Acórdão nº 3167/06.0TJLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelEZAG
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – U, intentou ação declarativa, com processo comum, então sob a forma sumária, contra HV, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 8.409,57, acrescida dos juros moratórios que se vencerem desde 18-08-2006, sobre o capital de €6.268,95, até efetivo e integral pagamento.

Alegando, para tanto e em suma, que no exercício da sua atividade, e em três ocasiões, a solicitação do Réu, contratou com este a atribuição ao mesmo de três cartões de crédito.

Ora o Réu deixou de proceder ao pagamento à A. das quantias mínimas a que em cada mês, estava obrigado, sendo que o último pagamento efetuado em relação ao primeiro contrato ocorreu em 23-12-2004 e em relação ao segundo e terceiro contrato em 01-01-2005.

Estando assim em dívida, e conforme Extratos das suas Contas-Cartão, o supra referido montante global de capital e correspondentes juros de mora vencidos.

Verificando-se que o Réu tinha já falecido à data da propositura da ação, e declarada suspensa a instância, deduziu a A. incidente de habilitação de herdeiros daquele.

Sendo, em apenso, proferida sentença declarando “A, B, C, D e E” habilitados como sucessores do Réu falecido para com eles e no lugar do falecido prosseguirem os termos da acção.”.

Na sequência do que, declarada cessada a suspensão da instância…e citados os herdeiros habilitados para os termos da causa, contestaram os mesmos, alegando não ter a herança aberta por óbito do primitivo Réu…quaisquer bens, não existindo, em bom rigor, herança.

Concluindo com a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Houve “resposta” da A. sustentando que a questão da inexistência de bens integrantes de herança deixada por HV apenas importará em caso de ação executiva, caso haja lugar à mesma, sendo os herdeiros habilitados daquele, parte legítima para a presente ação.

O processo seguiu seus termos, procedendo-se, em audiência prévia, a tabelar saneamento, sendo ainda identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em consequência do anteriormente exposto decide-se: A) Julgar procedente, por provada, a acção e, consequentemente, condenar o primitivo Réu HV - ora representado por A, B, C, D e E - a pagar à Autora a quantia de 8.409,57 Euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar de 18 de Agosto de 2006, à taxa de 21,624% e até integral pagamento.”.

Inconformados, recorreram os RR., formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões: “1ª A douta sentença incorreu em erro de julgamento de facto quando julgou como não provada a inexistência de bens da herança.

  1. A convicção formada quanto à prova documental trazida aos autos pelos Recorrentes é fundamentada de forma vaga, uma vez que o Tribunal "a quo" não justificou devidamente o facto de rejeitar o valor probatório de certidões emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira após a citação dos Recorrentes para a presente acção e valorou um documento particular assinado pelo primitivo Réu 10 anos antes do seu falecimento.

  2. A certidão a atestar a inexistência de quaisquer bens imóveis em nome do falecido Réu e a certidão a atestar que não foi instaurado o processo de imposto de selo provam a inexistência de bens da herança, uma vez que a não instauração do processo de imposto de selo demonstra que não foram partilhados quaisquer bens e caso existissem bens em nome do "de cujus" os mesmos teriam de constar ou da certidão que atesta a inexistência de bens ou da participação de imposto de selo.

  3. O Tribunal "a quo" ao não justificar e fundamentar a sua convicção quanto à prova apresentada pelos Recorrentes violou o disposto no artigo 607º, n.º 4 do CPC.

  4. A convicção formada pelo Tribunal "a quo” quanto aos depoimentos das testemunhas apresentadas pelos Recorrentes é fundamentada de forma vaga e generalizada, catalogando-as como sendo interessadas no desfecho da causa por serem familiares dos Recorrentes e do primitivo Réu.

  5. O Tribunal "a quo" considerou que o depoimento das testemunhas em nada contribuiu para a prova por possuírem uma relação de parentesco com os demandados e alega interesse na causa por parte das testemunhas sem nunca o justificar.

  6. O simples facto das testemunhas serem familiares ou possuírem interesse na causa (se o tiverem) não implica que os seus depoimentos não sejam credíveis, pois tal não implica uma "capitis diminutio" e se o implicasse obrigaria a que as mesmas não pudessem depor.

  7. O Tribunal ao não referir-se a cada uma das testemunhas com especificação concreta das razões objectivas porque desconsiderou os seus depoimentos, não dando nota da convicção que formulou de cada um dos depoimentos, violou o disposto no artigo 607°, n.º 4 do CPC.

