Acórdão nº 10421/14.T2SNT-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS OLIVEIRA
Data da Resolução26 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: Paulo ... ... ..., veio interpor a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra a Seguros ..., S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento de: a)-€7.397,00, a título de indemnização por privação do uso de veículo, desde a data do sinistro até à data de pagamento da perda total do veículo; b)-€1.679,68 a título de parqueamento da sua viatura; c)-€300,00 a título de despesas médicas; d)-€30.862,63 a título de indemnização pelo dano corporal sofrido e perdas salariais; e)-€3.000,00 a título de despesas futuras com a cirurgia; f)-€772,90 a título de indemnização pelos objetos danificados; g)-Juros moratórios, contados à taxa legal em vigor, desde da data de citação até efetivo e integral pagamento; h)-Custas e o mais legal.

Para tanto invocou, em síntese, que no dia 25 de junho de 2013 foi interveniente em acidente de viação causado por culpa do condutor do veículo segurado da R., tendo em consequência sofrido danos de natureza patrimonial consistentes na privação do uso do seu veículo (alvo de perda total), despesas com o parqueamento do mesmo veículo, além de lesões corporais que levaram a uma incapacidade absoluta temporária para o trabalho e a sequelas correspondentes a um dano biológico de 12 pontos, havendo necessidade de vir a realizar certa cirurgia, além de que viu danificados alguns bens pessoais.

A R. veio contestar impugnando os factos alegados pelo A., concluindo pela improcedência da ação.

O processo seguiu os seus termos, com despacho saneador e julgamento, tendo a final sido proferida sentença que decidiu julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando a R., Seguros ..., S.A.., no pagamento ao A., Paulo ... ... ..., duma indemnização de €23.347,70, acrescida de juros de mora, a contar de 30 de maio de 2014, sobre o montante de €1.722,70, fixados a título de danos patrimoniais de quantificação certa; e de juros de mora, a contar da data da sentença sobre o montante de €21.625,00, fixados a título de danos patrimoniais, nos termos do Art. 566º n.º 3 do C.C., absolvendo a R. do demais peticionado.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a R., formulando no final das suas alegações as seguintes conclusões, que agora se reproduzem de forma resumida: 1.ª– O recurso interposto da sentença de 28.03.2017 restringe-se à parte em que avalia os danos sofridos pelo Autor a título de dano biológico e dano de privação do uso do veículo e fixa os termos da indemnização por eles devida; 2.ª– Verifica-se uma errada interpretação e aplicação do Direito que aplicou ao caso em concreto, nomeadamente na atribuição e fixação da indemnização do dano biológico e do ao dano de privação do uso de veículo, existindo ainda violação dos princípios de equidade na fixação das indemnizações; 3.ª– Relativamente aos danos corporais/danos biológicos apurados nos presentes autos, máxime através do relatório de perícia médico-legal, bem como as demais circunstâncias do caso, verifica-se que a indemnização arbitrada a esse título se revela manifestamente injusta, excessiva e exagerada; 4.ª– No caso em apreço, verificou-se (i) um quantum doloris fixável no grau 4/7; (ii) um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos; (iii) ausência de dano futuro (iv) as sequelas sofridas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade, ainda que impliquem esforços acrescidos (v) ajudas medicamentosas de tipo analgésico sempre que necessário; 5.ª– Assim, não se revela adequada a fixação da quantia de €20.000,00 para reparação e/ou compensação da incapacidade e repercussão na atividade profissional (esforços acrescidos), devendo a mesma ser reduzida e fixada em valor nunca superior a €10.000,00; 6.ª– O montante indemnizatório para reparação dos danos corporais deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, deve ainda atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (o segurado), à sua situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, sendo de atender aos padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência; 7.ª– No que tange à jurisprudência, tomando em consideração circunstâncias concretas muito similares às presentes autos (idade, incapacidade, esforços acrescidos,…), o Supremo Tribunal de Justiça fixou em €10.000,00 a indemnização a título de danos corporais (vide o douto Acórdão do STJ de 06.10.2016, disponível em www.dgsi.pt).

