Acórdão nº 26263/16.1T8LSB-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelLEOPOLDO SOARES
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: O SINDICATO AAA, intentou acção[1] , com processo comum, contra “BBB, S.A”.

Pede que se declare que: (i)– o tempo necessário a recolher e envergar o vestuário de protecção e colocação do equipamento de protecção necessário à laboração no ambiente perigoso e contaminante da linha de triagem, seu abastecimento, bem como as operações inversas de guardar e acondicionar tais vestuário e equipamento, proceder à higiene pessoal recomendada e envergar vestuário e calçado de uso comum corresponde a tempo de trabalho; (ii)– que os actos referidos no ponto anterior são actos de execução do contrato de trabalho, imprescindíveis ao desempenho de funções para que os trabalhadores adstritos a praticá-las foram contratados; (iii)– quando a execução de tais actos deva ser feita, por determinação da ré, fora do horário de trabalho dos trabalhadores a ela adstritos, deva ser tratada como trabalho suplementar.

Alegou, em síntese, que a Ré exerce a actividade de valorização e tratamento de resíduos sólidos, sendo que, no seu edifício de triagem, são efectuadas operações de abastecimento e triagem de linhas as quais, por envolverem risco para a saúde, nomeadamente risco de contaminação, importam que os trabalhadores afectos às mesmas tenham que utilizar vestuário e equipamento de protecção.

O vestuário e calçado é propriedade da ré, sendo seu o encargo da respectiva lavagem.

Os trabalhadores não o podem levar para casa.

A Ré exige aos trabalhadores que estejam nos respectivos postos de trabalho à hora de início dos seus horários de trabalho e que aí permaneçam até à hora do termo do horário de trabalho, sendo que, antes do início do horário, os trabalhadores, para além de se terem que deslocar até ao edifício da triagem após picarem o ponto junto à entrada das instalações, têm também que despir o seu vestuário, envergar o vestuário e calçado de protecção e colocar o demais equipamento de protecção, do mesmo passo que, após o termo do horário, têm que retirar o equipamento de protecção, o vestuário e calçado, tomar banho e vestir-se, após o que se dirigem para a saída das instalações da ré onde picam, novamente, o ponto.

De forma a seguirem as instruções da ré, os trabalhadores têm que picar o seu cartão, à entrada, mais de dez minutos antes do início do seu horário e mais de 15 minutos depois do termo do mesmo por via da obrigatoriedade de estarem vestidos, equipados, nos respectivos postos de trabalho e iniciarem a laboração efectiva à hora de início dos respectivos turnos e aí permanecerem até ao termo do seu horário, o que a ré lhes impõe é, verdadeiramente, uma antecipação da sua actividade e um prolongamento da mesma, a qual deve ser tratada como tempo de trabalho e tratada como tal ou configurada como uma exigência de trabalho suplementar não remunerado.

Realizou-se audiência de partes.

[2] A Ré contestou.

[3] Alegou, em resumo, que pese embora a maioria dos trabalhadores proceda à mudança de roupa nas suas instalações, não existe qualquer determinação do sentido de estarem proibidos de a levar para fora das instalações do CTE.

O momento considerado como o do início da prestação do trabalho a que estão contratualmente obrigados os trabalhadores coincide com o momento em que se apresentam junto do encarregado a fim de receberem as instruções quanto ao trabalho a efectuar nesse dia, sendo que só após os trabalhadores recebem ou recolhem o demais equipamento de protecção, com excepção do vestuário e calçado que já trazem envergado.

O que é exigido aos trabalhadores é que se apresentem no início da jornada de trabalho vestidos com a farda e com as botas calçadas.

O tempo despendido pelo trabalhador desde o momento em que pica o ponto até à apresentação junto do encarregado não excede cinco minutos.

Após a paragem das linhas ou a alimentação destas, os trabalhadores deitam para o lixo os equipamentos de protecção descartáveis, guardam nos cacifos os reutilizáveis, sendo que é este o momento em que termina a sua jornada de trabalho.

Após, os trabalhadores dirigem-se para os balneários a fim de se desfardarem, podendo, ainda, tomar banho, sendo que nesta tarefa não despendem também mais que cinco minutos.

O tempo despendido pelos trabalhadores na deslocação para e do local de trabalho e o tempo despendido no fardamento e na sua retirada não constitui tempo de trabalho.

Conclui pela improcedência da acção com a inerente absolvição dos pedidos.

O valor da causa foi fixado em € 30.001,00.

[4] Foi proferido despacho saneador.

Dispensou-se a realização de audiência preliminar, bem como a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

[5] Realizou-se julgamento que foi gravado.

[6] Foi fixada a matéria de facto.

