Acórdão nº 735/14.0PLLRS.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I Relatório Na Comarca de Lisboa Norte, Instância Local de Loures, Secção Criminal, Juiz 4, por sentença de 29/06/2016, constante de fls. 261 a 274, foi o arguido, S..., condenado, nos seguintes termos: a) absolvo o arguido da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152º, n.º1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal de que vinha acusado.

  1. como autor de um crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153º, n. º1 e 2 e artigo 155º, n. º1, alínea a), ambos do Código Penal, condeno o arguido S... na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de 5,00 (cinco) Euros, o que perfaz a multa global de € 750,00 (setecentos e cinquenta Euros).

    Desde já se alerta o arguido de que não pagando a multa, nem requerendo a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, poderá cumprir 100 (cem) dias de prisão subsidiária.

    *** Não se conformando, o arguido interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 295 a 309, com as seguintes conclusões: (transcrição) 1.º O Tribunal a quo condenou o Recorrente, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de 5,00 (cinco) Euros, o que perfaz a multa global de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) pela prática em autoria material, de um crime de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º n.º1 e 2 e artigo 155.º n.º1, alínea a), ambos do Código Penal., tendo absolvido o Recorrente da prática de um crime de violência doméstica previsto e punido nos termos do art.º 152.º n.º1 alínea b) e n.º2 do Código Penal de que vinha acusado.

    1. A prova produzida em sede de audiência de julgamento implicaria a absolvição do arguido por força dos princípios do acusatório e do princípio in dúbio pro reo: 3.º Não se compreende como o Tribunal à quo pode dar como provado: “3 - Após a separação, em momento não concretamente apurado, o arguido enviou algumas mensagens para o telemóvel de A..., nas quais lhe disse que “se não voltasse para casa que a matava”. 4 - O arguido sabia que, com as condutas acima descritas condicionava a liberdade de A.... 5 - Agiu em tudo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

    2. Não ficaram provadas nos autos as eventuais ameaças de morte ou sequer que alguma vez tivesse sido proferida a expressão “se não voltasse para casa que a matava”. 5.º Em caso de falta de prova, impõe-se ao Tribunal a absolvição, sob pena de violação do princípio do in dúbio pro reo.

    3. Quanto ao ponto 3. da matéria de facto provada: “3 - Após a separação, em momento não concretamente apurado, o arguido enviou algumas mensagens para o telemóvel de A..., nas quais lhe disse que “se não voltasse para casa que a matava” tal expressão nunca foi proferida pelo recorrente, pelo que nunca poderia ser dada como provada.

    4. O Recorrente nunca enviou mensagens SMS à ofendida, ameaçando-a de morte, tal como corroborado pela testemunha M...

      .

      8.º O depoimento prestado pela testemunha M...

      não foi devidamente valorado, tendo a testemunha negado quaisquer ameaças (21-06-2016 15:27:2800:00:01 Testemunha M...

      ).

      13:44: Advogado: Após a saída e a vivência que tiveram pós separação a sua mãe alguma vez lhe conferenciou que estava a ser pressionada, perseguida por parte de seu pai? 14:00: Testemunha: Perseguida, perseguida não, mas trocavam algumas mensagens, mas nada de especial, era para resolver as situações.

      14:05: Advogado: As mensagens eram para resolver as situações? 14:09: Testemunha: Sim.

    5. Quando questionada sobre a eventual pressão exercida pelo Recorrente: 24:10: Juiz: Estas discussões, quer um quer o outro diziam estes nomes. A senhora alguma vez sentiu que a sua mãe tivesse medo do seu pai? 24:21: Testemunha: Não 24:23: Juiz: Era uma discussão de igual para igual. Aquilo que está a dizer é que era uma discussão de igual para igual. Um descambava para os palavrões o outro ia atrás.

      24:31: Testemunha: Sim.

    6. Segundo a testemunha, que vivia à data dos factos com a Recorrida, a relação entre os pais era conturbada contudo nunca viu do pai qualquer comportamento agressivo em relação à mãe.

    7. A existir uma SMS com tal teor, deveria ter sido junta a sua transcrição aos autos, sob pena de tal prova não poder ser valorada, por força da violação do princípio do acusatório.

    8. Após ter recebido a participação criminal, impunha-se á investigação, averiguar todos os pressupostos da eventual existência de crime. A realidade é que se a acusação tivesse investigado, conforme lhe competia, ainda assim a transcrição dos SMS não estaria presente no processo, atendendo, que as ameaças nunca existiram. Nem o Ministério Público investigou, nem a ofendida no momento da queixa se predispôs a mostrar aos órgãos de polícia criminal o seu telemóvel.

    9. Se de facto tivesse existido uma SMS com aquele teor, como afirma a Recorrida e se de facto se sentisse ameaçada, obviamente que teria dado conhecimento do teor da mensagem aos órgãos de policia criminal.

    10. Simplesmente não o fez, porque como atesta a testemunha M...

      , a sua mãe nunca se sentiu ameaçada pelo Recorrente e as discussões e SMS trocados entre ambos nunca a fizeram recear pela vida.

