Acórdão nº 7347/11.9TALRS.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução20 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.

– Após a realização da audiência de julgamento e por acórdão proferido a 04-07-2017, o tribunal colectivo condenou o arguido M.S.P. pela prática em autoria material de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176°, n.º 1, al. c), com a agravação prevista no n.° 6 do artigo 177°, ambos do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, em vigor à data dos factos, na pena de três anos e dez meses de prisão, de execução suspensa por igual período de tempo, mediante regime de prova, assente num plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social, que incluirá, a sujeição do arguido a acompanhamento psiquiátrico/psicológico na medida do necessário.

O arguido interpôs recurso e da motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição): 1.

– A matéria de facto dada como provada não determina a condenação do Arguido pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.

9, n.

9 1, al. c), com a agravação prevista no n.

9 6 do artigo 177.

9, ambos do Código Penal, na redação da Lei n.

9 59/2007, de 4 de setembro (doravante "Lei 59/2007"), mas sim pela prática de um crime de pornografia de menores previsto e punido peio artigo 176.s, n.º 4, daquela lei.

  1. – A discordância com o Tribunal recorrido assenta na diferente visão que o Recorrente - e, diga-se, parte importante da jurisprudência, doutrina e atual lei 103/2015 - tem do conceito de "importação" a que se faz referência no 176.n.

    9 1, al. c), do CP, cujo enquadramento determinou a agravação ínsita naquele artigo e, por consequência, do n.

    9 6 do artigo 177.

    9, ambos do CP, na redação da Lei 59/2007.

  2. – Com efeito, o Tribunal recorrido, não obstante afastar a imputação de "partilha" de conteúdos pornográficos, por falta de norma incriminadora que o permitisse em 2006, considerou estar preenchido a alínea c), do artigo 176.

    9 do CP na vertente da "importação", por ter dado como provado que o arguido descarregou um conjunto de ficheiros após a entrada em vigor da Lei 59/2007 (vide página 21 do Acórdão recorrido, último parágrafo).

  3. – Sucede pois que, no quadro das alíneas do n.

    9 1, do artigo 176.

    9 do CP, na redação da Lei 59/2007, segundo o Tribunal recorrido, a única conduta penalmente punível consiste na alínea c) desse preceito, tendo entendido que as descargas/downloads de conteúdo pornográfico dadas como provados (vide pontos 5, 6 e 18 da matéria dada como provada) integram o conceito de importação desse preceito.

  4. – Acresce que, segundo o douto Acórdão recorrido, os ficheiros de vídeo e imagem que o Recorrente descarregou e guardou tinham como propósito satisfazer e saciar a sua libido sexual (vide pontos 20 e 21 da matéria de facto dada como provada).

  5. – Sucede que, no entender do Recorrente, parte importante da jurisprudência, doutrina e lei atual, a descarga/download de conteúdo pornográfico envolvendo menores não integra o conceito de "importação" a que se refere a alínea c), do artigo 176.

    9 do CP, na redação da Lei 59/2007.

  6. – O primeiro argumento que suporta a argumentação jurídica do Recorrente radica na circunstância de o legislador não ter, certamente, pretendido colocar no mesmo nível, o agente que procede ao download/descarga de material pornográfico para o seu terminal informático, do agente que distribui, importa e exporta conteúdo pornográfico envolvendo menores.

  7. – Ora, salvo o devido respeito, é inconcebível colocar no mesmo plano, um ato consabidamente quotidiano de proceder a um download/descarga, de uma atividade de importação, exportação ou mesmo distribuição no quadro de uma conduta desviante.

  8. – Neste sentido e com esta linha argumentativa, pronunciou-se já o Tribunal da Relação de Évora[1] ao considerar que o [download] dos materiais pornográficos não se configura como actividade importadora, por maioria de razão quando o legislador a coloca a par de outras como a produção, distribuição e exportação de materiais.

  9. – Por outro lado, os conceitos de importação e exportação ínsitos na alínea c), do n.

    9 1, do artigo 176.

    9, do CP, na redação da Lei 59/2007, têm subjacentes a actividade comercial típica de importação de produtos ou serviços no quadro de um negócio e de uma atividade económica (ilícita, no caso previsto na referida alínea c)).

  10. – O legislador quando utiliza o conceito de "importação" é a par de uma actividade voltada para a introdução comercial de materiais deste cariz em território nacional, orientada por ideais mercantis (neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora de 17-03-2015 proferido nos autos do processo n.

