Acórdão nº 652/16.0T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEI
Data da Resolução26 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: António ... de ... e mulher, Maria da Conceição ... ... ..., vieram, em 10.1.2016, propor contra Banco Espírito Santo, S.A., Novo Banco, S.A., e ... ... ... da ..., ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhes indemnização para ressarcimento de danos patrimoniais sofridos, a apurar em execução de sentença, e por danos morais no montante de € 5.000,00. Invocam, para tanto e em síntese, que sendo clientes do BES, S.A., há vários anos, baseados na confiança que detinham nesta instituição de crédito e na sua gestora de conta, por influência e insistência destes aplicaram, em 24.9.2013, a quantia € 65.000,00, respeitante às suas economias, no produto denominado Euro Aforro 10, que corresponde a ações preferenciais de sociedade sedeada na ilha de Jersey, pensando tratar-se de aplicação segura, de capital garantido, uma espécie de depósito a prazo. Sucede, todavia, que tal montante nunca lhes foram reembolsado nos moldes contratados. Afirmam que o R. BES utilizou expedientes e informações enganosas para os convencer que tinham o seu dinheiro aplicado em depósito a prazo, violando os mais elementares deveres de informação e prestando mesmo informação falsa sobre o produto oferecido, pelo que se constituiu em responsabilidade civil perante os AA. cujo valor global não é ainda possível determinar. Dizem que tal responsabilidade é solidária entre o BES, S.A, e o Novo Banco, S.A., por efeito da medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal e aplicada ao primeiro, que criou o banco de transição, sendo também o 3º R. responsável, enquanto administrador do Novo Banco, porque violou gravemente os deveres de cuidado e de lealdade para com os AA. e demais lesados credores do aludido Novo Banco.

Contestou o 1º R., sustentando, em súmula, que a responsabilidade em discussão transitou para o Novo Banco, que aliás detém toda a documentação relativa à relação dos AA. com o então BES, pelo que lhe é inexigível a obrigação reclamada. Impugna a factualidade alegada.

Contestaram igualmente os 2º e 3º RR., arguindo a respetiva ilegitimidade passiva, defendendo que os ativos em questão se não transferiram com a medida de resolução pelo que, a existir responsabilidade, a mesma caberá ao 1º R., BES. Mais defendem que a referida medida reveste a natureza de ato administrativo pelo que a apreciação da sua validade compete aos tribunais administrativos e não aos tribunais judiciais, e assim, a julgar-se improcedente a exceção da ilegitimidade arguida com base na invalidade da resolução, deve antes suspender-se a instância remetendo-se a competência anulatória para os tribunais administrativos. No mais, impugnam a factualidade alegada.

Chamados a pronunciar-se, vieram os AA. defender, além do mais, que o Banco de Portugal, apesar de poder aplicar a medida de resolução e de poder selecionar os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição, de acordo com o art. 145-H, nº 1, do RGICSF, não tem poderes para determinar quais são as responsabilidades do banco de transição que recebeu aqueles ativos patrimoniais, nem pode restringir ou eliminar direitos subjetivos, sob pena de inconstitucionalidade, pois tal é da competência exclusiva dos tribunais. No caso, a transferência dos ativos do BES para o Novo Banco, deixando no BES-mau as responsabilidades, viola o disposto no art. 122, nº 2, do C.S.C., no art. 12 da 6ª Diretiva (82/891/CEE) e no art. 62, nº 1, da C.R.P. (direito de propriedade).

A fls. 256 dos autos, vieram os AA. desistir da instância contra o 3º R., ... ... ... da ..., e este declarou aceitar a desistência, desistência essa homologada a fls. 260, extinguindo-se a instância quanto ao mesmo.

A fls. 271, veio o 1º R. informar que, por deliberação de 13.7.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade do Banco Espírito Santo, S.A., a partir das 19h00 desse dia e que tal decisão implica a dissolução e a liquidação do Banco, produzindo os efeitos da declaração de insolvência, nos termos do art. 8, nº 2, do DL nº 199/2006, de 25.10. Diz que, em consequência, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do BES junto da 1ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa (Proc. nº 18588/16.2T8LSB), processo que se encontra em curso. Pede, por isso, seja declarada extinta contra si a instância por inutilidade superveniente da lide ou a suspensão da instância (até que se torne definitiva a indicada decisão do BCE).

Os AA. pronunciaram-se, afirmando que reclamaram o seu crédito no referido processo de liquidação mas que tal reclamação não interfere nas ações declarativas já instauradas como a presente, não dando lugar à apensação, suspensão ou extinção em todos os casos. Dizem que o crédito reclamado constitui um crédito sujeito a condição nos termos do art. 50 do C.I.R.E., pelo que deve ser graduado, sob condição suspensiva e com garantia, até ao trânsito em julgado da presente causa. Referem, por outro lado, que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2014 perdeu validade porque se reporta ao art. 50, nº 1, do C.I.R.E., na redação anterior à introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20.4. Pedem o indeferimento da pretensão do 1º R.. Em 11.1.2017, foi, a título de questão prévia, julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao R. BES. Seguidamente, proferiu-se despacho saneador que conferiu a validade formal da instância e julgou o R. Novo Banco parte legítima, de acordo com o art. 30 do C.P.C.. Mais se apreciou a defesa do R. Novo Banco, concluindo-se: “(…) por ilegitimidade substantiva passiva, absolvo o Réu NOVO BANCO do pedido, nos termos do artº 576 nº1 e 3 do C.P.C. Custas pelos AA. (artº 527 do C.P.C.) que, tendo em conta o decaimento em relação ao R. ... da ... e a repartição de custas pela insolvência do BES, se fixa em 2/3 para os AA. e 1/3 para a massa insolvente do BES. (…).” Inconformados, interpuseram recurso os AA., apresentando as respetivas alegações que culminam com as conclusões a seguir transcritas: “ EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA QUANTO AO R. BES, S.A., EM LIQUIDAÇÃO 1.

–Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.

  1. –Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.

  2. –Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.

  3. –A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.

  4. –Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.

  5. –Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).

  6. –Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.

  7. –A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.

  8. –Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam. 10.

    –Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).

  9. –Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.

  10. –Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.

  11. –Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.

  12. –Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.

  13. –Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “(…) decisão judicial ou de negócio jurídico”.

  14. –No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.

  15. ...

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