Acórdão nº 14/14.3T8CSC.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução21 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: F..., e mulher, M... e P..., todos melhor identificados nos autos, vieram instaurar ação declarativa sob a forma comum contra: M..., divorciada, residente ....

Alegaram, em síntese, que os AA. F... e P... são proprietários, na proporção de 50% cada um, do imóvel sito na Rua J... R..., n.º..., ...º Esq. C..., correspondente à fração autónoma designada pela letra M do prédio urbano descrito na 2ª C.R. Predial de O... sob o n.º ......5 da freguesia de C... e inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de C... e Q... sob o artigo ......3, propriedade essa que adquiriram por transmissão mortis causa dos 50% que pertenceram ao pai de ambos, F..., falecido em 17 de Agosto de 2005, e por doação dos restantes 50% que pertenceram à mãe de ambos, M...

O imóvel foi habitado pelo pai dos primeiros autores até ao seu falecimento. Com ele vivia em união de facto a ré, M... Em resultado da referida união de facto, desde o óbito do pai dos autores, em 17 de Agosto de 2005, e pelo período de cinco anos, a ré foi titular de um direito real de habitação sobre o imóvel, nos termos do disposto na legislação em vigor à data. Desde 17 de Agosto de 2005 que a ré habita em exclusividade a totalidade da fração em causa. Durante a vigência do direito real de habitação, entre 17 de Agosto de 2005 e 17 de Agosto de 2010, a ré foi legalmente responsável pelo pagamento das despesas de administração, impostos e encargos anuais do imóvel.

Extinto o direito real de habitação, em 17 de Agosto de 2010 e até Abril de 2014, os autores F... e P... permitiram que a ré continuasse a habitar o imóvel, a título gratuito e sem convenção de prazo, ou seja, até que aqueles lhe viessem exigir a respectiva restituição. Resumindo, estipularam as partes entre si um comodato sem convenção de prazo. Acordaram, ainda, os primeiros autores e a ré que, enquanto durasse o comodato, continuaria a cargo desta última o pagamento das despesas referentes ao imóvel, nomeadamente IMI e contribuições ao condomínio.

No dia 30 de Abril de 2014 o primeiro autor, na presença e com a concordância do autor P..., contactou a ré no sentido de lhe exigir a devolução do imóvel, até 1 de Julho de 2014, colocando fim ao comodato da coisa, a partir desta data. No entanto, a ré respondeu prontamente que não devolveria a casa, mantendo até à presente data a recusa em devolver o imóvel aos seus legítimos proprietários. Em Junho de 2012, tiveram os autores conhecimento de penhora sobre o imóvel a favor da Fazenda Nacional no valor de 3.941,02 €, no âmbito da execução fiscal n.º 3530200601028790 por conta de IMI em divida.

Foi o primeiro autor informado que corriam processos de execução fiscal relativos a dívidas fiscais decorrentes de IMI imputado ao imóvel em questão, perfazendo o total, incluindo juros de mora e custas, de 4.320,10 €. Incumprindo com as suas obrigações, nunca a ré havia pago qualquer montante por conta do IMI do imóvel, nem nunca alertou os proprietários para este facto. Contactada por estes, respondeu que não tinha dinheiro para proceder ao pagamento daqueles valores. Em 31 de Julho de 2012 procederam os autores F... e P... ao pagamento de 3.812,00 € (correspondente ao período de Agosto de 2005 e Agosto de 2010). Posteriormente, em 22/10/2012, pagaram os primeiros autores o montante de 260,75 € relativos a processos de execução fiscal relativos a dívidas fiscais decorrentes de IMI imputado ao imóvel em questão, perfazendo o total, incluindo juros de mora e custas, de 4.320,10 €.

No total os primeiros autores pagaram 4.327,76 € relativos a IMI correspondente aos anos de 2005 a 2011.

Os autores, enquanto proprietários do imóvel que se encontrava já penhorado e alvo de várias execuções fiscais, tinham um interesse direto na satisfação do crédito em questão, de modo a salvaguardarem o referido património. Tendo procedido ao respetivo pagamento terão ficado sub-rogados nos direitos do credor, passando deste modo à condição de credores da ré do montante acima referido. O montante de 508,10 € relativo ao segundo semestre de 2010 e primeiro de 2011, e que está incluído no total pago pelos autores, é devido pela ré ao abrigo do compromisso que assumiu perante estes em pagar as despesas do imóvel nos termos acima alegados.

Em Março de 2014 o primeiro autor foi contactado pelo administrador do condomínio, reclamando o pagamento das comparticipações devidas ao condomínio relativas ao período compreendido entre Novembro de 2010 e Abril de 2014 acrescido de um prémio de seguro obrigatório, perfazendo o total de 2.754,70 €. Na sequência deste contacto, no dia 26 de Março, 4ª feira, na presença e com a concordância do autor P..., o primeiro autor telefonou à ré insurgindo-se pela existência daquela divida e pelo facto da mesma não ter sido comunicada a si ou ao seu irmão, e exigiu o seu pagamento com a maior brevidade possível. Mais uma vez, a ré respondeu que não tinha dinheiro para pagar tal montante. No dia 17 de Abril de 2014 os autores F... e P... pagaram o referido montante de 2.754,70 €.