8.ª– Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo ser de ressarcir a privação ou paralisação do veículo do Autor, tendo condenado a Ré a pagar a quantia global de €1.625,00, correspondente a 65 dias à razão diária de €25,00; 9.ª– Verifica-se uma errada interpretação e aplicação do Direito, máxime do Dec.Lei n.º 291/2007, não sendo devida qualquer indemnização por privação do uso do veículo; 10.ª– Não sendo viável a reparação do veículo, como ocorre no caso “sub judice”, não há privação do uso, atendendo que o mesmo deixou de poder desempenhar as funções para que foi criado; 11.ª– A indemnização prevista no caso de perda total do veículo abrange somente o dano constituído pela definitiva perda do veículo, não sendo devida indemnização pela paralisação ou privação do veículo sinistrado; 12.ª– Trata-se, assim, de uma indemnização integral dos danos sofridos pelo lesado, cobrindo todos os danos resultantes do sinistro, é como se tivesse havido uma aquisição do veículo pela seguradora, reportada à data do sinistro; 13.ª– Subsidiariamente e sem conceder, sempre se dirá que o dano (a privação do uso do veículo), a ser ressarcível, terá de corresponder a um dano efetivamente sofrido pelo lesado, não procedendo a construção jurídica de acordo com a qual tal dano é considerado um dano moral indemnizável em si mesmo; 14.ª– Esta solução favorece a obtenção de resultados justos, impedindo, por exemplo, situações de enriquecimento injustificado do lesado, como sucederia nos casos em que se prova, por exemplo, que o proprietário não queria ou não podia usar a coisa durante o período em que decorreu a reparação ou esteve privado da utilização do veículo; 15.ª– Sem conceder, o recurso à equidade no caso concreto, em que não foram apresentadas quaisquer provas dos alegados danos, contraria o preceituado nos artigos 564.º e 566.º do Código Civil, porquanto não foi feita prova de qualquer dano determinável com recurso à equidade; 16.ª– Subsidiariamente, no que tange ao quantum indemnizatório devido pela paralisação do veículo, impondo a lei o recurso à equidade, afigura-se que o valor fixado na sentença é manifestamente exagerado pelo que, caso se entenda dever fixar-se um valor por essa privação de uso, tal valor não deverá ultrapassar os €10,00 por cada dia de privação de uso do veículo.

17.ª– A douta sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 41.º e 42.º do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (DL 291/2007), bem como os artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

O A. não apresentou contra-alegações.

II–QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geral, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, são questões únicas a decidir: a)-Saber se a indemnização fixada, relativa ao “dano biológico”, é excessiva; e b)-Saber se há lugar a indemnização pelo dano de privação do uso do veículo em caso de perda total e, em caso afirmativo, se a indemnização fixada é excessiva.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: 1.-No dia 25 de Junho de 2013, cerca das 23h40m, ocorreu, na Rua Vasco da Gama, no sentido Raposeira/Sabugo, concelho de Sintra, um sinistro de viação, no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros da marca BMW, com matricula 0...-... ...-...9 e o veículo ligeiro de passageiros da marca Audi, com matricula ... ...-6...-...0.

  1. -O veículo ...3-... ...-7...

    é propriedade do A., sendo que, no momento da verificação do referido acidente era conduzido pelo ora A..

  2. -O veículo ... ...-6...-...0 é propriedade de Maria J... S... A... e no momento do acidente era conduzido pela mesma, encontrando-se segurado pela ora R., através de contrato titulado pela Apólice nº. 7010141458.

  3. -O veículo do A. seguia na sua hemi-faixa de circulação quando, da sua direita, surgiu o veículo ... ...-6...-...0.

  4. -A faixa de rodagem na qual circulava o veículo ... ...-6...-...0 era sinalizada por um sinal de STOP.

  5. -O veículo ... ...-6...-...0 ao efetuar a manobra de mudança de direção para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, foi embater no veículo ...3-... ...-7...

    .

  6. -O embate ocorreu entre a frente e lateral direita do veículo do A. e a lateral esquerda do veículo do ... ...-6...-...0.

  7. -O A. reclamou junto da ora R. a assunção de responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, mediante o preenchimento da Declaração Amigável de Acidente...

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