Acórdão nº 635-13.1TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelIL
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: J... e mulher M..., C..., F..., intentaram acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária contra A..., LDA, pedindo que seja declarada ilícita a conduta da R. de reduzir o preço da cessão de quotas ajustadas e de reclamar do banco garante dos AA a quantia de € 350.000,00 e de declarar a compensação do seu crédito com o dos AA. sobre a R.., no montante de €144.000,00, a que alude a cláusula 2ª do contrato de cessão de quotas e sempre caducado o direito invocado. Pedem ainda que a R. seja condenada a pagar imediatamente aos AA €350.000,00, correspondente ao montante que ilicitamente obtiveram do Banco ...; €36.000,00, correspondentes às seis prestações, entretanto vencidas e a que alude a cláusula 2ª alª f) do contrato de cessão de quotas; €108.000,00, correspondentes às demais prestações vincendas e a que alude a cláusula 2ª alª f) do mesmo contrato; e €14.648,55 de juros vencidos.

Em síntese, alegaram, que, por escrito de 18 de Outubro de 2011, os AA acordaram em ceder à R. as quotas representativas da totalidade do capital social da “Ó..., Lda”, o qual havia sido antecedido por um contrato-promessa de cessão de quotas de 16 de Abril de 2011. A ré veio a notificar o 1º A, por escrito de 21 de Setembro de 2012, para proceder ao pagamento de € 574.630,66, ao abrigo da cláusula 5ª nº 5 do Contrato-Promessa, a título de ajuste ao preço, porque duas sub - contas da “Ó...” tinham esses valores de saldo negativo, do que só se aperceberam depois de verificarem a documentação contabilística em causa.

O A., por escrito, recusou o pagamento reclamado por considerar esse direito precludido.

No entanto, a R. accionou garantias bancárias que haviam sido acordadas em seu benefício, tendo assim obtido do Banco ... o pagamento de €350.000,00, apesar da oposição manifestada pelo autor. Em consequência o 1º A. teve de pagar igual quantia ao Banco ..., mesmo considerando que a R. não tinha qualquer fundamento válido para obter esse pagamento. De facto, os saldos inscritos na contabilidade da “Ó..., Lda” provêm, inalterados, desde exercícios anteriores ao de 2005 e 2006 e estavam evidenciados no balancete de Dezembro de 2008, tendo origem em erros de inscrição praticados por um antigo contabilista, que havia dissipado documentos, sendo que os gerentes da R. tiveram pleno acesso à informação e documentação contabilística dessa sociedade em toda a fase negocial da cessão de quotas, tendo inclusivamente ocorrido uma auditoria em Novembro de 2010 às contas da “Ó..., Lda”, por iniciativa da R., que levaram ao contrato-promessa de 16 de Abril de 2011 e à posterior cessão de quotas pelos valores acordado.

Os AA entendem assim que a R. se locupletou ilicitamente à custa dos AA com a quantia de € 350.000,00, pagos pelo Banco Popular, e da quantia de € 144.000,00, por via de ilícita declaração de compensação, pretendendo adicionalmente obter o pagamento de € 80.630,76, correspondente à diferença entre os € 574.630,66, dos alegados saldos devedores das sub – contas da “Ó...”, e os mencionados € 350.000,00 e € 144.000,00.

A ré contestou, deduzindo pedido reconvencional, alegando que lhe assistem os direitos que os AA contestam nesta acção e que foram reclamados na carta de Setembro de 2012, mencionada na petição inicial. Pelo que, não só teria direito ao pagamento de € 574.630,66, como a accionar a garantia bancária junto do Banco ... e compensar o crédito de € 144.000,00, ficando ainda em dívida à R. a quantia de € 80.630,76, cujo pagamento agora reclama. A ré pede ainda a condenação dos AA como litigantes de má-fé no pagamento de uma multa, em montante a determinar de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, mas nunca inferior a cem por cento dos honorários do mandatário e da totalidade das despesas que tiver de suportar por força da lide.

Os AA replicaram, impugnando os factos alegados pela R, e deduzindo a excepção da caducidade do direito que a mesma pretende fazer valer. Os autores alegam ainda que a ré é que litiga de má-fé, faltando à verdade e deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, pelo que deve ser igualmente condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna, a fixar segundo o prudente arbítrio do julgador.

A ré apresentou tréplica em que se opõe à excepção e à pretensão formulada de condenação como litigante de má-fé.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção totalmente procedente por provada na íntegra e a reconvenção improcedente por falta de prova, e consequentemente: A)Condenou a ré a pagar aos autores € 350.000,00, correspondente ao montante que ilicitamente obtiveram do Banco ...; € 144.000,00, correspondentes às prestações, entretanto vencidas e a que alude a cláusula 2ª alª f) do contrato de cessão de quotas; e € 14.648,55 de juros vencidos desde a entrada da acção acrescidos dos juros vincendos até integral pagamento, à taxa legal, aplicável às obrigações comerciais, por ora de 7,05%.

