Acórdão nº 592/06.0TBCSC.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEI
Data da Resolução26 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: P...Jorge.A... (entretanto falecido) veio, em 12.1.2006, propor contra Águeda.G... (também entretanto falecida) e P...Alexandre.W.n H., ação declarativa sob a forma ordinária, pedindo a declaração de nulidade da escritura pública de doação outorgada a 13.7.2005, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, respeitante a imóvel pertencente ao A. desde 30.12.1975, bem como a restituição do dito imóvel e o cancelamento da respetiva inscrição junto da Conservatória do Registo Predial. Mais requer a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de danos morais.

Alega, para tanto e em síntese, que mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 30.12.1975, a 1ª Ré, sua tia, vendeu ao A. o imóvel sito no Bairro de Santo António, em …, concelho de …, tendo reservado para si o usufruto respetivo. Mais refere que, por incúria, não procedeu ao registo da aquisição. Tomou, entretanto, conhecimento de que a 1ª Ré doara, por escritura pública de 13.7.2005, o mesmo prédio ao 2º R., seu primo, facto que foi levado ao registo. Afirma que ambos os RR. sabiam que a nua propriedade do imóvel pertencia ao A., pelo que a doação feita é nula. Diz que com a situação descrita o A. sofreu danos morais, que computa em € 5.000,00.

Contestou o 2º R., P...H..., excecionando a ilegitimidade do A. porquanto o mesmo terá outorgado a escritura de compra e venda do imóvel no estado de casado com Sónia A..., no regime da comunhão geral de bens. Mais impugna a factualidade alegada e invoca que a escritura de doação foi por si outorgada de boa-fé, tanto mais que resultava da documentação apresentada que o prédio pertencia à 1ª Ré doadora. Mais defende que esta, mesmo depois de 30.12.1975, sempre agiu como proprietária plena do dito prédio, declarando rendas, requerendo isenção de IMI e liquidando impostos nessa qualidade, pelo que, em Julho de 2005, adquirira, de qualquer modo, o direito de propriedade sobre o imóvel por usucapião. Pede a procedência das exceções e a improcedência da causa.

Contestou a 1ª Ré, Águeda G., em termos em tudo idênticos, alegando ainda nunca ter entendido que tivesse alienado o imóvel e muito menos comunicado tal facto ao co-R.. Diz igualmente que o A. jamais agiu como proprietário do imóvel nem o registou em seu nome. Refere que a filha do A. e o marido são arrendatários do prédio, e figurando no contrato de arrendamento celebrado em 23.5.2001 a 1ª Ré como proprietária deste, não foi tal qualidade posta em causa. Pede, do mesmo modo, a procedência das exceções e a improcedência da causa.

A fls. 171, veio Sónia A... ratificar o processado.

O A. replicou, concluindo como na petição inicial.

Tendo entretanto falecido a 1ª Ré, Águeda G...., foi habilitada a prosseguir a causa, como sua única sucessora, Gertrudes H....

Foi elaborado despacho saneador, dispensando-se a seleção da matéria de facto.

Por seu turno, tendo também falecido o A., P...Jorge A...., foram habilitados a prosseguir a causa, como seus únicos sucessores, o cônjuge sobrevivo, Sónia A..., e as filhas, Patrícia... e Sónia....

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 6.3.2015, nos seguintes termos: “(...) julgo a presente acção procedente, por provada, e em consequência: -Declaro nula a doação efectuada pela falecida Ré Águeda G. ao Ré P...H... titulada pela escritura outorgada em 13 de Julho de 2005, por ter sido de bem alheio; -Condeno o Réu P...H... a restituir o imóvel ao Autor; -Determino o cancelamento da inscrição do registo predial G3 referente ao imóvel ajuizado; -Condeno a Ré Águeda G... (Nas pessoas dos seus herdeiros habilitados) a pagar ao Autor a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais sofridos; -No demais peticionado, vão os Réus absolvidos.

Custas pelo A. (30%) e pelos RR. (70%) - (artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil). Fixo o valor da acção em € 17.508,81 – art.º 306.º do CPC.

