Acórdão nº 7091-10.4TBCSC.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA GOMES
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.

C...

, residente ..., intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra A...

, residente ...

Alegou, em síntese, que desde que a Ré foi residir para o prédio onde ambas as partes residem, sempre existiu a produção de ruído na habitação desta última, situação que se agravou desde que começaram as aulas de piano em casa da Ré, caracterizadas por longos períodos de “tocatas/tocadelas tautofónicas” de elevada intensidade sonora; que, no início, ocorriam por períodos de curta duração e fraca intensidade mas, rapidamente, estenderam-se por longos períodos (de horas) e por um aumento de intensidade.

Mais alegou que as tentativas de contacto com a Ré, para alcançar um acordo relativamente à prática de piano, fracassaram; pelo contrário, a Ré fez acrescer a esse rol de actividades ruidosas a prática de sapateado, acompanhando as respectivas escalas sonoras.

O Autor invocou, ainda, que tem vindo a sofrer com toda a conduta descrita ao longo de, pelo menos, 6 anos, deteriorando-se o seu estado físico e psicológico, com permanente irritabilidade, cefaleias, défice motivacional, dificuldades de concentração da atenção, fadiga e uma tonalidade depressiva do estado de humor, apresentando um quadro clínico de exaustão emocional e do sistema nervoso central; que o comportamento ruidoso e ilícito causado pela Ré o prejudicou intencionalmente, ao nível da integridade pessoal, pelo que tem o direito a ser ressarcido de todos os danos sofridos. Concluiu pedindo a condenação da Ré: a)Na proibição da prática de actos lesivos e ruidosos, sem que esteja assegurado ao autor a defesa da sua tranquilidade e do seu sossego b)A pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 30.500,00 e montante a apurar e a liquidar a título de danos patrimoniais, nestes se integrando, designadamente, as despesas com consultas e exames médicos A Ré contestou, invocando, em síntese, que o estudo e a preparação das aulas da sua filha mais nova (M...) ocorriam na sua residência mas sempre durante o dia e, sobretudo, à tarde; que após as queixas do Autor, em 15 de Julho de 2008, disponibilizou-se para fazer tudo ao seu alcance para minimizar os incómodos causados pela prática de piano, tendo consultado especialistas em ruído, colocado placas de cortiça sob os pés do piano e caixas de cartão sob este instrumento para minorar o som emitido; que a aprendizagem de piano tinha um efeito muito positivo na sua filha.

Mais disse que, na Assembleia de Condóminos realizada em 22 de Janeiro de 2010, foi debatido o incómodo referido pelo Autor, tendo a Ré proposto àquele a fixação de um período para a prática de piano, o que não foi aceite, sendo que os restantes condóminos referiram não se sentirem incomodados com a referida prática; que a prática de piano não era adequada a causar o alegado estado de saúde do Autor e que este era uma pessoa que se encontrava afectada na sua capacidade de discernimento e de se relacionar socialmente com outros, sendo a sua perturbação mental e emocional que o levou a sobrevalorizar e a reagir de forma invulgar aos sons do piano e, nessa medida, a Ré não é responsável pelo pagamento de qualquer indemnização.

Concluiu pela improcedência dos pedidos.

Na sequência do convite, o Autor veio apresentar petição inicial aperfeiçoada, com alegação mais concretizada de danos, pelo que pediu a correcção do valor da acção para € 31 325,88, petição à qual a Ré respondeu.

Realizou-se tentativa de conciliação que se gorou.

Foi proferido despacho saneador, e seleccionados os factos assentes e elaborando-se a Base Instrutória, que foi objecto de reclamação, parcialmente deferida.

Corridos os subsequentes termos processuiais e anulada uma primeira decisão final, por ser inaudível parte da prova gravada, veio a ser proferida nova sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformado, recorreu o Autor.

Culminou a sua alegação com mais de uma centena (!) de conclusões, o que a Relatora considerou excessivo.

Daí que tivesse usado da faculdade do n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, convidando-o a sintetiza-las, sob pena de não conhecer do recurso.

E, demonstrando um conceito de “síntese” muito “sui generis”, o recorrente veio apresentar um acervo conclusivo, embora menor, mas, ainda assim, constituído por mais de cem (!) artigos.

Tratando-se de uma acção com reduzido número de pedidos e complexidade pouco acentuável, é evidente o exagero do número de conclusões, que arrepiam o n.º 1 (indicação, “de forma sintética”, dos fundamentos da “alteração ou anulação da decisão”) e o n.º 2 (indicação das normas jurídicas violadas, sentido da respectiva interpretação e aplicação; apontar qual a norma que “devia ter sido aplicada”) do artigo 639.º CPC.

Tudo a apontar para simples, e sucintas, preposições, que também delimitam o âmbito do recurso e facilitam ao Colectivo “ad quem” o alcançar da pretensão do recorrente.