B)Absolveu os autores do pedido reconvencional.

C)Não condenou a ré como litigante de má fé.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª-Ao contrário daquilo que é sustentado pelo tribunal a quo, a pretensão da recorrente de reduzir o preço do negócio objecto dos presentes autos não se reconduz à modificação do contrato celebrado, com fundamento na alteração das circunstâncias regulada no artigo 437º do Código Civil, na medida em que este preceito respeita à modificação das circunstâncias contratuais futuras, posteriores à formação do negócio, que se formou validamente.

  1. -No caso em apreço, a recorrente funda antes a sua pretensão na discrepância originária entre o negócio e as circunstâncias em que uma das partes fundou a decisão de contratar.

  2. -Essa discrepância originária, ao contrário da discrepância superveniente de que trata o aludido artigo 437º do Código Civil, afecta a própria validade do contrato celebrado, pois traduz-se num vício contemporâneo da formação do mesmo.

  3. -Trata-se, assim, de uma clara situação de erro existente na fase da formação do negócio, que está expressamente regulada no nº 2 do artigo 252º do Código Civil.

  4. -Sem prejuízo do regime legal contemplado no aludido nº 2 do artigo 252º do Código Civil, na situação objecto dos presentes autos, a recorrente e os recorridos, ao abrigo da autonomia privada, acordaram num mecanismo contratual específico de ajuste ao preço, o qual poderia ser activado, verificados que fossem os pressupostos e condições nele contemplados.

  5. -As irregularidades contabilísticas denunciadas pela recorrente e reconhecidas pelo tribunal a quo evidenciam que as declarações e garantias prestadas pelos recorridos na cláusula 4ª do contrato-promessa não correspondem à verdade e, nesse sentido, são enganosas.

  6. -Desde logo, porque é falso que as demonstrações financeiras facultadas pelos recorridos à recorrente dêem “uma visão verdadeira e correcta do património, da situação financeira, dos activos” da Ó ....

  7. -E conforme é referido pela testemunha G... (cfr. designadamente, o parecer técnico pelo mesmo elaborado e junto aos autos no documento nº 3 da petição inicial), essas irregularidades “obrigam a um movimento de regularização contabilística debitando as correspondentes contas de capital próprio ou gastos (…) o que na prática se traduzirá numa desvalorização da Sociedade Ó... Lda em igual montante”.

  8. -É, por outro lado, evidente que as declarações e garantias prestadas pelos recorridos na cláusula 4ª do contrato-promessa foram determinantes para a ré aceitar o negócio prometido e, nesse sentido, integram a base de tal negócio.

  9. -Se as declarações e garantias não fossem determinantes para a recorrente fundar a sua decisão de contratar, as mesmas não teriam sido apostas no contrato-promessa e retomadas no contrato definitivo (através da remissão que neste se faz para as cláusulas do contrato promessa – cfr. a cláusula 10ª do contrato definitivo).

  10. -Se as declarações e garantias respeitantes à situação contabilística e financeira da Ó ... não fossem decisivas na vontade de contratar da recorrente, não teria sido estabelecido entre as partes um mecanismo contratual de ajuste ao preço fundado nas eventuais desconformidades de tais declarações e garantias.

  11. -Se assim fosse, a recorrente não teria questionado, antes da celebração do contrato-promessa e do contrato definitivo, “numerosas vezes o 1º autor sobre diversos aspectos dos documentos sociais e contabilísticos da Ó... (…)” (cfr. facto 18 dado como provado).

  12. -Se dúvidas houvesse relativamente à integração de tais declarações e garantias na base do negócio objecto dos presentes autos, bastaria ler o disposto no ponto 19 da já mencionada cláusula 4ª do contrato-promessa, que estipula o seguinte: “19. Totalidade das Declarações e Garantias. Os Promitentes Vendedores não omitiram a divulgação à Promitente Compradora de quaisquer factos que (i) fosse necessário divulgar para não tornar a informação contida no presente Contrato e nos seus anexos informação enganosa em qualquer aspecto material, ou (ii) que pudesse razoavelmente fazer com que a Promitente Compradora não procedesse à aquisição da Ó ..., ou que tivesse procedido à mesma em termos substancialmente diferentes” (negrito e sublinhado da recorrente).

  13. -O facto de existir uma cláusula do contrato-promessa com a epígrafe “Base do Negócio” que não faz qualquer referência à situação financeira e patrimonial da Ó ..., ao contrário daquilo que é sustentado pelo tribunal a quo, não tem, naturalmente, o condão de excluir essa matéria da base do negócio.

  14. -Por outro lado, ao contrário daquilo que o tribunal a quo pretende fazer querer, as irregularidades contabilísticas não estão arredadas do mecanismo de ajuste ao preço acordado pelas partes.

  15. -Dos nºs 5, 6 e 7 da cláusula 5ª do contrato-promessa depreende-se que a possibilidade de ajuste ao preço abrange a desconformidade das...

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