Acórdão nº 18611/01.5TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEI
Data da Resolução19 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: Fernando J. W. da F.

veio propor, em 12.7.2001, contra Y. do B.-Cooperativa de Habitação e Turismo da Z., CRL, ação declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as “comissões em dívida” com juros acrescidos, vencidos e vincendos até efetivo pagamento, atribuindo à ação o valor de Esc. 36.169.213$50. Alega, para tanto e em síntese, que tendo sido um dos fundadores da Cooperativa Ré e eleito sucessivamente como membro da sua direção, passou a dedicar-se em exclusivo à mesma a partir de 1990, chefiando os serviços administrativos. Até ao final de Abril de 2001, o A. agiu enquanto membro da direção e trabalhador da Ré, promovendo a urbanização e venda das moradias em construção, para o que estava estipulado um esquema de incentivos e comissões. Esta política de comercialização da direção da Ré encontrava-se ratificada em assembleia geral, mediante a aprovação de contas e relatórios. A mediação da venda das moradias foi atribuída ao A. através da sociedade INTERFIL, Lda, de que o mesmo era sócio, com o objetivo de imputar a uma entidade externa o recebimento de comissões ou prémios de venda. Foi o A. quem, a par de outros cooperadores ou membros dos órgãos da Ré que prestavam o mesmo serviço, realizou a generalidade das vendas das moradias de cada um dos projetos de urbanização construídos pela Ré, acumulando até Julho de 2000 comissões no montante global de Esc. 83.662.757$00 pela venda de 207 moradias. No entanto, apenas recebeu o valor de Esc. 55.060.214$50, tendo a receber a diferença de Esc. 28.602.542$50 acrescida de juros. Considerando, em todo o caso, que o A. tem também de pagar ainda à Ré as quantias de Esc. 2.658.551$00 e de Esc. 6.991.766$00 pela compra das moradias nºs 76 e 23, respetivamente, deverá operar-se a compensação dos créditos.

Contestou a Ré, impugnando, no essencial, a factualidade alegada. Sustenta, além do mais, que o A. foi diretor da Ré e que escondeu dos membros da direção que recebia pessoalmente comissões o que, de resto, lhe estava vedado por lei, surgindo tais montantes das comissões na contabilidade da Cooperativa como “trabalhos especializados”. Diz que foi a Ré quem promoveu e contratou a venda das moradias, colocando no local um “stand” para o efeito com um vendedor à disposição dos clientes, e gastando dezenas de milhares de contos em publicidade. O A., como diretor, apenas supervisionava e outorgava os contratos de compra e venda. Acresce que, ainda que tivesse direito a receber quaisquer comissões, o A. cobrou quantias superiores às estipuladas pela Ré a esse título num excesso correspondente a Esc. 7.955.368$00.

Conclui pela improcedência da causa e pede, em reconvenção, a condenação do A. a restituir à Ré todas as quantias indevidamente recebidas por aquele a título de comissão no montante de Esc. 55.060.214$50, acrescido de juros vencidos e vincendos, ou, caso se considere que o A., apesar de diretor da Ré, tinha direito ao recebimento de tais comissões, a sua condenação a devolver as percentagens recebidas a esse título que abusivamente acrescentou às definidas pela Cooperativa, no valor de Esc. 7.955.368$00, acrescido de juros, vencidos e vincendos. Pede, ainda, em qualquer dos casos, a condenação do A. a pagar à Ré a quantia de Esc. 8.109.963$00, referente à dívida por aquele confessada, acrescida dos juros de mora vincendos.

Em réplica, o A. sustenta a sua legitimidade na causa e impugna, em súmula, a matéria da reconvenção, desenvolvendo a alegação constante da petição inicial. Conclui pela improcedência do pedido reconvencional e pela procedência da ação.

A Ré apresentou tréplica, a fls. 288 e ss..

Convocada audiência preliminar, foi no início da mesma proferido despacho que mandou desentranhar a tréplica, por inadmissível (cfr. fls. 352 e ss.).

No mesmo ato o A. arguiu a prescrição dos créditos, a título de capital e de juros, reclamados em reconvenção, tendo sido concedido à Ré um prazo de 10 dias para se pronunciar sobre tal requerimento.

Respondeu por escrito a Ré/reconvinte, a fls. 356 e ss., afirmando a extemporaneidade da invocação da exceção de prescrição e, em qualquer caso, a improcedência da mesma.

Continuando a referida audiência preliminar em 7.11.2005, a fls. 362 e ss., entendeu-se que, depois da réplica, não podia já o A. deduzir a exceção da prescrição do pedido reconvencional, que não é de conhecimento oficioso, concluindo-se nos seguintes termos: “(…) não se admite, a invocação, neste momento da excepção da prescrição do pedido reconvencional, razão pela qual não se conhecerá de tal excepção. (…)”.

Seguidamente, foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, e selecionou a matéria de facto, organizando Base Instrutória.

Do despacho supra referido que apreciou da arguição da exceção de prescrição recorreu o A.

a fls. 375, o qual foi recebido como apelação e efeito meramente devolutivo, a subir a final, ao abrigo, designadamente, dos arts. 691, nº 2, e 695, nº 1, do C.P.C. então vigente (cfr. fls. 379 e 411).

