Acórdão nº 134/10.3TBHRT.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução19 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: I.

– Maria de ... de ..., Manuel ... de ..., Alberto Manuel ... ..., ... Maria ... e ... ... ...

, propuseram a presente acção declarativa de condenação contra Manuel da ... ...

, José ... ..., João Avelino ... e João ... ..., pedindo que se declarasse como impugnada e de nenhum efeito a escritura de justificação notarial outorgada pelo 1.ºs RR. e em que são declarantes os 2.ºs RR., por serem falsas as declarações prestadas na mesma e, em consequência, que se declare inexistente o direito de propriedade do 1.º R. sobre os prédios justificados.

Alegaram para tanto e em suma, que a escritura de justificação de 28-10-2009, que versou sobre a aquisição de 38 prédios, que identifica, não pode ser considerada válida porquanto a compra aludida nessa escritura não foi feita junto de todos os proprietários do prédio mas tão só e quanto muito, a um dos comproprietários; que 5/8 desses bens pertencem à herança aberta por óbito de Maria ... de ..., de quem os autores são herdeiros; e que não se verificam quaisquer dos requisitos para aquisição dos prédios por usucapião, sendo falsas as declarações aí prestadas, uma vez que o 1.º R. nunca ocupou nenhum dos prédios nem os gozou por qualquer forma e a quase totalidade esses imóveis não são gozados por ninguém a partir da crise surgida com o vulcão em 1959, tendo sido usados somente uns três ou quatro alqueires por António ... de ..., para pôr gado mas sempre em nome dos herdeiros.

Citados os RR., veio o 1.º R. contestar, alegando a excepção de ilegitimidade singular activa dos AA., por existirem outros herdeiros de Maria ... de ....

Alegou ainda que adquiriu os mencionados prédios em 06/08/1988, por contrato-promessa de compra e venda celebrado dia 6 de Agosto de 1988, tendo pago o preço de 6000USD, não tendo sido realizada escritura pública porquanto o negócio, embora realizado entre portugueses, foi concretizado nos EUA, onde todos residiam; que daí para cá o 1.º RR. deslocava-se ao prédio sempre que ia à Ilha do Faial, nos meses de verão e cedia o gozo do mesmo a pessoas das suas relações para que deles tirassem o proveito possível, passando a agir como dono dos prédios, assim sendo reputado pela maioria das pessoas da freguesia.

O réu deduziu reconvenção, pedindo que seja reconhecido como proprietário dos prédios objecto de justificação, por os ter adquirido por usucapião, sustentando que pagou o preço de aquisição dos prédios com a outorga do contrato-promessa, e manteve a posse sobre os ditos prédios identificados na escritura de justificação desde a outorga do contrato-promessa, à vista de todos, sem oposição e na convicção que exercia um direito próprio.

Pediu ainda a condenação dos autores no cumprimento do contrato-promessa.

Houve lugar a resposta onde se concluiu pela improcedência do pedido reconvencional e foi deduzido incidente de intervenção principal dos demais herdeiros de Maria ... de ...: ...nor de ..., ... ... de ... e Palmira ... de ....

Pelo despacho de fls. 139 foi admitida a requerida intervenção principal provocada e ordenada a citação dos intervenientes.

A interveniente ... ... foi citada editalmente, tendo após sido citado o M.P., nos termos do art. 15º do CPC.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, admitida a reconvenção, fixada a matéria assente e organizada a base instrutória.

Posteriormente, foi anulado o processado posterior ao despacho que ordenou a citação das intervenientes ...nor de ... e ... ... de ....

Citadas estas, as mesmas silenciaram.

Em sede de julgamento, após a notícia do óbito de ... ..., os autores desistiram do chamamento deduzido na réplica, tendo os réus aceite essa desistência.

Após o Sr. Juiz foi proferida decisão a julgar partes ilegítimas José ... ..., João Avelino ... e João ... ..., absolvendo-os da instância, por serem justificantes declarantes e não outorgantes na escritura de justificação, e a considerar os autores partes legitimas, julgando improcedente a excepção da ilegitimidade activa.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu: “Face às razões de facto e de direito indicadas, decide-se julgar improcedentes os pedidos dos AA. e procedente o pedido do R e, em consequência: Quanto aos pedidos dos Autores: A)–Absolvo o Réu do pedido de declaração como impugnada e de nenhum efeito a escritura de justificação objecto do litígio; Quanto ao pedido Reconvencional do Réu: B)–Condeno nos AA. a reconhecerem perante o Réu o direito de propriedade deste sobre os prédios objecto do litígio e constantes da escritura de justificação impugnada.

