Acórdão nº 36/13.1GBALQ.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução26 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.

–Nos presentes autos com o NUIPC 36/13.1GBALQ, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Alenquer, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido L.

condenado, por sentença de 23/02/2017, nos seguintes termos: Pela prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros; Pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d), por referência ao artigo 2º, nº 1, alínea ae), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros; Após cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 200 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros.

  1. –O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso.

    2.1–Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.–Na ala N) dos factos provados, diz-se que ao arguido foram apreendidas 5,791 gramas de cannabis (resina), com um grau de pureza de 8,6%, a que correspondem 9 doses individuais, bem como 1,871 gramas da mesma substância, com 16,3% de grau de pureza, correspondentes a 6 doses individuais.

  2. –No ponto O) dos factos provados, que o arguido destinava o produto estupefaciente ao seu consumo próprio e exclusivo.

  3. –Na parte consignada ao Direito, ponto 3.2 da Douta Sentença, a mesma considera que a quantidade detida pelo arguido, era superior ao consumo médio individual durante o período de dez dias, uma vez que totalizava 7,662 gramas, ultrapassando as 5 gramas que de forma meramente indicativa, se indicam na Portaria 94/96, de 26/03.

  4. –O Tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo artº 40º nº 2 do DL 15/93, de 22/01.

  5. –Não se concorda com tal decisão, porque, no nosso entender, a quantidade de cannabis que foi apreendida ao arguido 7,662 gramas, não excede a quantidade média individual durante o período de dez dias.

  6. –Plúrimos Acórdãos dos nossos Tribunais Superiores, consideram que para se apurar a natureza e quantidade do produto estupefaciente apreendido, não só é necessário identificar a natureza dessa substância, como também apurar a percentagem do princípio ativo existente nesse produto, e só depois isso aferir se essa quantidade é ou não enquadrável nas quantidades previstas na Portaria 94/96, de 26/03.

  7. –O arguido detinha na sua posse dois pedaços de cannabis, tendo um deles o peso de 5,791 gramas, com um grau de pureza de 8,6%, bem como um segundo pedaço com o peso de 1,871 gramas, com um grau de pureza de 16,3%.

  8. –No total o arguido detinha dois pedaços de cannabis que pesavam 7,662 gramas.

  9. –No primeiro pedaço, atento o grau de pureza desse estupefaciente, obtemos um peso líquido de cannnabis de 0,086 gramas, sendo que a diferença, isto é, 5,705 gramas, correspondem a produtos misturados com a droga, mas que não se enquadram nas tabelas anexas ao DL 15/93, de 22/01.

  10. –Na segunda situação, considerando o grau de pureza desse estupefaciente 16,3%, e a quantidade apreendida - 1.871 gramas, apura-se que o cannabis, enquanto princípio ativo se fixa nos 0,163 gramas, sendo que o restante 1,708 gramas, são tudo menos produto estupefaciente.

  11. – Parece lícito concluir-se que das 7,662 gramas de cannabis apreendido ao arguido, 7,413 gramas NÃO SÃO PRODUTO ESTUPEFACIENTE, obtendo-se um montante residual de cannabis, produto considerado estupefaciente e constante das tabelas anexas ao DL 15/93, de 0,249 gramas.

  12. –Face a tal raciocínio, e no caso concreto, estaremos perante uma quantidade bem inferior ao consumo médio - DIÁRIO, que a Portaria 94/96, de 26/03, considera para o consumo de cannabis, que ali considera o 0,5 gramas/dia.

  13. –Amplamente defendido na nossa Jurisprudência e na Doutrina, é que o nº 2 do artº 2º da Lei nº 30/00, de 29/11, deve ser entendido, como meramente indicativo ou seja, de ter sido feito constar na Lei com o propósito de habilitar o julgador com uma medida orientadora para a conclusão a extrair na circunstância.

  14. –As quantidades diárias indicadas na portaria 94/96 e o exame pericial não devem ser de mera aplicação automática. A determinação da quantidade necessária superior para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, deverá basear-se em vários critérios, sempre de acordo com o caso concreto, nomeadamente, o modo de consumo do arguido, mas sempre atendendo no grau de pureza, sendo tal conclusão indispensável para se concluir estar-se em presença da prática de um crime ou de uma contra-ordenação.

