Acórdão nº 9065/15.0T8LSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução14 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.

Relatório: U-SA, intentou a presente acção comum contra A-Lda, e B, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe 14.710,27€ de capital, 16,55€ de imposto selo e 2304,77€ de juros moratórios à taxa contratual de 27% ao ano vencidos até 26/10/2014, mais 1643,12€ de juros sobre o capital desde 26/10/2014 até 26/03/2015 e mais os vincendos desde então até efectivo e integral pagamento, sempre àquela taxa.

Para tanto, alega, em síntese, que em 10/02/2002 recebeu um pedido de adesão subscrito pelos réus por via do qual lhe solicitaram a emissão de crédito de empresa U, declarando terem tomado conhecimento e aceite as condições gerais, direitos e deveres do titular. A autora emitiu, em nome destes, cartão de crédito empresa U. Mediante a utilização do cartão de crédito, os réus adquiriram, em diversos estabelecimentos comerciais por si escolhidos, bens e/ou serviços e usufruíram de serviços/créditos no valor total de 17.031,59€. Os réus foram efectuando pagamentos por multibanco para a entidade e referência que consta em rodapé nos extractos que recebiam mensalmente, sendo que o último pagamento se verificou em 21/07/2014, no valor de 252€. Desde cedo os réus incumpriram o contratado ao terem deixado de proceder ao pagamento à autora das quantias mínimas a que, em cada mês, estavam obrigados, apesar interpelados para o efeito, por via da recepção do extracto mensalmente enviado da conta-2cartão, o que motivou o cancelamento do cartão por parte da autora, deixando os réus de o poder utilizar.

Os réus contestaram impugnando, alegando, em suma, que “o pedido de adesão” foi solicitado pelo réu, em nome e em representação da ré sociedade, sendo apenas um mero utilizador do cartão, que não usou em nome próprio. Os réus não tomaram conhecimento e não lhes foram explicadas as condições gerais, direitos e deveres do titular, não se mostrando assinados os documentos correspondentes. Assim, não contendo a assinatura dos réus, as cláusulas em apreço consideram-se excluídas do contrato celebrado, por força do disposto no artigo 8, als. a) e d), do DL 446/85. Concluem pela improcedência da acção.

Tendo o tribunal recorrido entendido que o que antecede corporizava uma excepção de ilegitimidade alegada pelo réu, a autora foi convidada a pronunciar-se sobre ela, tendo vindo impugnar que os factos em causa conduzissem à ilegitimidade do réu.

Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando a ré a pagar à autora 14.710,27€, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal comercial desde a data de citação e vincendos, até efectivo e integral pagamento, e absolvendo o réu do pedido.

A autora veio recorrer desta sentença – para que ela fosse revogada e substituída por outra na parte em que absolveu da taxa de juro contratada e em que absolveu o réu do pedido -, terminando as suas alegações com conclusões que respeitam à pretensão da alteração da matéria de facto quanto a duas afirmações de facto dadas como não provadas e com outras em que pretende demonstrar que devia ter sido aceite que os réus tinham conhecimento das cláusulas contratuais do contrato de adesão e que, por força delas, a taxa de juros não era a legal e o réu também era responsável pelo pagamento dos valores pedidos.

O réu – apenas o réu, não também a ré – contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

* Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada de modo a incluir nos factos provados os dois referidos pela autora no recurso; e se, em consequência da alteração da matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito quanto à taxa de juros e quanto à absolvição do réu.

* Foram dados como provados os seguintes factos (o ponto 2 será acrescentado com partes entre parenteses rectos e mais à frente será aditado o facto 2-A, tudo por força do que será decidido neste acórdão): 1.-A autora é uma sociedade financeira que se dedica, além do mais, à emissão e comercialização de cartões de crédito, nos sistemas Visa, MasterCard e outros.

  1. -Em 10/02/2002 a autora recepcionou o documento cujo original se encontra a fl. 146 e cujo teor se dá por reproduzido, denominado “Proposta de Adesão Empresa (Confidencial)”, para emissão de “U”, com “sugestão de limite de utilização € 3.750”. Do mesmo, [ainda no rosto,] sob o título “Dados da Empresa”, consta a identificação da sociedade ré; sob o título “Dados do Titular”, a identificação do réu, com a função “gerente”; na menção “nome a gravar: B”, mais constando, no espaço “carimbo e assinatura(s) que obrigam a empresa”, duas assinaturas [uma delas a do réu] e o carimbo “A-Lda, A Gerência” e no espaço “assinatura do titular do cartão”, a assinatura do réu (que não foi impugnada) [consta ainda: nos quadrados destinados ao envio da correspondência – onde se diz que ‘a correspondência não assinalada será enviada para a morada da empresa’ -, nada foi assinalado] 2-A [transcrito mais à frente] 3.-No verso do documento referido em 2, sob o título “Cartão de Crédito U – Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes”, constam diversas cláusulas, e, a final, um espaço destinado a “Assinaturas que obrigam a Empresa” e “Assinatura do Titular”, que se encontram em branco, conforme documento de fl. 146/verso dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

  2. -O pedido de adesão foi solicitado pelo réu, em nome e em representação da ré (admitido por acordo).