    9 524/13.0JDLSB.E1 e Acórdão da Relação de Lisboa de 15-12-2015 proferido nos autos do processo n.

    9 3147/08.JFLSB.L1-5).

  11. – Como bem refere o referido Acórdão da Relação de Lisboa, na doutrina, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE adopta a posição de MOURAZ LOPES in Comentário ao Código Penal: "A detenção não inclui a mera consulta de material pornográfico, mas inclui o download de material pornográfico".

  12. – No caso dos autos, resulta absolutamente cristalino da matéria de facto dada como provada que não só não houve qualquer intenção do Recorrente em comercializar os materiais pornográficos, como, de resto, ficou provado, que a finalidade subjacente às descargas era satisfazer e saciar a sua libido sexual.

  13. – Acresce ainda que, caso o legislador tivesse pretendido incluir o conceito de download ou descarga na definição de importação tê-lo-ia feito, uma vez que, em 2007, este conceito se encontrava massificado, não se confundindo, claramente, com o conceito típico de importação, o qual, como se disse, implica uma atividade mercantil.

  14. – Ora, o legislador não o fez em 2007 com a Lei 59/2007, mas fê-lo, de forma clara em 2015, com a Lei n.

    9 103/2015, de 24 de agosto ("Lei 103/2015"), a qual introduziu alterações significativas ao tipo legal de crime previsto no artigo 176.

    9 e veio, porventura, alertado pelas posições contraditórias da jurisprudência, clarificar o entendimento do legislador em 2007, no sentido suportado pela jurisprudência e doutrina maioritária e pelo aqui Recorrente.

  15. – Com efeito, o atual artigo 176.

    9, n.

    9 5, do CP, na redação da Lei 103/2015 equivale ao anterior artigo 176.

    9, n.

    9 4, do CP, na redação da Lei 59/2007, prescrevendo o seguinte: "5. Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos." 17.

    – Quer isto dizer que o legislador separa claramente o ato material de "obter" através do sistema informático, do ato de importar, relegando para o tipo agravado das alíneas c) e d) do n.

    9 1 as condutas que têm subjacente o comércio e/ou a detenção/aquisição com o propósito de importação, partilha, distribuição, tal como a jurisprudência referida do Tribunal da Relação de Lisboa e de Évora vieram, de resto, a defender.

  16. – Em face de tudo o exposto, e considerando que a conduta penalmente relevante para efeitos de determinação da qualificação jurídica e consequente medida da pena, dada como provada pelo douto Tribunal recorrido, reconduz-se ao download/descargas de materiais pornográficos para satisfação sexual do Recorrente, deve integrar a prática do crime previsto no artigo 176°, n.

    9 4 do Código Penal, na redação da Lei 59/2007, impondo-se, por conseguinte, a alteração da qualificação jurídica, o que expressamente se requer.

  17. – Mesmo que se entenda de forma diversa - o que se admite por mero dever de patrocínio - sempre se dirá que a conduta do Recorrente encontra-se, atualmente, claramente tipificada no artigo 176.

    9, n.

    9 5 do CP, na redação da Lei n.

    9 103/2015, de 24 de agosto, cuja moldura penal é mais favorável do que a anterior alínea c), do n.

    9 1, do artigo 176.

    9, do CP, na redação da Lei 59/2007.

  18. – Com efeito, se este douto Tribunal da Relação de Lisboa entender que a conduta do Recorrente, consubstanciada na descarga de conteúdo pornográfico para o seu computador, integra o conceito de importação previsto no artigo 176.

    9 n.

    9 1, al. c), do CP, na redação da Lei 59/2007, sempre se dirá que tal comportamento encontra-se tipificado de forma mais favorável no atual artigo 176.

    9, n.

    9 5, do CP, na redação da Lei 103/2015.

  19. – Na verdade, a prática do crime previsto no 176.

    9, n.

    9 1, al. c), do CP, na redação da Lei 59/2007 é punido com uma pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão, sendo que o crime previsto no artigo 176.

    9, n.

    9 5, do CP, na redação da Lei 103/2015, é punido com até 2 anos de prisão.

  20. – Sucede pois que, neste contexto - que se admite apenas por dever de patrocínio - por força do artigo 2.

    9, n.

    9 4, do CP, o Recorrente deve ser condenado pela prática de um crime de pornografia de menores previsto e punido no artigo 176.

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