  15. –Face às alterações legislativas operadas no ano 2000, parece lícito conclui-se que o legislador descriminalizou todo o consumo, mas não liberalizou o consumo de droga. A detenção de produto estupefaciente, em quantidades superiores ao necessário para o consumo médio durante dez dias, tomando por aport as quantidades indicadas na Portaria 94/06, de 26/03, desde que se destine a exclusivo consumo privado próprio, deverá de ser considerada como contra-ordenação, nos termos do artº 2º da Lei nº 30/200, de 29/11.

  16. –E justamente essa a posição que, modestamente, defendemos, consubstanciada no facto de ao arguido não lhe ter sido apreendido produto estupefaciente, in casu, cannabis, em quantidade igual ou superior ao seu consumo privado próprio, para dez dias, quer pelo que já foi anteriormente explanado nos artºs 10º a 14º desta motivação, quer pela própria natureza desse produto estupefaciente, quer ainda pelo facto de para o habitual consumidor dessa substância, o consumo diário é, por norma, e do conhecimento generalizado do significativo mundo de consumidores de cannabis, bem superior ao indicado na Portaria 94/86, de 26/03, ou seja, acima do 0,5 grama/dia, o que também foi dito pelo arguido em audiência de julgamento.

  17. –O legislador optou por não criminalizar tais condutas - as de deter estupefaciente nas quantidades superiores às indicadas na portaria 94/96, de 26/03, desde que destinadas ao exclusivo consumo privado próprio, o que foi o caso, e com o granus salis que deve estar presente na determinação da quantidade necessária para os tais dez dias, levando a punir tais condutas, não como crime, mas como contra-ordenação.

    O Tribunal a quo ao considerar a conduta do arguido como crime, e não como contra-ordenação, violou o disposto nos artºs 40º nº 2 e 71º nº 1 ala c), do DL 15/93, de 22/01, Portaria nº 94/96, de 26/03 e artºs 2º e 28º da Lei nº 30/2000, de 29/11, devendo a Douta Sentença, ser substituída por outra que se atenha ao Direito aplicável aos factos provados.

    TERMOS EM QUE: Sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso, deve a Douta Sentença recorrida ser corrigida, com as legais consequências do ora peticionado.

  18. –O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando por lhe ser negado provimento.

  19. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer (transcrição): O presente recurso vem interposto, pelo arguido L. Renan da S... S..., da sentença que o condenou pela práctica de um crime de consumo de estupefacientes p. p. pelo artº 40º nº 2 do DL nº 15/93 de 22/01.

    Vistas as conclusões do recurso interposto, a questão de que importará conhecer consiste apenas em saber se a substância apreendida ao arguido não excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante 10 dias, não integrando a sua actuação a prática do crime p. e p. pelo artigo 40º, nº 2 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01, mas tão só a práctica de uma contraordenação p. p. pelo artº 2º nº 1 e 2 da Lei nº 30/2000, de 29/11.

    O Ministério Público, na respectiva resposta á motivação, defende a confirmação do decidido.

    Afigura-se-nos, que no essencial, assiste razão ao recorrente.

    Dos factos provados resulta que o arguido detinha na sua pose 5,791 gr. de cannabis (resina), com um grau de pureza de 8,6% e 1,871 gr. de cannabis (resina), com um grau de pureza de 16,3%, que destinava ao seu consumo próprio e exclusivo.(pontos N) e O).

    Antes de mais, importa ter presente que as tabelas anexas à Portaria nº 94/96, de 26/3 se referem apenas ao princípio ativo das substâncias, ou seja, à "droga pura", e não a um qualquer composto que tenha estupefaciente, pois só a droga pura permite uma quantificação como aquela que consta das tabelas.

    Só depois, com estes valores fixados no exame laboratorial,- é essencial esta identificação- é que podemos socorrer-nos dos valores referidos na referida tabela.

    E, é perante a percentagem do princípio activo constante da substância apreendida, é que podemos avaliar se a quantidade detida é «superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».

    A este propósito, ou seja, no sentido de que, os valores que constam do mapa anexo à Portaria nº 94/96 não impõem conclusões rigidamente determinadas quanto às quantidades de consumo médio individual, desde logo porque não pode ser ignorada a maior ou menor percentagem de produto activo, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de...

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