[7][8] Em 30 de Março de 2017, foi proferida sentença que em sede dispositiva , logrou o seguinte teor:[9] “Por tudo quanto se deixa exposto, o tribunal julga procedente a acção e, em consequência, declara que: (i)– O tempo necessário a efectuar o percurso desde a entrada nas instalações da ré, a recolher e envergar o vestuário e calçado de protecção necessário à laboração na linha de triagem e seu abastecimento e as tarefas de retirada do equipamento de protecção individual, de guarda e acondicionamento de vestuário e calçado, higiene pessoal, colocação do vestuário comum e saída das instalações da ré é tempo de trabalho; (ii)– Os actos referidos em (i) integram o cumprimento e execução do contrato de trabalho, sendo imprescindíveis ao desempenho das funções para que os trabalhadores adstritos a praticá-las foram contratados; (iii)– Sempre que a execução de tais actos deva ser efectuada, por determinação da ré, fora do horário de trabalho dos trabalhadores a ela adstritos, deverá ser retribuída como trabalho suplementar por período que não exceda 30 (trinta) minutos por cada dia de trabalho efectivo.

* Custas a cargo da ré (art. 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

* Registe.

Notifique. “ – fim de transcrição.

A Ré recorreu.

[10] Concluiu que: “I– A douta sentença recorrenda enferma de manifesto erro na apreciação da matéria de facto.

(…) VI–No que concerne à douta sentença recorrenda é manifesto que a mesma faz uma deficiente interpretação e aplicação do disposto sob o artº. 197º do Código do Trabalho, o que o impõe a revogação da mesma sentença.

VII–O conceito de tempo de trabalho plasmado sob o nº 1, do artº. 197º do Código do Trabalho, reproduz, de forma mais restritiva, o conceito de tempo de trabalho definido sob o artº. 2º da Directiva nº 2003/88/CE, do Parlamento e do Conselho, de 4/11.

VIII–Por tempo de trabalho entendem-se também as situações em que o trabalhador não estando no exercício efectivo das suas funções se encontra, mesmo assim, adstrito à realização da prestação, ou seja, à disposição da entidade empregadora.

IX–As interrupções que o legislador, sob o nº 2, do artº. 197º do Código do Trabalho, equipara a tempo de trabalho, são apenas e só as que de forma taxativa ali se especificam.

X–O acto de fardar e desfardar ou de tomar banho no final do período normal de trabalho, não integra a prestação efectiva de trabalho.

XI–Durante o período de tempo em que o trabalhador está a fardar-se, desfardar-se ou a tomar banho, não permanece adstrito à realização da prestação para que foi contratado, não podendo, por tal motivo, considerar-se que o mesmo está em período de trabalho.

XII–O acto de fardar, desfardar ou tomar banho não se inscreve em qualquer uma das situações previstas sob as alíneas a) a e), do nº 2, do artº. 197º do Código do Trabalho.

XIII–Em termos de Direito comparado, nem o Estatuto de los Trabajadores (Espanha), nem o Code du Travail (França) - cujas normas legais referentes à questão em apreço decorrem da mesma citada Directiva nº 2003/88/CE - consideram como tempo de trabalho os períodos necessários para vestir ou despir a roupa de trabalho.

XIV–Nenhuma norma do Código do Trabalho ou de qualquer outro diploma legal, nem o IRCT vigente na Apelante, dispõem sobre a matéria sub judice, carecendo portanto a douta sentença recorrenda de base legal que a sustente, a qual, de resto, não é indicada na mesma sentença.

XV–A omissão da referência à norma jurídica que deve sustentar a douta decisão judicial constitui violação do disposto sob a alínea b), do nº 1, do artº. 615º do C.P.C., o que constitui nulidade insuprível.

XVI–A douta decisão recorrenda viola, nomeadamente, o disposto sob o artº. 197º do Código do Trabalho e artº. 607º, nº 4 e alínea b), nº 1, do artº. 615º do C.P.C. – fim de transcrição.

Assim, sustenta que a sentença recorrida deve ser revogada in totum proferindo-se acórdão que absolva a Ré dos pedidos deduzidos pela Recorrida e do mais em que foi condenada.

O Autor contra alegou.

[11] Concluiu que: “1.–O tempo necessário a efectuar o percurso desde a entrada nas instalações da empresa, a recolher e envergar o vestuário e calçado de protecção necessário à laboração na linha de triagem e seu abastecimento e as tarefas de retirada do equipamento de protecção individual, de guarda e acondicionamento de vestuário e calçado, higiene pessoal, colocação do vestuário comum e saída das instalações da empresa é tempo de trabalho, consumido no cumprimento e execução do contrato de trabalho, sendo aqueles actos imprescindíveis ao desempenho das funções para que os trabalhadores adstritos a praticá-los foram contratados.

  1. –Quando, por determinação da empresa, tal actividade deva ser efectuada fora do horário de trabalho dos trabalhadores a ela adstritos, deverá ser retribuída como trabalho suplementar.

  2. –A douta sentença recorrida faz expressa menção das normas aplicáveis e doutrina pertinente, encontrando-se suficientemente fundamentada, de facto e de direito.

  3. –A factualidade assente encontra-se devidamente suportada na prova produzida, não tendo os meios probatórios apresentados em recurso a virtualidade de impor alteração da mesma, antes a confirmando.

  4. –Decidindo como se...

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