Acórdão nº 3310/11.8TBALM.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: MIGUEL ... ... ... DO MAR e BEATRIZ ... ... ...

, intentaram a presente ação declarativa, sob a forma comum de processo (originalmente, sob a forma de processo experimental), contra, 1.-... –METALOMECÂNICA, LDA, pessoa coletiva nº 503 394 513, com sede na Quinta do Ribeiro, Rua de Recarei, Leça do Balio.

  1. -COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A, atualmente e por fusão designada como SEGURADORAS REUNIDAS, S.A., pessoa coletiva nº 500 940 231, com sede na Avenida da ... nº 242, em Lisboa.

  2. -... –SERVIÇOS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS, LDA, com sede na Rua ... Maurício Marques, Vale de Açores, Apartado 23, Mortágua.

  3. -... –GESTÃO DE PROJECTOS DE ENGENHARIA, S.A, relativamente à qual a instância foi extinta por inutilidade superveniente da lide consequente à respetiva declaração de insolvência.

  4. -... –PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., atualmente denominada ... PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

    , com sede na Rua Gonçalo Sampaio, nº 39, Porto.

    Pediram que pela procedência da ação as rés sejam solidariamente condenadas no pagamento ao autor marido de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de Euros 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) e à autora mulher de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de Euros 80.000,00 (oitenta mil euros), bem como juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

    Para tanto, alegaram, em síntese, quanto segue: ·No dia 16 de Junho de 2008, o autor encontrava-se no exercício da sua atividade profissional de serralheiro ao serviço e sob as ordens da ré ..., Lda. numa obra de construção civil do edifício Lidl, no Pragal, Almada, de que era empreiteira a ..., S.A.

    ·Foi necessário um meio que permitisse a montagem de estruturas metálicas em altura e por indicação do encarregado geral da obra ao serviço da ..., foi montada uma plataforma metálica para o efeito.

    ·Quando o autor desempenhava as suas funções em cima dessa estrutura, a mesma, por não ter resistência suficiente, cedeu, tendo ele caído desamparado de uma altura de cerca de 10 metros no piso inferior do parque de estacionamento.

    ·O autor esteve uma hora e meia em agonia num local inacessível, do qual foi transportado para o hospital, tendo sido sujeito a duas cirurgias e sofrido várias fraturas, luxação e lesão vertebro-medular completa que lhe provocou paraplegia.

    ·Ficou privado da capacidade de locomoção, sendo obrigado a utilizar, primeiro, cadeira de rodas e atualmente canadianas e está dependente de terceiros para as tarefas básicas do dia-a-dia.

    ·Está também privado da função sexual, não podendo mais ter filhos, o que lhe causa profunda tristeza e frustração.

    ·Também para a autora resultaram desse sinistro danos, consequentes à impossibilidade de ter relações sexuais com o seu marido e ter mais filhos.

    ·A ré ..., Lda. celebrou com a ré ..., S.A um seguro pelo qual transferiu para esta a responsabilidade pelos riscos como os que se verificaram no referido sinistro.

    ·A montagem da estrutura que se desmantelou e deu origem à queda do autor foi efetuada por funcionários da ..., que havia transferido a sua responsabilidade para a ré ..., S.A.

    ·O autor subiu à estrutura e montava o sistema de exaustão no âmbito da relação de trabalho subordinado que mantinha com a ré ..., Lda.

    ·O mesmo efetuava o seu trabalho seguindo ordens e indicações que lhe eram dadas pelo encarregado da ... e pelo engenheiro ao serviço da ré ..., Lda.

    ·A construção civil configura uma atividade perigosa pela sua natureza e pelos meios que utiliza, sendo aplicável ao caso o disposto no nº 2 do artº 493º do Código Civil.

    Todas as rés apresentaram contestações, tendo-se defendido, no essencial, da seguinte forma: (i)–A ré ..., S.A, excecionando a incompetência material do tribunal com fundamento na caracterização do sinistro como acidente de trabalho e, no mais, impugnando por desconhecimento a factualidade articulada.

    (ii)–A ré ..., Lda., invocando o sentenciado no Tribunal de Trabalho, a incúria do autor no cumprimento de ordens e regulamentos existentes na empresa, tendo ele formação em segurança no trabalho. Impugnou parcialmente a factualidade articulada, concluindo pela exclusão da sua responsabilidade ao abrigo do disposto no artº 570º do Código Civil.

