Acórdão nº 353/16.9JELSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução13 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido G.S.M., solteiro, agente comercial exercendo funções de segurança, nascido em 10 de Maio de 1984, natural de Sé Nova, Coimbra, filho de RLM e de CFS, residente na Rua …………………, Coimbra, actualmente recluso no Estabelecimento Prisional de Lisboa, foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada de crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto no artigo 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa, na pena de seis anos de prisão.

* Inconformado, o arguido recorreu, apresentando a seguinte síntese conclusiva: A.– Submetido a Julgamento, com a intervenção do Tribunal Colectivo, foi o Arguido, atenta a matéria de facto considerada como provada, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21.°, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-B anexa, na pena de seis (6) anos de prisão.

B.– Sucede que, pese embora, o mérito, e esse é e será sempre inquestionável do Colectivo e da Meritíssima Juíza que dirigiu o Julgamento dos presentes Autos e elaborou o douto Acórdão do qual se recorre, o Recorrente dificilmente se pode conformar com a Decisão condenatória em apreço, C.– A distonia que o Recorrente pretende demonstrar relativamente ao Acórdão em análise, prende-se com nulidades do Acórdão, com erro de julgamento de facto, vício da insuficiência, violação do princípio do in dubio pro reo e com excesso da medida concreta da pena.

D.–II.- MOTIVAÇÃO: Entende o Recorrente que a prova produzida em Julgamento e constante dos Autos não foi devidamente valorada para sustentar a decisão de dar como provados e não provados os factos infra impugnados.

E.–II.1- Erro de Julgamento: Com efeito, o Arguido confessou a materialidade objectiva dos factos, porém colocou reservas quanto aos factos que integram o elemento subjectivo.

F.–II.2- FACTOS PROVADOS IMPUGNADOS: "O arguido conhecia perfeitamente a natureza e características estupefacientes do produto que transportava e que lhe foi apreendido." (Vide Acórdão, página 3, parágrafo 7°); "O telemóvel e cartões apreendidos foram e seriam utilizados pelo arguido nos contactos que estabeleceu para concretizar o transporte e entrega da cocaína apreendida" (Vide Acórdão, página 3, parágrafo 11°); "O arguido agiu com o propósito concretizado de receber e transportar consigo o supracitado produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conhecia, desde o Brasil até Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco do recebimento de uma quantia monetária" (Vide Acórdão, página 3, parágrafo 12°).

G.–II.3- PROVA QUE ENTENDE IMPOR DECISÃO DIVERSA: Dando cumprimento à normatividade plasmada no art.º 412.° do CPP, designadamente o seu n.º 3, als. a) e b). Considera o Recorrente existir violação do princípio da livre apreciação da prova, pois, da análise dos factos dados como provados nos parágrafos 7°, 11° e 12° da página 3 do Acórdão os mesmos deviam ser considerados não provados, motivo pelo qual os impugna.

