Acórdão nº 1329/13.3TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: I–“W ......”, “X ......” (atualmente “X ......”) e “P ......”, intentaram acção declarativa com processo ordinário, contra “I......” e “C ......, S.A.”, pedindo a sua condenação solidária a: a)-pagar à A. “P ......”, a quantia de € 528.089,00; b)-a pagar à A. “W ......”, a quantia de € 1.584,268,00; c)-a pagar à A. “X ......”, a quantia de € 528.089,00; c)-a pagar a cada uma das AA. a quantia adicional, que se vier a apurar, no caso das acções da “C ......” desvalorizarem abaixo de € 3,18 e que resultar da diferença entre a cotação à data da sentença e esse valor de € 3,18, multiplicada pelo número de acções detidas por cada uma das AA.

Alegaram, para tanto, e em síntese, que se tornaram accionistas da 2ª R., C ......, através das aquisições, cujas quantidades, preços e datas explicitam. Em 30/03/2012, a 1ª R. tornou pública a sua decisão de lançamento de uma oferta pública geral e voluntária de aquisição de acções representativas do capital social da 2ª R., nas condições constantes do “Anúncio Preliminar”, em que informou que o seu projecto para a 2ª R. passava pela integração nesta dos activos que, ela, 1ª R., detinha no Brasil e América do Sul, mas o esclarecimento dos concretos termos em que isso iria acontecer foram remetidos para o período pós-OPA. O Conselho de Administração da 2ª R. considerou em “Relatório” divulgado ao mercado em 13/04/2012, que a versão do “Prospeto” da OPA não especificava a sua estratégia para a empresa quando a viesse a controlar. Através da divulgação ao mercado pela própria Oferente, veio a saber-se que a 1ª R. estava concertada com a “V ......”, um outro accionista da 2ª R. com cerca de 21,2%. E, por força da concertação entre a 1ª R. e a “V ......”, a OPA, inicialmente apresentada como voluntária, passou a ser obrigatória pela CMVM. No “Prospeto”, que veio a ser aprovado e publicado em 29/05/2012, apresentava-se como futuro da 2ª R. a integração na mesma dos activos sul-americanos e africanos, através de duas permutas: a “C ......” trocaria activos seus e dívida por activos da “I ......”, e os activos recebidos da “I ......” seriam, por seu turno, trocados pelas acções detidas pela “V ......” na “C ......”, sendo que a “V ......” não aceitaria a OPA e conservaria as suas acções até ao momento em que as trocaria por activos e não por dinheiro. Do conteúdo do relatório do Conselho de Administração da 1ª R. de 11/5/2012, anterior à publicação do Prospeto, verifica-se que este intuiu a discrepância entre o valor dos activos que o oferente se propunha integrar na “C ......” e aqueles que pretendia dela receber, pois que, em face da inexistência de qualquer elemento informativo sobre a dívida líquida a passar da 1ª R. para a 2ª R., alertou aí para a futura necessidade de clarificação relativamente aos mecanismos de compensação que seriam usados. No entanto, apesar deste alerta, a versão final do “Prospeto” de 29/05/2012 omitiu a referência a qualquer dívida líquida a transferir da 1ª R. para a 2ª R., e a qualquer mecanismo de compensação da diferença de valores entre os activos da 1ª R e da 2ª R.. Concluída a oferta, o resultado final da mesma, após correcção efectuada em 22/06/2012, foi o de que a a 1ª R. havia adquirido na OPA 183.607.708 acções da 2ª R., tendo atingido 94,11% do capital, sendo que em 26/06/2012 foi divulgado um “Comunicado” da 1ª R. descartando a aquisição potestativa. A execução da troca de activos seguiu o que constava no Prospecto. Em 16/7/2012, a 2ª R. emitiu um “Comunicado”, através do qual informou ter recebido uma “Proposta de reorganização e permuta de activos” por parte da accionista 1ª R., nos termos da qual a mesma propunha a permuta da integralidade dos seus activos e operações de cimento, betão e agregados na América do Sul, nomeadamente Brasil, Argentina e Paraguai, e em Angola, por troca com activos detidos pela “C ......” na China, Espanha, Índia, Marrocos, Tunísia, Turquia e Perú, conjuntamente com uma parcela equivalente a 21,21% da dívida líquida consolidada da 2ª R., nenhuma referência fazendo neste comunicado à dívida. A aprovação formal do Conselho de Administração da 2ª R. do processo de troca de activos ocorreu em 20/12/2012. Em “Comunicado” ao mercado, efectuado nessa mesma data, o Conselho de Administração da C ...... deu a conhecer terem sido atribuídos aos activos da 2ª R. a permutar o valor de 817,1 milhões de euros e aos activos da 1ª R. o valor de 1.199,0 milhões de euros. No dia 17/01/2013, a 2ª R. divulgou novo “Comunicado”, por determinação da CMVM, informando, pela 1ª vez, que existia uma dívida de mais de 2 milhões de euros cuja assunção pela 2ª R. estava implicada na designada 1ª permuta de activos. Ora, esta informação relativa à dívida, e tão avultada, assumida pela 2ª R., constituiu um dado completamente novo e inesperado para o mercado, nomeadamente para as AA., deitando por terra os pressupostos em que estas tinham tomado a sua decisão de investimento na 2ª R., pois, se tivesse sido claro para elas que o perfil de risco da 2ª R. seria alterado de forma tão agressiva e incompreensível, não teriam adquirido as acções que nela actualmente detêm, nem teriam permanecido como investidores. Por força da assunção de dívida no âmbito da troca de activos, a 2ª R. passou de 1.623 milhões de dívida líquida em 2011, para 3.183 milhões. A omissão no “Prospecto” da passagem de uma enorme dívida líquida para a 2ª R., constitui uma violação do dever de informação a que estavam obrigados os responsáveis pelo “Prospecto”. A protecção da confiança gerada por um prospecto de OPA não abrange apenas aqueles que venderam as acções, mas sim todos os que tomaram uma decisão de investimento, mesmo após a OPA, baseados na informação constante do prospecto sobre o futuro da sociedade. Por sua vez, a 2ª R., ao não transmitir em nenhum dos seus comunicados divulgados que iria assumir a dívida associada aos activos da 1ª R. em consequência da permuta, também violou os deveres de informação impostos pelos art.ºs 7º e 248º do Código dos Valores Mobiliários (CVM). Caso as AA. tivessem sido alertadas para o nível de alavancagem que a 2ª R. iria sofrer após a troca de activos, quer no “Prospeto” da OPA, quer no “Comunicado” de 16/07/2012 da 2ª R., as AA. ter-se-iam abstido de fazer o seu investimento, pois o nível de risco que esse investimento comportava seria intolerável, face às potenciais, mas assim, incertas, vantagens de curto prazo. A responsabilidade das RR. perante as AA. abrangerá o ressarcimento, quer dos lucros cessantes de outras operações que as AA. teriam realizado se tivessem conhecimento da alavancagem da 2ª R. – concretamente teriam comprado o mesmo valor de acções de outra empresa ligada ao sector de F......, a V ...... - quer os danos emergentes resultantes da exposição à acção “C ......”, que tem desvalorizado sucessivamente, de modo que o valor correspondente aos seus danos definitivos apenas se apurará aquando da decisão final do processo, subtraindo ao preço médio de aquisição o valor da cotação no dia da decisão, multiplicando esse valor pelo número de acções detidas e somando-lhe os lucros cessantes.