Porém,“in casu”, a prolixidade e extensão devem-se, fundamentalmente, a uma deficiente compreensão do artigo 640.º da lei processual, já que da maior parte das alíneas conclusivas consta a transcrição de depoimentos a estribarem a alteração da matéria de facto e que já constavam do corpo da alegação.

E tal era suficiente para cumprimento do ónus dos n.ºs 1 e 2 daquele preceito, sendo que às conclusões basta que sejam levados os elementos das alíneas a) e c) do citado n.º 1.

Daí, que se tome conhecimento do recurso, embora se desconsiderem na transcrição das conclusões os pontos que, nelas, e de acordo com o exposto, se consideram excrescentes (desnecessários), assim aligeirando essa peça.

O recorrente formulou, assim, com a sintetização acabada de referir, as seguintes conclusões: —Foram incorrectamente julgados, por errónea apreciação e insuficiência, os factos 8.º, 9.º, 10.º e 13.º; —Na verdade, tal utilização, abusiva e intensa, gerou a presente situação não podendo aceitar o Recorrente, a ideia contida no Facto n° 8 e bem veiculada pela Recorrida, de se tratar tal ruído o mero resultado de umas exercitações, de preparação para aulas de piano, ocasionais, e bem assim de uns recitais simples, esporádicos, realizados apenas em festas de aniversário ou receção de amigos aos fins-de-semana.

—Não era nem nunca foi esse o caso! O ruído, produzido ao longo dos anos com forte impacto na habitação do Recorrente, era intenso, alto, forte, por vezes totalmente descoordenado, podendo ser audível várias vezes ao longo de um dia - manhã ou tarde - no final do dia e no início da noite - Tudo isto ao longo do decorrer de anos.

—Por outro, a verdade é que não podia só ser uma pessoa a produzir semelhantes ruídos, e muito menos ao longo do decorrer de um dia - tinham de ser várias, como se confirmou no presente caso.

—Para além do ruído provocado pelo som oriundo do piano, testemunhas confirmaram a audição de batuques, compassos e outro tipo de exercícios no soalho da casa, tal como sapateado, tendo resultado ainda da prova produzida, nomeadamente do testemunho relevante do próprio companheiro da Recorrida, também residente, da utilização frequente da guitarra.

—Pelo que, se encontram os factos em apreço, salvo melhor entendimento, erroneamente provados na medida em que apenas são imputáveis a uma utilizadora, configurando assim, uma redução do alcance do ruído e da sua verdadeira dimensão, razão pela qual se discorda, face à sua insuficiência; para além de se ter demonstrado nos autos, que o ruído suportado não era originariamente provocado - somente - pelo piano, e sim por outros ruídos.

—Por outro ainda, relativamente ao Facto 13, entende-se verificar nos autos, prova bastante que demonstra um valor superior ao considerado provado.

—Relativamente aos seguintes factos dados como não provados: a)A Ré tinha conhecimento que o autor trabalhava na sua residência.

b)A ré tinha conhecimento do quadro de “perturbação mental caracterizada por estado obsessivo e humor deprimido” que foi diagnosticado ao autor.

c)Na sequência do referido em 11) dos Factos Provados o autor gastou a quantia de € 87,23 em medicamentos.

d)(...) e a quantia de € 422.13 em outras despesas de saúde.

e)(...) e a quantia de € 133,93 em deslocações à PSP para denunciar a ré.

—Provado está que a Recorrida tinha e tem conhecimento do estado de saúde do Autor, bem como detinha a consciência dos danos causados com a prática dos seus actos.

—Tinha e tem consciência igualmente, que o Recorrente trabalhava na sua residência.

—Acresce, os autos comportam elementos e prova documental bastante para provar outros montantes devidamente reclamados.

—Na sequência do referido em 11) dos Factos Provados o autor gastou a quantia de € 87,23 em medicamentos.

—(...) e a quantia de € 422.13 em outras despesas de saúde.

—(...) e a quantia de € 133,93 em deslocações à PSP para denunciar a ré.

—Na realidade, mesmo com um teor impreciso e insuficiente, o ruído provocado pela ré, nos termos dos Factos 8 e 9), não deixam de constituir uma poluição sonora consciente, provocadora dos danos conhecidos na saúde do autor e de sua família.

—Acresce, em sede de contestação, a Recorrida afirma nos artigos 28° a 30°, ter consultado especialistas em medição do ruído para aferir do nível de emissão, bem como terá alegadamente consultado especialistas em sistemas de insonorização para averiguar acerca de eventuais dispositivos que atenuassem o som emitido.

—Ora, para além de um e-mail solicitando os primeiros esclarecimentos (Vide doc. 1 /contestação), não se conhecem pedidos de orçamentos, reuniões, visitas, relatórios ou outros elementos que pudessem confirmar o supra mencionado.

—Mais, o Recorrente em sede de audiência de julgamento, requereu a determinação do Tribunal a quo, no sentido da Ré juntar aos autos, tais relatórios, orçamentos ou outros elementos de relevo.

—Por força de requerimento, a fls.., de 10-02-2014, veio finalmente a Ré declarar o...

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