H.– Vejamos, então, as passagens das declarações do ora Recorrente G.S.M. (prestadas na sessão da Audiência de Discussão e Julgamento que teve lugar no dia 09/05/2017, com início às 14horas), que maior relevância assumem para a matéria em análise, que se passarão a transcrever, requerendo que V.ªs Exªs, Venerandos Desembargadores, relevem alguma imprecisão pontual na transcrição, I.– Declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido e constantes do ficheiro 20170509143537_19272179_2871049 (10:44-12:38) Procuradora-Adjunta: Este telemóvel e estes cartões que o senhor detinha, portanto, o senhor apesar de ter confessado integralmente e sem reservas o que consta da acusação, isto também era para o senhor, era através deste telemóvel que iria ser contactado pelo tal Jacaré? Arguido: Não, não. Procuradora-Adjunta: Então? Arguido: Assim que chegasse, eu chegava meados das sete da manhã, senão caio em erro, tinha que estar no casino de Estoril, ao pé do Chimarrão, peço desculpa, casino de Lisboa para fazer a entrega. Procuradora-Adjunta: Então e não tinha contactos?Arguido: Não. Procuradora-Adjunta: No telemóvel? Como é que sabia quem era o senhor? Arguido: Com certeza já tinha fotografia minha. Procuradora-Adjunta: Mas o senhor deu a fotografia a alguém? Arguido: Tiraram-me uma fotografia lá. Procuradora-Adjunta: Lá, no Brasil? Arguido: Sim. Procuradora-Adjunta: E mandaram-na através de que telemóvel? Arguido: Não do meu, com certeza. Procuradora-Adjunta: O senhor é que sabe se é com certeza ou sem certeza. Não foi através do seu? Arguido: Não, não. Procuradora-Adjunta: Então e o senhor foi contactado lá, ou cá? Para fazer este transporte... Arguido: Cá. Procuradora¬Adjunta: Cá? Arguido: Sim. Eu procuro, fui ter a Santos às portas de Benfica... Fui lá, falei com ele. Depois lá deram-me um contacto número, um papel com um número, senão caio em erro, era da OI para quando chegasse ao Brasil para ligar, sendo que não foi necessário, pois quando cheguei lá estava um pessoa para me apanhar. <...> (13:46-15:00) Procuradora-Adjunta: Olhe, e este dinheiro que lhe foi apreendido era o quê? Arguido: Os 40,00€?Procuradora-Adjunta: Os 500,00€ e os 344 reais e qualquer coisa. Arguido: Não, é um equívoco. Eram só 40,00€. apenas, Meritíssima. Procuradora-Adjunta: Não, não é isso. Houve aqui uma transferência, foi-lhe apreendido um papel de uma transferência de 500,00€ na casa de câmbios confidence. Arguido: Mas, com o meu nome? Procuradora-Adjunta: Não é com o seu nome. Foi-lhe apreendido isso não sua posse. Arguido: Meritíssima, tinha papéis de lá. Deve ter sido eu a recolher quando lá estava em casa, quando me equiparam, eu devo ter recolhido os papéis por engano, porque não é de todo do meu interesse ter papéis de transferências. Procuradora-Adjunta: Olhe, quem é este SJ. Arguido: Não conheço. Procuradora-Adjunta: Mas o senhor também tinha um cartão de entrada e saída dele?! Arguido: Meritíssima, eu quando estive naquela casa, passaram por lá mais de dez pessoas. Procuradora-Adjunta: Hum. Arguido: Eu a mim até me dava jeito dizer que era S, mas eu por acaso não conheço, mas naquele corrupio, entradas e saídas e preparar e tudo mais, eu, posteriormente, quando vou para recolher as coisas posso ter posto esse papel dentro, porque eu não faço a mínima ideia quem é. Procuradora-Adjunta: E este RK, também não. Rio-Paris-Rio, 1800 dólares, também não sabe quem é?! Arguido: Não faço a mínima ideia quem é.(fim da transcrição); J.– Com efeito, muito embora o Tribunal a quo tenha tentado demonstrar no douto Acórdão a incredulidade da justificação do desconhecimento da quantidade, "<...> sendo ainda certo que, quanto ao desconhecer quanta droga trazia consigo, a sua versão falece precisamente porque ela foi-lhe aconchegada ao corpo, podendo sentir o seu peso e distinguir gramas de quilos, como pela quantia que lhe foi prometida, 10.000€, todos nós sabendo que neste meio, que não é desconhecido do arguido, a maioria dos transportes se fazem por 3 ou 4 mil euros, pelo que esta quantia tinha que significar três a quatro vezes mais produto transportado. Resulta das regras da vida, das regras que estas situações seguem (e recorde-se que o arguido vinha de 6 em 6 meses a Portugal, desconhecendo-se mesmo se este era o primeiro transporte, o que não está a ser julgado, no entanto), sendo que até por via dos seus antecedentes criminais conhece os preços dos estupefacientes e o meio em, que se movem consumidores e traficantes". (Pág. 7 do Acórdão).

K.– O certo é que, o denominado "correio de droga" vê-se, frequentemente, confrontado com os enganos que os fornecedores/angariadores provocam relativamente à qualidade e quantidade do produto.

L.– É consabido que, por óbvios motivos lucrativos, os dealers omitem/mentem relativamente às características e quantidades de droga a transportar, para que, eventualmente, a mesma não influencie/inflacione o valor previamente estipulado para o serviço.

M.– Assim, não consegue o Recorrente descortinar com que fundamento conclui o douto Acórdão recorrido que o mesmo sabia perfeitamente a natureza e características estupefacientes do produto que, já em "placas", 8 (oito) embalagens, foram acomodadas junto ao seu corpo, na zona da cintura e das pernas.

N.– Assim, dúvidas não soçobram que o Recorrente desconhecia a natureza e características estupefacientes do produto que aceitara transportar, até porque, ademais, nada foi referido nesse sentido, pelo contrário, porquanto, o nervosismo impede a percepção correcta do peso que, aliás, é relativo, em situações normais, dependendo, nomeadamente, da musculatura de cada pessoa.

O.– Razão por que a prova impõe decisão diversa e, assim, com o devido respeito, deveria constar dos factos provados, o seguinte: "O arguido agiu com o propósito concretizado de receber e transportar consigo o produto estupefaciente, desde o Brasil até Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco do recebimento de uma quantia monetária".

P.– No que diz respeito ao telemóvel e cartões apreendidos, contrariamente ao referido no Acórdão, "«...» sendo que apenas quanto ao telemóvel referiu ser seu e não se destinar a contactos, no que se contradisse mais adiante, admitindo ter feitos contactos com o mesmo." (Pág. 7 do Acórdão).

Q.– Modestamente, não se vislumbra qualquer contradição. Acresce que, nesta senda, as pessoas ligadas ao tráfico de estupefacientes recorrem, regra geral e à cautela, a cabines telefónicas.

R.– Mais, veja-se o Relatório da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária, elaborado a 06/01/2017 que, a fls. 446, refere o seguinte: "Em relação ao exame pericial efetuado ao seu aparelho...

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