    (iii)–A ré ..., S.A contestou aceitando a transferência de responsabilidade da co-ré ..., e sustentando que foi o autor que deu causa ao sinistro por ter, de forma livre e consciente, optado por executar os trabalhos numa plataforma que não estava apta para o efeito, a qual, por esse motivo, se partiu.

    (iv)–A ré ..., Lda. defendeu-se invocando que não teve qualquer intervenção na disponibilização de meios ou na montagem dos andaimes/plataforma, não tendo praticado, por ação ou omissão, qualquer facto lícito ou ilícito suscetível de desencadear a sua responsabilidade pelo sinistro. Requereu a intervenção principal provocada, como sua associada, da seguradora Império-Bonança, S.A para a qual disse ter transferido a responsabilidade civil emergente do exercício da sua atividade. Convidados para o efeito, os autores responderam por escrito às exceções deduzidas nas contestações, refutando as mesmas.

    O incidente de intervenção principal deduzido pela ré ..., Lda. foi indeferido liminarmente por falta de pagamento da t... de justiça inerente.

    Realizou-se audiência preliminar, na qual foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção de incompetência material do tribunal. Posteriormente foram declaradas improcedentes as exceções de ilegitimidade e falta de causa de pedir supervenientemente invocadas pela ré ..., S.A.

    Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, tudo ponderado de facto e de Direito, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores MIGUEL ... ... ... DO MAR e BEATRIZ ... ... ...

    e, nessa mesma medida: I.–Condena-se a ré ... PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

    a pagar ao autor MIGUEL ... ... ... DO MAR a quantia de Euros 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à t... legal de juros civis, desde a presente data até integral pagamento.

    II.–Condena-se a ré ... PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

    a pagar à autora BEATRIZ ... ... ...

    a quantia de Euros 17.000,00 (dezassete mil euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à t... legal de juros civis, desde a presente data até integral pagamento.

    III.–Absolvem-se as rés ... – METALOMECÂNICA, LDA, SEGURADORAS REUNIDAS, S.A. e ... – SERVIÇOS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS, LDA dos pedidos contra elas formulados na ação.» * Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente ... Portugal, SA, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: «I.–Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Juízo Central Cível de Almada da comarca de Lisboa que condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento da quantia de: -250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais do Recorrido; -17.000,00 € (dezassete mil euros), a título de danos não patrimoniais da Recorrida.

    II.–Com interesse para a apreciação das questões objeto deste recurso, vejam-se os pontos 3, 6, 11, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 62 da matéria de facto dada como provada; III.–Por força do depoimento testemunhal do Sr. Branco, prestada na sessão de julgamento de dia 21-12-2016, com início às com início às 10:40:56 e fim às 11:42:31, a Recorrente entende que o tribunal deverá considerar como não provados os factos n.ºs 17, 18 e 19.

    IV.–Relativamente ao dano biológico, entende a Recorrente que o mesmo tem natureza patrimonial; V.–Pelo que já terá sido indemnizado no foro laboral; VI.–Esta circunstância, não sendo tomado em consideração na estipulação do montante indemnizatório, implica uma mais-valia para o Recorrido, desvirtuando a razão da indemnização e transformando-a num enriquecimento injustificado, violando manifestamente os artigos 564.º e 566.º, do Código Civil.

    VII.–Assim, deve ser eliminada a dupla valoração do dano biológico; VIII.–Sem prejuízo do alegado supra, sem conceder e por mero dever de patrocínio, igualmente se dirá que a Recorrente discorda dos valores da condenação atribuídos aos Recorridos.

    IX.–Pese embora a Ré não ponha em causa o sofrimento do Autor, a verdade é que a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais é excessiva sobretudo quando comparada com a prática jurisprudencial, que sempre deverá constituir a base de um juízo equitativo, sendo violadora dos critérios fixados no art.º 496.º do Código Civil.

    X.–Nos termos do artigo 496.º do Código Civil, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal”, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto.

    XI.–Ora, no caso em apreço, resultou demonstrado que o Recorrido se colocou numa situação de perigo, uma vez que subiu o andaime sem os meios de segurança aptos a evitar o acidente; XII.–Nos termos do artigo 570.º do Código Civil “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

    XIII.–Estes factos que foram dados como assentes nos autos não podem ser deixados de parte para efeitos de indemnização.

    XIV.–Acresce, por outro lado, que a Sentença em crise valora, sem respaldo na matéria de facto, uma pretensa falta de autodeterminação, atribuindo à entidade empregadora um poder de comando que, por si só, seria geradora da obrigação de indemnizar. Ora, como se disse, essa matéria não se encontra refletida na matéria de facto e resulta de um pretenso facto...

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