiência argumentativa da Decisão recorrida, em qualquer das perspetivas em que assentam as conclusões que apresenta.

  4. Não é por o Ministério Público, nestes autos, ter cometido a nulidade suscitada sem consciência da ilegalidade que, sem mais, se permitirá ao Tribunal a quo dar por não verificada essa nulidade, sobretudo agora que se reconhece "ter sido o requerente a denunciar o crime cuja prática se investigou".

  5. É destituído de sentido não se reconhecer a nulidade suscitada, com o argumento de que o Ministério Público nestes autos não tinha forma de saber que o Recorrente foi quem apresentou a Denúncia - quando é certo que passou a saber e reconhecer, tal como a própria Decisão recorrida.

  6. Como tem vindo a reconhecer a jurisprudência mais recente dos nossos Tribunais superiores, não é pelo facto de o bem jurídico protegido pela norma incriminadora ser, em primeira mão, um bem jurídico público que se poderá dizer, sem mais, que determinada pessoa não assumirá a posição de ofendido da prática desses crimes.

  7. Mesmo os crimes contra o Estado ou contra a sociedade podem «esconder» algum ou alguns interesses particulares suficientemente valiosos para a lei lhe reconhecer proteção direta.

  8. Sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas «expectativas comunitárias»), estaremos perante um bem jurídico protegido.

  9. Ao Arguido, titular da garantia fundamental a presumir-se como inocente até ao trânsito em julgado de uma eventual decisão final condenatória (cfr. artigo 32°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), e portador, como qualquer pessoa, do direito à honra e ao bom nome (cfr. artigo 26°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), ter-se-á também de reconhecer um interesse próprio, específico, direto e identificável na proteção do segredo de justiça que, para lá de assegurar a eficácia da investigação, foi também erigido pelo legislador como forma de proteção desses interesses individuais do Arguido.

  10. Só uma visão minimalista e redutora do segredo de justiça é que, por conseguinte, recusará que o mesmo serve não só os interesses do Ministério Público, mas...

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