  8. A testemunha FT, nas passagens transcritas do seu depoimento, confirmou a inexistência de bens da herança e a ausência de um processo de partilha, sendo o seu depoimento credível, consistente e de acordo com a prova documental junta aos autos.

  9. A testemunha JC, nas passagens transcritas do seu depoimento, também confirmou a ausência de um processo de partilha e a inexistência de bens, sendo o seu depoimento credível e estando de acordo com toda a prova produzida nos autos.

  10. Tendo em conta toda a prova produzida pelos Recorrentes, concretamente a documental e a testemunhal, o Tribunal "a quo" só poderia dar como provada a inexistência de bens da herança.

  11. A alegada dívida foi contraída pelo primitivo Réu, não sendo, por isso, os Recorrentes os seus devedores.

  12. Do disposto nos artigos 2068º e 2071º do Código Civil decorre que só os bens da herança é que respondem pelas dívidas do "de cujus", nunca podendo os herdeiros ser condenados a título pessoal pelo pagamento das dívidas da herança.

  13. A existir condenação esta apenas poderia ser a dos Recorrentes reconhecerem a dívida e a vê-la satisfeita pelos bens da herança, o que acaba por ser inútil.

  14. Os Recorrentes provaram a inexistência de bens da herança e, por isso, a única decisão possível na presente acção seria a da sua absolvição do pedido.

  15. A douta sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao condenar os Recorrentes no pagamento da quantia reclamada, por errada interpretação dos artigos 2068º e 2071º do Cciv.”.

Rematam com a revogação da sentença recorrida a substituir por outra “que determine a absolvição dos Recorrentes do pedido”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal: - se se verifica “insuficiente fundamentação” da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto; - se é caso de alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pelos Recorrentes; - se, em qualquer caso, não podiam os Recorrentes, enquanto herdeiros do primitivo Réu, ser condenados no pagamento de dívida da herança daquele.

*** Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte: “1 - A Autora atribuiu a HV, em data não apurada de 1994, um cartão de crédito visa gold, sem prévio pedido de adesão apresentado pelo falecido, cartão de crédito que o falecido recebeu, com o n° 4532393003095625.

2 - Na sequência do referido em 1 - o falecido HV passou a usar o cartão aludido em 1 -, utilizando-o, designadamente, na aquisição de produtos em supermercados, e restaurantes, para pagar abastecimento de combustíveis e para pagar portagens em auto-estradas.

3 - Face ao aludido em 1 - e 2 - a Autora enviava ao falecido HV, por correio, extractos mensais de que constavam as operações pelo mesmo efectuadas com o cartão aludido em 1 -.

4 - Dos extractos mensais aludidos em 3 - constava o valor total utilizado pelo falecido com o aludido cartão e qual o valor mínimo que o mesmo deveria pagar.

5 - Com data de 16.201995 o falecido HV assinou pedido de adesão dirigido à U, pedido esse de adesão ao cartão …Clube…, tendo desse pedido de adesão sido feito constar, além da morada do falecido e o seu contacto telefónico, o n° do seu B. I. e data de emissão do mesmo, o seu estado civil, a sua actividade profissional e local/locais de trabalho, os seus rendimentos mensais e possuir o falecido habitação própria no valor de 15.000.000$00, entre outras indicações.

6 - Na sequência do aludido em 5 - a Autora atribuiu ao falecido HV o cartão n° 4908631004046329 e este passou a utilizar o cartão aludido, tal como aludido em 2 -, emitindo a Autora e enviando ao falecido os extractos mensais como referido em 3 -.

7 - As condições gerais de utilização do cartão aludido em 5 - e 6 - constavam do verso do pedido de adesão referido em 5 -, tendo HV aposto a sua assinatura na frente do pedido de adesão e sob a menção " „. declara ...tomar conhecimento e aceitar as condições gerais: direitos e deveres do titular constantes no verso... ".

8 - O cartão aludido em 5 - a 7 - permitia, além do mais, o levantamento, pelo seu titular, de quantias em dinheiro em Portugal e no estrangeiro, ao balcão de bancos para tal identificados e em caixas automáticas identificadas como visa.

9 -Das condições gerais aludidas em 7 - constava, designadamente, que o titular do cartão, ao utilizar o mesmo na aquisição de produtos, deveria apresentar o cartão devidamente assinado, conferir e assinar, de acordo com o cartão, a factura que lhe fosse apresentada pelo estabelecimento comercial em causa, guardando uma cópia da mesma e que ao assinar a factura e ou digitar o Código Pessoal Secreto, reconhecia a dívida e o seu valor e que a mesma se transferia para a U, a quem teria de pagar o valor correspondente, traduzindo a mera utilização do cartão a concordância do titular do cartão...

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