Acórdão nº 13681-16.4T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | ANABELA CALAFATE |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–Relatório: J... instaurou acção declarativa contra B.., Lda e Companhia de Seguros ..., pedindo: «(…) deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, por via dela, ser a 2ª R. condenada no pagamento ao A. da quantia de € 880.000 (…), em juros de mora sobre as importâncias em dívida, calculados à taxa legal e devidos desde a citação até integral pagamento.».
Alegou, em síntese: –foi interveniente num acidente de viação em 20/12/2006 quando conduzia um veículo automóvel propriedade da 1ª R, no interesse e sob orientação efectiva desta; –o acidente deveu-se a culpa exclusiva da 1ª R. por causa do deficiente sistema de travagem do veículo, que impossibilitou a sua paragem, agravado pelo excesso de carga; –desse acidente resultaram para o A. danos patrimoniais e não patrimoniais; –foi atribuída ao A. uma incapacidade permanente parcial de 74,5% desde a data da alta por Junta Médica do Tribunal do Trabalho; –as RR são solidariamente responsáveis pelo ressarcimento dos danos, visto que por contrato de seguro, a 1ª R. transferiu para a 2ª R. a responsabilidade pelo sinistro; –em 12/02/2007 o A. participou o acidente ao Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra a 1ª R., dando origem a processo no qual manifestou a intenção de deduzir indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por causa do acidente, tendo sido a 1ª R. notificada para a acção em 21/02/2007 e 12/03/2007 e proferida sentença que transitou em julgado em 22/09/2014; –a prescrição de 5 anos interrompeu-se pela citação nesse processo nos termos do art. 323º nº 1 do Código Civil e só começou a correr novo prazo prescricional de 5 anos em 22/09/2014; –além disso, correu também no DIAP processo no âmbito do qual a 2ª R. juntou documentação.
As RR contestaram, tendo invocado, além do mais, a excepção de prescrição do alegado direito do A.
Convidado o A. a pronunciar-se sobre a matéria de excepção, disse, em resumo: –a prescrição interrompeu-se com a notificação da 1ª R. no processo que correu termos no Tribunal do Trabalho e só em 23/09/2014 se iniciou o novo prazo prescricional; –o prazo prescricional do processo criminal é de 10 anos pois, como consta no despacho de arquivamento, na queixa estava em causa a imputação da prática de um crime de ofensa à integridade física grave p.p. pelos art. 144º/146º do CP; –além disso, à 2ª R. aplica-se o regime prescricional da responsabilidade contratual; –portanto, a acção é tempestiva.
Foi proferido saneador-sentença em que se julgou procedente a excepção de prescrição e absolveu as RR do pedido.
Inconformado, apelou o A., terminando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª–O Recorrente defende que a prescrição da acção de responsabilidade civil por factos ilícitos se interrompeu com a notificação da 1ª R. para a acção de acidente de trabalho porque nela e nesse Processo de acidente de trabalho manifestou a intenção de deduzir indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por causa do acidente – intenção de que a R. tomou conhecimento pela notificação.
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–E não pela mera pendência desse Processo ou porque ele “constitui questão prejudicial relativamente aos autos de Processo Cível” (como se escreve na sentença na pág. 15).
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–Assim, o acto interruptivo da prescrição foi a notificação da 1ª R. no Proc. nº 681/07.4TTLSB, pela qual ela tomou conhecimento da intenção do Recorrente exercer o direito de indemnização por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do acidente.
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–Em 12 de Fevereiro de 2007 (menos de dois meses após o acidente) o Recorrente participou o acidente ao Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, o que deu origem ao Proc. 681/07.4TTLSB, 4º Juízo/1ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa.
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–Na Participação e nesse Processo o Recorrente manifestou a intenção de deduzir indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por causa do acidente.
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–A 1ª R. foi notificada para essa acção em 21 de Fevereiro de 2007 e 12 de Março de 2007, teve a primeira intervenção activa no Processo em 28 de Março de 2007, a sentença foi proferida em 30 de Julho de 2013 e transitou em julgado em 22 de Setembro de 2014.
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–Todos esses factos estão provados nos autos, com os próprios documentos daquele outro Processo que o A. juntou bem como pela aceitação das R.R., que não os impugnaram.
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–Dispõe o nº 1 do art. 323º do Código Civil (CC) que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
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–Por outro lado, nos termos do nº 1 do art. 327º também do CC, o novo prazo de prescrição apenas começa a correr após o trânsito em julgado naquele Processo 681/07.4TTLSB.
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–Pelo que, tendo o trânsito em julgado ocorrido em 22 de Setembro de 2014, iniciou-se o novo prazo prescricional em 23 de Setembro de 2014 – é, a nosso ver, essa a consequência directa da correcta aplicação da lei aos factos.