Apresentadas as alegações desta apelação (fls. 393 a 396), foram ali formuladas as seguintes conclusões: “ 1.A Autora, ao invocar, na Audiência Preliminar, a excepção de prescrição contra os factos da Reconvenção da Ré, estava a fazê-lo ainda em tempo e com oportunidade, pois a isso não se opõe a ratio legis do Art.º 508º-A do C.P.C..

  1. E isso, porque foram salvaguardados os Princípios da Igualdade entre as partes e do Contraditório, que a Ré de facto exerceu, pronunciando-se sobre a excepção invocada.

  2. De facto, o novo conceito subjacente à fase da Audiência Preliminar é de molde a concluir-se que, no âmbito da cooperação entre todas as partes do processo e atendendo aos objectivos do seu saneamento, a delimitação do litígio, tida em vista, quanto aos factos e ao direito, permite que, uma vez invocada, seja admitida qualquer excepção.

  3. A Meritíssima Juíza deveria, pois, após ter permitido a resposta da Ré, ter admitido a prescrição invocada pela Autora.

  4. A interpretação que a levou a não admitir a prescrição é errada e contrária ao espírito inovador do dispositivo legal contido no Art.º 508º-A do C.P.C..” Pede a revogação do despacho.

Em contra-alegações, a Ré sustenta o acerto da decisão.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, ao longo de várias sessões e com interrupção determinada pela ordenada realização de perícia colegial aos documentos entretanto juntos aos autos e à contabilidade da Ré (cfr. fls. 1070), foi proferida, em 30.7.2010, decisão que julgou a matéria de facto (cfr. fls. 1291 a 1295).

Em 22.7.2014, foi proferida sentença nos seguintes termos: “(...) julgo a presente acção improcedente por não provada, e consequentemente: Absolvo a Ré Y. DO B., COOPERATIVA DE HABITAÇÃO E TURISMO DA Z., CRL, DO PEDIDO.

Julgo procedentes por provados os pedidos reconvencionais, e consequentemente condeno o Autor FERNANDO JOSÉ W. DA F. pagar à Ré: a)A quantia em Euros equivalente a PTE: 55.060.214$50 a título de comissões indevidamente recebidas pelo Autor, acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a data em que o Autor recebeu cada uma das quantias parcelares referentes a cada moradia, até efectivo e integral pagamento, a liquidar em execução de sentença.

b)A quantia em Euros equivalente a PTE: 2.658.551$00, pela compra da moradia n.º 76, acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a data da compra da moradia, até efectivo e integral pagamento.

c)A quantia em Euros equivalente a PTE: 6.991.766$00, pela compra da moradia n.º 23, acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a data da compra da moradia, até efectivo e integral pagamento.

Custas da acção, e do pedido reconvencional, pelo Autor.

(…).” Inconformado, recorreu o A. da sentença, culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ I- (…) II- (…) III- (…) IV- As páginas 46 a 49, 85 a 102 da douta sentença recorrida não se encontram inteligíveis impondo-se rectificação e ou clarificação das mesmas nos termos do art. 613º CPC, nº 2, e nesta parte não pode o recorrente pronunciar-se sobre o teor da sentença recorrida, devendo o Recorrente ser notificado da sentença na integra a fim de poder pronunciar-se sobre a mesma.

V-O Recorrente intentou a presente acção contra a Recorrida, sociedade do sector cooperativo, que se integra nos ramos das cooperativas de habitação e construção, conforme pedido e causa de pedir que damos por reproduzido.

VI-O Recorrente dedicou-se a promover e a acompanhar todas as acções destinadas à implementação dos projectos da Recorrida, sendo um dos seus principais animadores, a partir de Janeiro de 1990, em virtude da competência e da capacidade que os demais cooperadores lhe reconheciam, o Recorrente passou a dedicar-se, a tempo inteiro, ao serviço da Recorrida, assegurando a chefia dos serviços administrativos.

VII-Na dupla qualidade de membro da Direcção e trabalhador da Recorrida, o Recorrente desenvolvia as suas iniciativas enquanto elemento de um órgão colectivo e enquanto sujeito de uma relação subordinada de trabalho, agia enquanto membro da Direcção, quer enquanto trabalhador, no cumprimento das deliberações e orientações tomadas no quadro da responsabilidade colectiva dos órgãos da Recorrida.

VIII-Foi assim que a Direcção da Recorrida entendeu que a forma mais eficaz de promover a urbanização e as vendas das moradias em construção era interessar os membros da própria Cooperativa, seus familiares ou terceiros, nessas vendas, atribuindo-lhes um esquema de incentivos ou comissões, o que aconteceu.

IX-Tal orientação fica clara na Carta Circular endereçada pela Direcção da Recorrente aos cooperadores, em 24 de Outubro de 1985, sendo tais comissões ou incentivos eram de 3% sobre o valor da venda, a que acrescia um adicional de 0,5% ou 1% consoante...

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