Acórdão nº 433/15.8PBSNT.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFILIPA COSTA LOUREN
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I-RELATÓRIO No processo nº 433/15.8PBSNT da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra-Inst. Local-Secção criminal-J3, o arguido G..., devidamente identificado nos autos, foi condenado pela prática, em co autoria material de um crime de roubo na fora consumada, p. p. pelo artº 210º nº1 do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão e pela pratica em co autoria material, de um crime de roubo na forma tentada, p.p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 210º nº 1, todos do Código Penal, na pena especialmente atenuada de 5 meses de prisão, e em cúmulo jurídico nos termos do artº 77º nº 1 do C.P. foi condenado na pena única de 20 meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de 20 meses com regime de prova, assente em plano de reinserção social a traçar pela DGRS, através de sentença proferida em 30 de Junho de 2016 ( vide folhas 138 a 158, por factos alegadamente praticados em 13 de Março de 2015.

Inconformado com tal decisão, interpôs o arguido, supra identificado, o presente recurso em 19 de Setembro de 2016 (extraindo-se das suas motivações as seguintes conclusões): CONCLUSÕES: 01) Nos termos e fundamentos da douta sentença recorrida, o arguido G...

foi condenado pela prática de dois crimes de roubo, um na forma consumada e outro na forma tentada, na pena única cumulada de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, e sujeita a regime de prova.

02) O ora arguido não aceita, nem se conforma com esta condenação, porque é a sua honra e inocência que estão em causa, o que sempre reclamou, pois não praticou tais crimes.

03) Toda a douta acusação, desde a primeira hora, é sustentada na “certeza” da vítima V...

, que nunca demonstrou ter dúvidas no reconhecimento do arguido G...

como sendo um dos co-autores dos ilícitos em causa.

04) Trata-se de uma certeza que foi confirmada em audiência de julgamento, mas que oferece muitas e sérias dúvidas, pelo que deveria ter merecido outra ponderação no momento da decisão, dada a manifesta falta de elementos associados que permitam dar-lhe efectivo crédito.

05) Resultou provado que os crimes em causa foram praticados por três indivíduos, mas só o arguido G...

é que foi identificado como sendo um deles.

06) Essa identificação, segundo o relato das vítimas, foi obtida através da foto de capa que o ora arguido tinha postada na sua página pessoal do Facebook, conforme consta a fls.18 dos autos.

07) No seu depoimento na audiência de julgamento, o ofendido V...

foi confrontado com tal documento, e confirmou que se tratava da foto do assaltante que ele tinha identificado.

08) Nas diligências de prova por reconhecimento pessoal, que ocorreram cerca de um mês e meio depois dos factos em causa, a testemunha V...

identificou o arguido G...

como sendo um dos assaltantes, mas todavia, o ofendido A...

não o reconheceu, embora fosse “o indivíduo mais parecido com o autor do roubo”.

09) As provas e as circunstâncias que levaram à identificação do arguido G...

apontam para uma séria e fundada dúvida sobre a alegada participação deste em tais crimes.

10) Não é credível que alguém que é assaltado por três desconhecidos, que ele nunca viu antes, que não sabe os seus nomes, nem onde moram, mesmo admitindo (sem transigir) que viu bem a cara de um deles, vá a correr para o Facebook, e sem mais qualquer elemento, logo ali descubra a foto do criminoso.

11) Todo o mundo sabe que esta rede social não permite buscas de utilizadores pela descrição dos seus traços fisionómicos, mas inexplicavelmente o Tribunal “a quo” nunca questionou esta situação.

12) Interrogada pela defesa, esta testemunha não soube explicar os elementos de que dispunha, nem os passos que deu para chegar à identificação do arguido G...

, limitando-se a dizer que foi na página do Facebook de um seu amigo que encontrou a foto em causa.

13) Todavia, provou-se que “ato contínuo, um dos indivíduos não identificados, agarrou o menor V..., e exigiu que o mesmo lhe entregasse todos os bens que tivesse consigo”, e “como o menor (V...

) colocou as mãos dentro dos bolsos do casaco, resistindo à revista por parte do indivíduo, conseguiu impedir que lhe fosse retirado qualquer objecto”.

14) E tudo isto ocorreu “ao mesmo tempo” que os outros dois indivíduos atacavam e agarravam a outra vítima, ou seja, o seu amigo A....

15) No seu depoimento em audiência de julgamento referiu a testemunha V...

que «nada viu do que se estava a passar com o seu amigo» (sic), mas reparando no alcance desta sua afirmação, logo emendou para dizer que afinal viu bem a cara de um dos indivíduos, que era o que estava a agarrar o A...

pelo pescoço, e que ele depois identificou no Facebook como sendo o ora arguido.

16) As regras da experiência comum o que nos dizem é que nestes momentos as vítimas se assustam, quase sempre entram em pânico, ficam “cegas”, e mal sabem descrever o que lhes aconteceu.