(…).” Inconformado, recorreu o 2º R., P...Alexandre...W.n H., culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões que a seguir se transcrevem: “ A.Consta de fls. 6 da Sentença de fls… que não foram dados como provados: -3. O 2.º R. sabia da existência do negócio de compra e venda referido em 2) dos factos provados; -4. O 2.º R. sabia que lesava direito alheio.

(…) -6. O R. P...H... ignorava a situação da venda prévia ao A. P... A....” B.Na Sentença de fls…, a páginas 18, refere-se que “(…) não tendo o R. P...H...

logrado provar que se encontrava de boa-fé (veja-se a resposta do Tribunal quanto à matéria de facto não provada) não poderia beneficiar da tutela registal concedida.

Tratando-se a boa-fé de matéria de exceção competia a este R. a sua prova, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova (cf. Art.º 342.º do CC), conforme já referido.” [sublinhado e negrito nossos] C.A Sentença de fls…, a página 9, procura dar uma explicação para o referido em B, referindo que, “e se é certo que não se logrou provar que o 2.º R. sabia da situação de prévia venda, igualmente não se logrou apurar que o 2.º R. não sabia de tal situação. A prova produzido por ambas as partes não foi de molde a habilitar o Tribunal a formar a sua convicção em nenhum dos sentidos – facto não provado n.º 6 – funcionando nestes termos as regras gerais do ónus da prova. Sendo a boa-fé matéria de excepção competia ao R. a sua prova (art.º 342.º do CC)”.

D.Sucede porém que, como se reconhecerá, logrou-se demonstrar com a prova produzida e existentes nos Autos que, o Recorrente P...H..., desconhecia em absoluto a existência de um prévio negócio de compra e venda sobre o imóvel. De facto, E.Consta da Contestação de fls… apresentada por Águeda de J. G., mormente dos artigos 29 e 30 da mesma que, o Réu P... Alexandre.H..., não sabia da existência da compra e venda. Trata-se de uma confissão da Ré, entretanto já falecida, mas que deveria ter sido tida em conta por parte do douto Tribunal e não o foi.

F.Ademais, resulta da prova produzida que a D. Águeda G... atuava com a consciência de ser proprietária do imóvel, tendo contratado autonomamente uma advogada para tratar da organização da documentação e marcação da escritura, tendo apresentado proposta de compra aos arrendatários das frações e tendo dito ao Recorrente que lhe ia dar a casa.

G.Os Autores, em momento algum, fizeram prova ou demonstraram que o ora Recorrente tinha conhecimento de tal negócio sendo que, aliás, ficou demonstrado nos Autos e pelos depoimentos acima referidos, que o Recorrente P...H... era, na data em que ocorreu a compra e venda, menor de idade.

H.São os próprios arrendatários que testemunham que sempre tiveram por proprietária do prédio a Sra. Águeda J...G... e não o Sr. P...J..., sendo que a mesma os questionou, pouco antes da Doação, sobre se estavam interessados em adquirir as frações que habitavam. Ora, se os próprios arrendatários que lá vivam há mais de 40 anos, desconheciam o negócio de compra e venda, como poderia sabê-lo o Réu se não mantinha qualquer contacto com a família há largos anos? Mais para mais, quando o contrato de compra e venda foi feito de forma subreptícia (sem se ter dado direito de preferência aos arrendatários), sem publicidade no registo predial e o contrato de arrendamento da própria filha dos Autores (P...A... e Sónia.A...) foi feito e assinado pela D.Águeda.J... G... na qualidade de Proprietária.

I.Ora, atendendo à prova testemunhal produzida e à credibilidade da mesma, resulta diáfano que o Recorrente se encontrava de boa-fé sendo que, tal conclusão decorre de forma clara atendendo a todos os aspetos da acção, como sejam, a data em que ocorreu o negócio de compra e venda (em que o mesmo era menor), a sua não relação com a família do Sr. P...A... e o facto de nem os arrendatários terem conhecimento de que o prédio não era propriedade da D.Águeda.J..., a qual atuava e se manifestava publicamente como proprietária do prédio e, até, chegou propor a compra das frações aos arrendatários que as habitavam, o que levanta a legítima questão de saber (que...

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