Acórdão nº 1604/13.7SILSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução09 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–RELATÓRIO: 1.

–Sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo abreviado, na Secção de Pequena Criminalidade (J1) da Instância Local e Comarca de Lisboa, o arguido D., tendo sido proferida sentença oral cujo dispositivo é do seguinte teor: «Em face do exposto, declaro procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência: a)-Condenoo arguido D., pela prática, em 16 de Novembro de 2013, em Lisboa, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), cfr. art. 47.º, n.º 2, do Código Penal, o que perfaz um total de €200,00 (duzentos euros), correspondente a 26 (vinte e seis) dias de prisão subsidiária (cfr. art. 49.º, n.º 1 do Código Penal); b)-Condenoo arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 (três) meses, nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, com a advertência de, se não entregar a carta na secretaria deste Tribunal ou qualquer posto de polícia, em 10 (dez) dias a contar do trânsito da presente decisão, incorrerá na prática de um crime de desobediência, nos termos dos arts. 69.°, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal; sendo também advertido de que comete um crime, previsto e punido pelo art. 353.º do Código Penal caso conduza durante o período da proibição; c)Condeno o arguido nas custas do processo fixando-se em 1 UC de taxa de justiça, reduzida a metade em virtude da confissão integral e sem reservas (cfr. arts. 344.º, n.º 2, alínea c), 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e art. 8.º, do Regulamento das Custas Processuais).» * 2.

–Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões: 1.

- Decide mal o Tribunal a quo quando, novamente, aplica a mesma sanção, que decorre da mesma conduta desvaliosa, violando assim o princípio ne bis in idem.

  1. - O desiderato que se projecta na aplicação da referida sanção é o de desempenhar "um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente", e com o cumprimento da mesma dentro do instituto da suspensão provisória do processo, dúvidas não surgem de que a prevenção geral e especial encontra-se manifestamente respeitada, não podendo a sentença em crise penalizar duplamente o arguido, em virtude do não pagamento da injunção pecuniária por negligencia.

  2. - Face ao exposto, não restam dúvidas de que a dupla penalização de que o arguido foi alvo é proibida pela disposição constitucional do artigo 29.°, n.º 5 da CRP.

  3. - E por tal motivo, deverá ser a sentença substituída por outra que mantenha a pena de multa em que o arguido foi condenado, absolvendo-o da sanção acessória de inibição de condução.

  4. - Sem conceder, sempre se dirá que a inibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69, nº 1 do Código Penal, assume a natureza de uma verdadeira pena e está associada à prática de um crime - artigo 65°, nº 1 e 69°, n01 ambos do Código Penal.

  5. - Assumindo a natureza de uma pena, não obstante acessória, está, nessa qualidade, sujeita ao regime geral aplicável a qualquer pena, ou seja, pode ser suspensa na sua execução, ser substituída por pena alternativa ou ser especialmente atenuada ou agravada, como decorre do estabelecido no artigo 73°, nº2 do Código Penal.

  6. - Ou seja, é-lhe aplicável o regime estabelecido nos artigos 41 ° a 60°.

  7. - E, não poderia ser de outra forma, visando as penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e na escolha da medida da pena deve ser tomada em consideração aquela que, em concreto, realizar de forma adequada e suficiente a finalidade da punição, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime depuserem a favor do agente ou contra ele.

  8. - Assim a aplicação da pena de inibição de conduzir veículos automóveis não constitui uma consequência automática da prática do crime a que está associada, podendo à semelhança da pena aplicável ao próprio crime ser suspensa na execução, especialmente atenuada ou agravada e ainda ser substituída por medidas alternativas. Designadamente de trabalho a favor da comunidade.

  9. - O arguido é um cidadão cumpridor das regras da vida em sociedade, está inserido socialmente e é técnico de informatica, necessitando da carta de condução para servir os clientes que o contratam.

  10. - A licença de condução revela-se pois indispensável ao exercício da sua actividade, e a sua viabilidade económica está dependente do trabalho por si desenvolvido.

  11. - A inibição de conduzir aplicada ao recorrente coloca em causa a sua subsistência.

  12. - O recorrente confessou integralmente e em reservas a prática do crime que lhe foi imputado e demonstrou arrependimento.

  13. - A simples ameaça da pena realiza cabalmente os fins de prevenção e a finalidade da punição, e o cumprimento da sanção já reforçou esses mesmos fins.