C)–Prejudicado fica o pedido de condenação dos AA. no cumprimento do contrato prometido.

Custas a cargos dos AA., por terem dado causa aos autos (art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Inconformados, vieram os autores interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões: 1.

– É entendido na sentença recorrida que em 06-08-1988 o R. celebrou com a falecida Maria ... de ... um contrato-promessa de compra e venda dos prédios em causa.

  1. – O que não tem qualquer base dada a nulidade do mesmo por inexistência das respectivas assinaturas,nulidade essa invocada na P. Inicial.

  2. – Em qualquer caso, nesse documento invoca-se os prédios como sendo da contratante, o que não corresponde à realidade dos factos porquanto ela só tinha o direito a 5/8 sobre esses imóveis que tinha adquirido no inventário por óbito do marido.

  3. – Existe também o entendimento de que na referida data do acordo ocorreu uma venda verbal dos prédios ao réu por todos os respectivos titulares, a mãe e as filhas, posição essa que subjaz aos factos 8) e 9) dados por provados na sentença.

  4. – Fundando-se esse entendimento nas declarações de parte feitas pelo R. e no documento denominado “Affidavit” que foi apresentado na audiência.

  5. – Documento esse que não tem tal virtualidade pois que se limita a comprovar a prestação da declaração nele inserta e nada prova quanto aos factos a que respeita – art. 371.º n.º 1 do CC.

  6. – Quanto às declarações de parte, verifica-se que foi o único meio de prova em que se fundou o apuramento daqueles factos 8) e 9).

  7. – Sendo que o mesmo se encontra previsto no artigo 466.º do CC e deve ser entendido que tem uma função complementar de outros meios de prova, não sendo aceitável a sua aceitação exclusiva - Carolina Braga da Costa Henriques ..., dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e disponível em http://hdl.handle.net/10316/28630, pgs. 48; Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, 3.ª ed., pgs. 278; João Correia – Paulo Pimenta – Sérgio Castanheira: “ Introdução ao Estudo e à Aplicação do CPC de 2013”, ed. 2013, pg. 57; Paulo Ramos de Faria – Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, vol. I, ed. 2013, pg.364, anotação prévia ao art. 466.º do CPC; Ac. do TRP de 15/9/2014 (“entendemos que as declarações de parte – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado (...). As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos. Por estas razões, (...) e inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, o mesmo não deve ser valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se decidam apenas com as declarações das próprias partes”).

  8. – Verifica-se assim uma errada aplicação do referido artigo 466.º, não devendo ser considerados como provados os ditos factos 8) e 9).

  9. – Entende-se ainda que o R. terá iniciado o gozo dos prédios na data indicada no invocado contrato-promessa com base no facto 10), conforme consta da fundamentação de direito da sentença.

  10. – O que não tem base na medida em que não foi dada por provada qualquer tradição dos imóveis ao R. e naquele facto apenas se refere que aquando das respectivas deslocações ao Faial ia aos prédios (não se precisando as datas dessas deslocações processadas desde a celebração do acordo). 12.

    – No facto 12) é dito que «o réu era reputado como dono dos referidos prédios por pessoas da freguesia do Capelo».

  11. – O que restringe essa afirmação por forma que não permite considerar como se tendo verificado a publicidade da pretendida posse do réu.

  12. – O facto 13) é contraditório como o facto 12) na medida em que se afirma sem restrição que a «compra em causa foi comentada no Capelo por causa do preço», afirmação que implica um conhecimento generalizado nessa freguesia o que é afastado na MOTIVAÇÃO quanto aos factos 12) e 13), dizendo-se que «pelo menos algumas pessoas» sabiam da compra a inexistência de oposição à posse do réu exercida através de pessoas amigas.

  13. – No facto 14) é dito que o réu agiu sempre no que respeita aos prédios, por si e através de pessoas amigas a quem cedeu o gozo, à vista de todas as pessoas da localidade.

  14. – O que também está em contradição na parte final com o facto 12) em que é feita a referida restrição.

  15. – E não tem qualquer base a referência à cedência do gozo através de pessoas amigas, uma vez que não é invocada nem foi feita qualquer prova nesse sentido e esse gozo foi detido sempre somente por uma pessoa, a testemunha Laureano deteve a posse sobre parte do prédio mediante autorização dada por aquele e já antes era ele que detinha a mesma.

  16. – Afirma-se na fundamentação de direito da sentença que a posse do réu foi de boa-fé, o que não tem qualquer base factual, na medida em que de nenhum facto consta que, ao adquirir a sua posse, ignorava que lesasse qualquer direito de outrem, requisito indispensável...

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