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–Assim, tendo a acção sido interposta em 27 de Maio de 2016, ela é tempestiva por, contrariamente ao decidido, não ter ocorrido a prescrição por força da interrupção operada em Fevereiro ou Março de 2007 e início em 23 de Setembro de 2014 de novo prazo prescricional.
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–O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Outubro de 2009, em que a sentença recorrida se apoia e transcreve um excerto, tem a sua relevância não no âmbito em que é chamado à colação mas em referência a uma vertente que a sentença recorrida não analisou nem decidiu, qual seja a suficiência da notificação do exercício do direito a exercer pelo Recorrente.
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–Sobre tal aspecto, esse douto Acórdão invocado pela sentença recorrida analisa uma situação em que, como no nosso caso, teve lugar um acidente simultaneamente de trabalho e de viação, os aí A.A. por NJA deram a conhecer ao R. a sua intenção de exercício do direito à efectivação de responsabilidade civil emergente desse acidente.
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–Como aí, também no nosso caso: 1) estamos perante um acidente simultaneamente de trabalho e de viação; 2) no prazo de prescrição normal de 3 anos foi feita a Participação e correu termos o processo de acidente de trabalho; 3) na Participação ao Ministério Público junto do tribunal do Trabalho (ali, por meio de NJA) o A. expressou a intenção de exercício do direito à indemnização pela responsabilidade civil emergente desse acidente; 4) a 1ª R. foi notificada dessa intenção e teve directa intervenção no processo de acidente de trabalho; 5) confrontando o conteúdo da Participação ao Ministério Pública com os factos da P.I. verifica-se que o A. refere nesta peça processual o dia, hora e local do acidente, e nela descreve também como o acidente ocorreu, sendo certo que a respectiva acção foi intentada no Tribunal Judicial.
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–Esse Acórdão da Relação de Lisboa, em processo com muita similaridade com o presente, corrobora na íntegra a tese do Recorrente e, com os fundamentos transcritos na Parte expositiva destas Alegações, decidiu que houve lugar à interrupção da prescrição.
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–Ainda que, também como no caso daquele Acórdão, dúvidas se levantassem relativamente ao teor da notificação através da Participação ao Ministério Público, igualmente elas estão resolvidas pelo Acórdão quando escreve: “É certo que os mesmos referem que a acção judicial seria destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho e...a presente acção tem por base um pedido fundado na responsabilidade civil, tendo por base o acidente de viação. Porém, em nosso entender tal não afasta os efeitos da notificação judicial avulsa, porquanto deram a conhecer, na mesma à R., de forma objectiva os factos onde iam assentar a sua pretensão”.
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–Não nos parece – aliás, tal não é sequer alegado por qualquer das R.R. – que as dúvidas ali levantadas sobre o teor da NJA se coloquem no nosso Processo face ao texto da Participação do acidente de trabalho. Mas, ainda que tal sucedesse, a solução alcançada pelo douto Acórdão da Relação de Lisboa resolve-as favoravelmente à tese do aqui Recorrente e, mutatis mutandis, aquele entendimento e respectivos considerandos são aplicáveis ao caso dos autos.
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–Tal como é jurisprudência consagrada dos nossos tribunais superiores, indicando-se e transcrevendo parte dos seguintes arestos: 18ª.A–Acórdão do STJ de 31 de Março de 2004. Proc. 04B1056, in www.djsi.pt “Mas, numa fase adiantada dessa acção, as recorrentes foram efectivamente citadas para a mesma, levando o tribunal ao seu conhecimento a intenção dos recorridos de fazerem valer contra elas o seu direito.
O que releva nesta sede é a circunstância de, por via judicial, em acto de citação ou de notificação, ser levado ao conhecimento do obrigado que o titular do direito pretende fazer valer no seu confronto, independentemente de a acção haver sido inicialmente intentada contra pessoas diversas”. [isto num caso duma acção intentada contra um consórcio e de absolvição deste da instância por falta de personalidade judiciária].
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B–Acórdão do STJ de 9 de Dezembro de 2004. Proc. 04B3332, in www.djsi.pt “Com a citação em causa os réus ficaram a saber que os autores pretendiam exercer um certo direito que visava a protecção de um seu crédito, mas directamente nada ficaram a saber quanto à intenção de exercer um outro direito que igualmente tinha por objecto a protecção do mesmo crédito, agora pela via reparatória.
No entanto, tomaram conhecimento da intenção dos autores de reagir pela via judicial aos aludidos actos de alienação, o que não pode deixar de incluir todos os meios jurídicos que visem a defesa do seu crédito, nomeadamente, a reparação dos respectivos danos. Logo, indirectamente, os réus tomaram conhecimento da vontade dos autores de exercer o direito agora em questão.
E a expressão indirecta...
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