  3. -A autora emitiu cartão de crédito empresa U, enviado aos réus, tendo também enviado o código pessoal secreto (PIN).

  4. -O cartão de crédito emitido consistia num meio de pagamento pessoal e intransmissível, permitindo ao utilizador adquirir bens e serviços nos estabelecimentos comerciais aderentes ao sistema da autora, assim como, efectuar operações de levantamento de dinheiro (cash - advance).

  5. -A autora enviou à ré os extractos de conta que constam de fls. 17 a 80 dos autos (documentos 3 a 40 juntos com a petição inicial), cujo teor se dá por reproduzido.

  6. -Foram efectuados pagamentos por multibanco para a entidade e referência que consta em rodapé nos extractos mensais, o último dos quais em 21/07/2014, no valor de 252€, conforme documento de fls. 77 dos autos (documento n.º 37).

  7. -Em 26/10/2014, conforme extracto bancário de fls. 80 (documento n.º 40), no que concerne ao cartão de crédito em apreço, era devido o pagamento à autora, até ao dia 15/11/2014 a quantia de capital de 14.710,27€, com acréscimo do montante de “juros anteriores” de 2304,77€ e 16,55€ a título de imposto selo, perfazendo um total de 17.031,59€.

* Da impugnação da decisão da matéria de facto.

Da quase meia centena de conclusões do recurso da autora, é possível descortinar, na amálgama de matéria de facto e de matéria de direito dessas conclusões, tendo em conta o que a autora diz sobre aquilo que deve ficar provado, sem aliás respeitar a exigência da especificação contida nos arts. 639/1 e 640/1-a do CPC, que apenas dois pontos de factos são postos em causa, como decorre das conclusões 4, 18, 25 e 33, por um lado, e das conclusões 34 e 39 por outro. Note-se que a referência que a autora vai fazendo às CCG estão a coberto da decisão da matéria de facto, pois que, no ponto 3, o verso de fl. 146, de onde elas constam, foi dado por reproduzido.

Ou seja, a decisão recorrida considerou como não provadas as seguintes afirmações de facto, que a autora quer que sejam dadas como provadas: Os réus declararam ter tomado conhecimento e aceite as condições gerais, direitos e deveres do titular do cartão de crédito U.

e Autora e réus convencionaram que, no caso de não ser efectuado o pagamento integral do saldo indicado em cada extracto, sobre o valor do capital remanescente em dívida seria aplicada uma taxa de juro mensal, que poderia ser revista pela autora, sendo tais alterações comunicadas aos réus por duas formas - através de mensagem inscrita no extracto de conta e através das condições gerais, direitos e deveres do titular, que lhe eram remetidas sempre que era emitido novo cartão (plástico) e sempre que tais condições sofriam alterações, cifrando-se tal taxa actualmente em 27%.

Para fundamentar esta decisão o tribunal recorrido disse, na parte que interessa, o seguinte: […] A prova testemunhal e por declarações de parte do réu não se mostrou suficiente nem convincente para considerar provado qualquer outro facto.

[…] O documento n.º 1 junto pela autora, encontrando-se o original a fl. 146, encontra-se assinado apenas na parte da frente, mas não no verso, onde consta “Cartão de Crédito U – Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes”.

Os factos não provados resultam de não ter sido produzida qualquer prova quanto aos mesmos ou de a prova não ter sido suficiente ou convincente para concluir pela sua verificação, nos termos que se expuseram.

Refira-se, quanto ao documento n.º 2, junto pela autora a fls. 13 a 16, que esta se limitou a proceder à sua junção e a remeter para o mesmo. Ora, não estando o documento assinado pelos réus, não tendo a autora alegado, nem tendo resultado demonstrado que os réus tivessem sequer deste tomado conhecimento, o mesmo não assume, nem pode assumir, relevância probatória.

A autora, pelo contrário, entende que tais afirmações de facto deviam ser dadas como provadas pelo seguinte: Quanto à primeira [ os réus declararam ter tomado conhecimento e aceite as condições gerais, direitos e deveres do titular do cartão de crédito U] a autora, na parte útil da sua argumentação, esquecendo o excesso da mesma, sem interesse, entende que a afirmação está provada porque: no rosto da fl. 146, documento que não teria sido impugnado pelos réus, que é a proposta de adesão, constam duas assinaturas feitas pelo próprio punho do réu, sendo que uma das assinaturas consta na linha por cima de “Carimbo e assinatura(s) que obriga a empresa” e tem aposto o carimbo da ré empresa (intervindo, assim, na qualidade de gerente e...

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