    11. O Tribunal a quo teria sempre de dar como não provado o ponto: 3 - Após a separação, em momento não concretamente apurado, o arguido enviou algumas mensagens para o telemóvel de A..., nas quais lhe disse que “se não voltasse para casa que a matava” 16.º O Recorrente não praticou qualquer crime de ameaça, pelo que os pontos 4. e 5. deveriam ter sido dados como não provados: “4 - O arguido sabia que, com as condutas acima descritas condicionava a liberdade de A....” 5 - Agiu em tudo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.” 17.º A prova testemunhal conjugada com outros elementos probatórios, nomeadamente a acta do divórcio junta com a contestação penal mencionada em alegações, a fls…, impunham a absolvição do arguido.

    12. Verifica-se pela leitura do teor da acta do divórcio sem consentimento do outro cônjuge que a ora Recorrida, sempre exerceu pressão psicológica sobre o Recorrente, tendo inclusivamente perpetrado agressões físicas sobre este último (a prova documental permite verificar que foi o Recorrente que pretendeu sair da relação conflituosa e que em momento algum procurou exercer pressão ou condicionar “a liberdade de A...”, conforme referido no ponto 4. da matéria de facto provada. ) 19.º Por outro lado, inexistem elementos de prova documentais ou testemunhais, que permitam aferir que o remetente daquela “suposta” mensagem SMS, seria o ora Recorrente.

    13. De facto, o Recorrente não se esqueceu de que o Tribunal decide segundo as regras da experiência comum, contudo, também e em bom rigor, não nos podemos esquecer que em fase de julgamento, ao contrário da fase de inquérito e da fase facultativa da instrução, não estamos no campo meramente indiciário, devendo o Tribunal estar convicto dos factos sob o risco de condenar um inocente.

    14. No âmbito da investigação criminal, nunca foi efectuada a peritagem ao telemóvel da recorrida, nem sequer foram pedidos à operadora de telecomunicações os registos dos SMS.

    15. “os depoimentos valem conforme a razão de ciência das testemunhas; por isso depoimentos sem razão de ciência não merecem crédito e não há que levalos em conta ou escrevê-los. Os depoimentos sobre factos relevantes são sempre acompanhados da razão de ciência”.

      Gonçalves, Maia, citando Cavaleiro de Feireira, in Código de Processo Penal Anotado, 17.ª ed. 2009, p. 358.

    16. “Toda a prova tem de ser carreada tendo em vista não só o objectivo próximo do despacho final a proferir pelo MP no inquérito, mas, igualmente a própria audiência de julgamento, que aparece como sendo o momento decisivo para a contradição definitiva das teses acusatórias”, Morais, Adelaide, Maia Jurídica, Revista de Direito, Publicação Semestral, Ano V, Número 2, Julho-Dezembro 2007 p. 118.

    17. Acresce que, conforme alegado, a testemunha nunca corroborou da tese, que o Recorrente tivesse proferido a expressão que «matava a ofendida» (00:00:00 Início Gravação; 21-06-2016 15:27:28; 00:00:01 Testemunha M...

      ; 21-06-2016 15:27:29; 00:39:47 Fim Gravação; 21-06-2016 16:07:16): 25:55: Juiz: Disse que as mensagens que a sua mãe trocava com o seu pai era para tratar das coisas. Alguma vez a senhora viu uma mensagem do seu pai, que estivesse zangado com a sua mãe a dizer que a matava? A sua mãe alguma vez lhe mostrou uma mensagem (…imperceptível), a dizer “que me mata” ou “que não ficas aqui para contar a história”?. Alguma vez lhe mandou uma mensagem destas? Vê mensagens destas? 26:21: Testemunha: Vi uma vez.

      26:23: Juiz: Viu uma vez. O que é que dizia exactamente? Que a matava ou que ela não ficava para contar a história? 26:24: Testemunha: Que não ficava para contar a história.

      26:33: Juiz : Isto foi logo a seguir à separação ou foi pouco tempo depois? 26:42: Testemunha: Não sei.. foi ..

      26:43: Juiz: Foi durante aquele período em que a senhora vivia com a sua mãe, junho… Julho… 26:47: Testemunha: Sim.

      26:48: Juiz: Portanto, até Julho de 2014.

    18. Com o devido respeito, mas o Tribunal não averiguou devidamente se a testemunha leu ou não, o teor da mensagem e verificou o remetente da mesma, ou se simplesmente o teor da suposta mensagem teria sido transmitido pela mãe 26.º Não podia ser dado como provado o teor do ponto.3 da matéria de facto, porque a expressão imputada ao Recorrente pela testemunha é de “que não ficava para contar a história”.

    19. Não se trata, portanto, de uma mera crítica do Recorrente ao que ficou decidido em primeira instância, mas de um verdadeiro erro na apreciação das provas que perante a incerteza impõe a absolvição do arguido 28.º Ou seja, a prova documental e testemunhal transcrita impunham uma decisão diversa! 29.º O depoimento indirecto...

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