As RR. contestaram, alegando em síntese, que as AA. não foram destinatárias da oferta, já que nem sequer detinham acções da 2ª R. que pudessem vender no quadro da OPA, pelo que não podem invocar o regime da responsabilidade pelo prospecto. Mais referem que as AA. não tomaram nenhuma decisão, seja de investimento, seja de desinvestimento, com base na informação constante do Prospecto, tendo agido numa base puramente subjectiva e pessoal acerca da probabilidade de vir a ter lugar uma aquisição ou alienação potestativas, ou mesmo uma saída da 2ª R. da bolsa. Após a publicação do comunicado de 17/01/2013, as AA. não só não venderam as acções da 2ª R. que detinham em carteira, sendo que podiam tê-lo feito sem perder dinheiro e até encaixando uma mais valia, como ainda reforçaram a sua posição, adquirindo em Março de 2013 mais 22.973 acções da 2ª R.. Assim sendo, a informação sobre a dívida que a 2ª R. passou a ter com a permuta de activos era, afinal, irrelevante para a sua decisão de investimento. Não existe nexo de causalidade entre os invocados lucros cessantes e o evento gerador de alegada responsabilidade indemnizatória. É manifesto que as AA. jamais ponderaram o investimento em acções da “H ......” como alternativa à compra das acções da 2ª R., dado tratarem-se de empresas em situações completamente diferentes. No cálculo que as AA. fazem dos alegados lucros cessantes, partem de pressupostos não verdadeiros, e nem sequer entram em linha de conta com os ganhos que obtiveram com a compra e venda de acções da 2ª R. no período entre 26/06 e 17/07/2012, ou com os dividendos que entretanto receberam e que irão receber.

As AA. replicaram.

Contudo, por despacho proferido a fls. 1324, tal réplica não foi considerada processualmente válida.

Proferiu-se despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as excepções dilatórias da incompetência internacional e da incompetência territorial, se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as RR. do pedido.

II–Inconformadas, apelaram as AA., que concluíram as respectivas alegações nos seguintes termos: (…) As RR., apeladas, apresentaram contra alegações, e nelas, invocando o disposto no nº 2 do art 636º CPC, requereram a ampliação da matéria de facto, fazendo-o nos seguintes termos: (…) III–O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1)-A “C ......, S.A” tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercícios de actividades económicas.

2)-As acções representativas da totalidade do capital social da “C ......, S.A” estão admitidas à negociação, no mercado regulamentado Euronext, gerido pela “Euronext Lisbon-Sociedade...

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