17) E assim, no caso concreto, o ofendido V..., que estava (naturalmente) preocupado com os movimentos do seu atacante, de quem tentava libertar-se, é muito pouco provável que tivesse tido tempo de concentração: para ver bem a cara de um dos outros assaltantes; para fixar essa imagem; para reparar na sua idade (certa) e altura; para verificar que usava phones na cabeça; e ainda para olhar e fixar que o mesmo, naquele momento, calçava uns ténis da marca Nike Air Max, de cores preto e vermelho.

18) São muitos e demasiados pormenores para quem disse que «nada viu», e além disso, quando foi questionado para descrever o seu assaltante, só soube dizer que era um indivíduo alto, magro, e de raça africana, o que é nada comparativamente.

19) Acresce ainda, que nunca soube explicar em que momento reparou na marca e nas cores dos ténis que o referido assaltante usava na altura, pelo que continua sem se saber se foi quando lhe viu bem a cara, se só depois, quando o mesmo já se afastava do local, ou se apenas, quando foi ao Facebook e viu lá as fotos que o ora arguido ali tinha (e tem) postadas.

20) Não se questiona, por ser objectivamente possível, que o ofendido V...

tenha visto a cara de um dos assaltantes, e que na altura tenha fixado uma imagem que, para ele, mais tarde, mas em momento próximo, veio a corresponder ao indivíduo da foto que consta a fls. 18 dos autos.

21) Os equívocos são naturais e próprios em qualquer pessoa, mas quando se trata de condenar alguém que sempre se disse inocente, deve dar-se redobrada atenção a todos os elementos e circunstâncias que permitam formar uma certeza, mesmo que não absoluta.

22) É verdade que a testemunha V...

nunca demonstrou ter dúvidas na identificação do arguido G...

, mas esta sua certeza peca pela manifesta falta de coerência, que antes já se evidenciou, e ainda porque existem outros elementos que a descredibilizam.

23) Assim, e olhando apenas para a foto que consta a fls.18 dos autos, não é possível afirmar que o ora arguido calçava ténis da marca Nike Air Max, de cores preta e vermelha, sendo que tal facto só é visível numa outra foto que este também tinha publicada na sua página pessoal do Facebook, documento que agora se junta nos termos e ao abrigo do disposto no art. 651º, nº.1, parte final, do C.P.C., e cuja admissão se requer.

24) Já se referiu que os ofendidos não souberam concretizar o momento em que viram que o arguido calçava os referidos ténis, pelo que fica a séria dúvida se não foi apenas da observação desta segunda foto que eles retiraram esse facto.

25) Atentos os depoimentos e as circunstâncias do caso, revela-se como muito provável que foi do Facebook que as testemunhas de acusação retiraram tantos pormenores relativos ao ora arguido, dado que, no momento da ocorrência, o que resulta é que não conseguiram ver muita coisa, em particular no que respeita aos outros dois assaltantes.

26) E daí que se torne essencial e absolutamente necessário reapreciar tal facto, o que impõe que se volte a ouvir o ofendido V...

para prestar novo depoimento com vista a esclarecer esta situação, e para ser confrontado com o novo documento, bem como com o próprio arguido.

27) Por outro lado, no dia da primeira audiência de julgamento, na sala de testemunhas, a testemunha de defesa abonatória C… ouviu o ofendido V...

confidenciar ao seu amigo A...

que ele, quando entrou (atrasado) no edifício, viu à porta do Tribunal o arguido G...

agarrado à sua mãe.

28) Acontece que o arguido não esteve nas imediações de tal edifício nesse dia, e muito menos poderia ter sido visto agarrado à sua Mãe, uma vez que esta faleceu há já alguns anos.

29) Assim, em face da “certeza” que testemunhou o ofendido V..., e considerando o que está em causa, em particular a inocência que o arguido reclama, manifesto é que terá agora de se avaliar este novo facto, ouvindo-se os intervenientes.

30) Perante a bem fundamentada douta convicção do Tribunal “a quo”, que é um dos elementos que sempre deverá ter-se em conta, pode agora argumentar-se que tudo isto são meras desculpas do arguido G...

para tentar libertar-se desta situação, mas a verdade é que há fortes indícios de que o ofendido V...

não está muito seguro da sua “certeza”, e que este se equivocou, o que é facto (ainda não provado), quando fez a errada identificação daquele como um dos autores dos crimes em causa.

31) Esta tese sai reforçada, quando se verifica que, no dia 18.03.2015, na fase de Inquérito, e no seu primeiro interrogatório, o ofendido A… declarou “que relativamente ao suspeito G...

… se recorda do mesmo ter estudado na mesma escola que (ele), há 2/3 anos, mas contudo nunca teve qualquer relação de amizade com o mesmo”, e um mês depois, na data do auto de reconhecimento pessoal, não o reconheceu como um dos autores do roubo de que foi vítima.

32) Ora, se este ofendido já conhecia o ora arguido, por terem sido colegas na mesma escola, e depois não o consegue identificar como sendo um dos co-autores do crime, está em crer-se que não pode merecer tanto crédito a certeza do outro...

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