  14. - Se assim não se entender, deverá ser descontada nesta pena acessória a que o arguido foi condenado, a que o arguido já cumpriu em sede de suspensão provisoria do processo de 3 meses, devendo a primeira ser declarada extinta pelo cumprimento, ou em alternativa a mesma ser substituída por uma medida alternativa, designadamente trabalho a favor da comunidade.

  15. - Assim não se entendendo, o que só se admite por mera hipótese académica, e pelos motivos expostos, mostram-se reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 74° para uma dispensa da pena - artigo 74° nº 1 do Código Penal, o que também se requer.

    TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE, ALIÁS, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE EM QUE DELA SE RECORRE E, EM CONSEQUÊNCIA: a)- Absolver o arguido da sanção acessória de inibição de condução, por violação do princípio ne bis in idem.

    b)- Se assim não se entender, deverá ser descontada nesta pena, a que o arguido já cumpriu em sede de suspensão provisoria do processo de 3 meses, devendo a primeira ser declarada extinta pelo cumprimento, ou em alternativa a mesma ser substituída por uma medida alternativa, designadamente trabalho a favor da comunidade.

    c)- Assim não se entendendo, o que só se admite por mera hipótese académica, e pelos motivos expostos, mostram-se reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 74° para uma dispensa da pena - artigo 74° nº 1 do Código Penal, o que também se requer, assim se fazendo JUSTIÇA.

  16. –Admitido o recurso, respondeu o MP, concluindo do seguinte modo: 1.- Inexiste fundamento legal para descontar, na pena acessória em que o arguido foi condenado, o período de tempo em que, no decurso do inquérito, ficou proibido de conduzir por força da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo; 2.- Apesar de ter alterado, por inúmeras vezes, a redacção do Código Penal e do Código de Processo Penal vigentes e de, seguramente, não desconhecer a divergência jurisprudencial que, a este propósito, existe há vários anos, o legislador português não o previu nem no artigo 80.° do Código Penal, nem em qualquer outra norma legal; 3.- Ao invés, previu, expressamente, no n° 4 do artigo 282.° do Código de Processo Penal que, caso o processo prossiga para julgamento, "as prestações feitas não podem ser repetidas", expressão que só pode ser entendida como proibição de devolução daquilo que o arguido prestou a título de injunção determinada em sede de suspensão provisória do processo; 4.- As proibições da dupla sujeição do arguido a julgamento e da sua dupla condenação pelos mesmos factos, que são as únicas que estão ínsitas no princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 29.°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa, não impõem a realização de tal desconto, na medida em que as injunções/medidas impostas não são equiparáveis a penas e a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo não se confunde com a submissão do arguido a julgamento, conforme decorre do preceituado nos artigos 202.° e 219°, ambos da Constituição da República Portuguesa; 5.- A não ser assim, o processo não poderia prosseguir para julgamento na sequência da aplicação do referido instituto ou pelo menos a medida da pena, quer principal, quer acessória, a aplicar não poderia exceder a do valor da doação ou de horas de trabalho a favor da comunidade prestados bem como o tempo de proibição de conduzir impostos no decurso do inquérito, em sede de suspensão provisória do processo; 6.- Muito embora possa ser defendido de iure condendo e consagrado em alteração legislativa que venha a ser aprovada, não pode o julgador substituir-se ao legislador naquilo que foi, claramente, uma opção legislativa, dispensando de pena, por via de tal desconto, o arguido que, tendo podido eximir-se ao julgamento, assumiu, voluntariamente, uma postura que tornou evidente não ser, afinal, merecedor dessa oportunidade que lhe foi dada.

  17. - Identicamente, não existe qualquer fundamento legal para a pretendida substituição da pena acessória aplicada por trabalho a favor da comunidade ou, finalmente, para a sua dispensa.

  18. - Mesmo que assim se não entendesse, especificamente, no tocante à aplicabilidade do instituto da dispensa de pena à pena acessória, tal, no caso em apreço, nunca seria concebível, em face da moldura penal aplicável ao ilícito criminal cometido e da que se encontra balizada no artigo 74.° do Código Penal.

    Termos em que entendemos dever ser mantida nos seus exactos termos a sentença proferida pela Mma. Juiz a quo, negando-se provimento ao recurso interposto e julgando-se o mesmo, totalmente, improcedente.

  19. –Subidos os autos, neste Tribunal da Relação a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte douto parecer: “Interpõe, em 21 de Julho de 2016, fls. 104/110, o...

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