No dia 30 de Abril de 2014 o primeiro autor telefonou à ré transmitindo-lhe que, conforme a havia advertido na conversa telefónica anterior, esta deveria abandonar o imóvel até dia 1 de Julho de 2014, devolvendo-o aos proprietários. A R. recusou. A recusa injustificada da ré em devolver o imóvel aos seus legítimos proprietários impede-os de rentabilizar este património, nomeadamente através do arrendamento da fração. A atitude da ré é causa direta e necessária de um dano na esfera patrimonial dos autores equivalente ao valor das rendas que estes não receberão enquanto esta se mantiver na fracção.

O valor da renda mensal de fração idêntica em espaço, estado de conservação e localização não é inferior a cerca de 800,00 € mensais.

Pelo que deve a ré indemnizar os autores no valor de 800,00 € mensais contados desde a sua citação para a presente ação até à entrega efetiva do imóvel, seja a título de indemnização por lucro cessante ou de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.

O primeiro autor não tem casa própria e habita com a sua família numa fração emprestada pela sua mãe e padrasto a título de favor, sendo que o seu agregado familiar inclui a sua esposa, M..., um filho de 10 anos, T..., fruto de uma relação anterior, que o primeiro autor vai buscar diariamente à escola, e que janta e dorme na casa paterna várias vezes ao longo da semana, necessitando, para o efeito, de um quarto próprio; e outro filho de 4 anos, fruto de outra relação, que visita e dorme na casa paterna em fins-de-semana alternados. A fração emprestada onde habitam, presentemente, tem como destino a venda ou o arrendamento e deverá ser devolvida pelo primeiro autor com a maior brevidade. O imóvel objeto da presente ação é o único de que o primeiro autor é proprietário ou sobre o qual tem qualquer tipo de direito, tem dele absoluta e urgente necessidade, para sua habitação e de sua família.

Concluem pedindo: A)– o reconhecimento do direito de propriedade exclusivo dos autores.

B)– a condenação da ré a restituir aos autores o imóvel sito na Rua J... R..., n.º ..., ...º Esq. C..., e melhor descrito no artigo 1º desta P.I.

C)– a condenação da ré a pagar aos autores o montante de 4.327,76 € (quatro mil, trezentos e vinte e sete euros e setenta e seis cêntimos) acrescido de juros à taxa legal em vigor contados desde Julho de 2012 até integral pagamento.

D)– a condenação da ré a pagar aos autores o montante de 2.754,70 € (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e setenta cêntimos) acrescido de juros à taxa legal em vigor contados desde Abril de 2014 até integral pagamento.

E)– a condenação da ré no pagamento do IMI imputado ao imóvel desde a data da citação para a presente ação até à sua devolução aos autores.

F)– a condenação da ré no pagamento das contribuições ao condomínio devidas pela fração em causa desde a data da citação para a presente ação até à sua devolução aos autores.

G)– a condenação da ré no pagamento de 800,00 € (oitocentos euros) mensais aos autores desde a data da citação para a presente ação até à efetiva devolução do imóvel.

H)– Deve a ré relacionar o atual recheio da casa, mencionando o que lhe pertence e o que pertenceu ao pai dos autores, abstendo-se de remover do local estes últimos.

A R. apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional. Alegou, em síntese, que viveu em união de facto com F..., pai dos Autores F... e P..., durante 26 anos. Muito embora o imóvel em apreço estivesse registralmente inscrito em regime de compropriedade, ½ a favor de F... e ½ a favor de M... (anterior companheira de F... e mãe dos seus dois filhos aqui Autores), certo é que o Imóvel apenas a F... pertencia. Aquando da separação do casal F... e M... e por efeito da divisão de bens entre ambos realizado, o imóvel foi atribuído exclusivamente a F.... A Ré e F... residiram no imóvel, durante 26 anos pacificamente, à vista de todos, sem qualquer interferência da comproprietária inscrita no registo e sem que esta tivesse deles reclamado o pagamento de qualquer quantia ou contribuição, a título de renda, custos, encargos ou qualquer outro. F... sempre agiu como único e legítimo proprietário da totalidade do Imóvel, atuação que era pública e acompanhada regularmente por M... – visita habitual de casa, amiga da família, inclusive da Ré – sem qualquer oposição, limitação ou reclamação. Neste pressuposto, F... sempre manifestou a vontade de atribuir à Ré direito sobre o Imóvel de modo a assegurar que ela ali permaneceria mesmo após a sua morte, e até mesmo a intenção mais concreta de sobre o Imóvel constituir usufruto a favor da Ré, o que fez em diversas ocasiões, na presença de familiares e amigos próximos, nos quais se incluem os agora Autores. F... havia estado doente uns tempos antes, em meados de 2004, situação que determinou o seu internamento e a realização de uma intervenção cirúrgica...

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