Acórdão nº 10315/13.2T2SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelSOUSA PINTO
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes desembargadores que integram o presente colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa, I – RELATÓRIO MG intentou a presente acção de processo ordinário contra V – FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO GERIDO POR MILLENIUM BCP – GESTÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, S.A.

e MUNICÍPIO DA ...

, tendo pedido: a) declarada a seu favor a aquisição originária da propriedade sobre o terreno onde se encontrava implantada a construção que identifica; b) sejam os réus condenados a reconhecer o autor, como legítimo proprietário do terreno em questão; c) seja o autor imediatamente restituído na posse do terreno; d) sejam anulados todos os registos prediais que estejam em contradição com o pedido de declaração da aquisição originária; e) seja o réu Município condenado a reconstruir a casa do autor e a proceder ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais e morais no valor global de 12 700 €, acrescida do valor das rendas mensais que se venceram no decurso da presente acção, pagas pelo autor, no montante mensal de 450 €; f) se a reconstituição natural do imóvel não for possível, seja o Município condenado a pagar uma indemnização no montante correspondente a 40 mil euros destinada à reconstrução do imóvel, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de citação até efectivo e integral reembolso.

Para tanto, alega que detém a posse pública, pacífica, de boa-fé e ininterrupta desde 1982 do terreno com uma área de 63m2 que faz parte do prédio rústico, com o artigo matricial 18G, sito actualmente na freguesia da Mina, Concelho da Amadora (sito no Bairro ...), que nesse ano adquiriu pelo preço de setenta mil escudos e no qual construiu uma casa, que descreve, onde passou a residir com o seu agregado familiar em inícios de 1983, nunca tendo sido colocada em causa a sua propriedade sobre o terreno e a casa. Que apenas em 2008, teve conhecimento, por terceiros, de que estaria a decorrer um processo de realojamento das pessoas residentes no Bairro ... promovido pela Câmara Municipal da Amadora, tendo sido notificado em 2012, pelos serviços Camarários, que a sua habitação iria ser demolida e que o terreno lhe iria ser retirado, demolição esta que veio a acontecer em dia 19 de Novembro de 2012 e obrigou o autor a ter de arrendar uma casa, com urgência, pela qual paga a renda mensal de 450 €. Que o desapossamento violento de que foi vítima causou ao autor dor e a humilhação, sentindo-se o mesmo marginalizado, angustiado, em profunda depressão, que vive até hoje, com um sentimento profundo de injustiça, desolação e desenraizamento. Que o terreno adquirido pelo autor nunca foi da propriedade da Câmara Municipal de Sintra ou da Amadora ou de qualquer outro organismo público e que só agora teve acesso a esta informação porque só agora conseguiu descobrir que o seu terreno, não obstante o seu imóvel ter um número de matriz própria, está incluído num terreno que apenas com o auxílio de um advogado, conseguiu apurar tratar-se da matriz predial rústica 18G, adquirido pelo réu V em 2007, mostrando-se registada em seu nome a sua aquisição. Que não obstante tal aquisição, o Fundo não tomou qualquer atitude que fosse visível e pública de que seria proprietário do referido terreno. Que desde 1982 até à presente data, nenhum dos proprietários indicados no registo predial tomaram qualquer atitude visível, exterior e manifesta de que seriam proprietários do terreno e nunca tiveram ou exerceram a posse do mesmo. Que a actuação ilícita do Município de Sintra causou danos patrimoniais e não patrimoniais ao autor, pelos quais este réu tem o dever de indemnizar; e que, face à aquisição originária do direito de propriedade por usucapião do autor sobre o imóvel dos autos, os réus devem reconhecer o seu direito de propriedade.

Citados, os réus deduziram contestação, tendo o réu Município alegado que o autor não tem o direito de que se arroga relativamente ao pedido de reconhecimento da sua propriedade, mais invocando a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, relativamente ao pedido de indemnização formulado, tendo o réu V invocado que o autor não detém a posse, mas simples detenção ou posse precária que não reúne os pressupostos para a aquisição por usucapião, tendo ainda invocado a inexistência de inversão do título da posse por parte do autor, a sua posse não titulada, de má-fé e interrupta, a indivisibilidade do prédio rústico e fraude à lei, por violação do art.º 1376.º do Código Civil e impugnou os factos articulados pelo autor.

O autor respondeu às excepções deduzidas, reforçando o alegado na petição inicial e concluindo como aí.

Procedeu-se à elaboração de despacho saneador pelo qual foi julgada verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal relativamente aos pedidos formulados sob as alíneas e) e f) na petição inicial e, em consequência, declarado o tribunal incompetente em razão da matéria, e absolvido o réu MUNICÍPIO DA ... da instância quanto aos mesmos, mais tendo sido julgada verificada a excepção dilatória de ilegitimidade do réu MUNICÍPIO DA ... relativamente aos pedidos formulados sob as alíneas a), b), c) e d) do pedido da petição inicial, e absolvido o réu da instância relativamente aos mesmos.

Os autos prosseguiram apenas entre o autor MG e o réu “V – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado Gerido Por BCP”, tendo sido proferido o despacho de fixação do objecto do litígio e dos temas da prova, o qual não mereceu qualquer reclamação.

Teve lugar a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.

Proferiu-se sentença onde se decidiu julgar improcedente a excepção de indivisibilidade do prédio e fraude à lei e verificada a nulidade da operação de destaque material levada a efeito pelo autor, em consequência do que se julgou a acção totalmente improcedente e se absolveu do pedido o réu “V – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado gerido por Millennium BCP – Gestão de Fundos de Investimento, S.A.”.

Inconformado com tal decisão veio o Autor recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões: «1. A matéria carreada para os autos preenche os requisitos legais para o autor adquirir por usucapião o terreno alcançado e possuído de direito e de facto, desde 1982 a que por aquisição originária para ele se transferiu o direito de propriedade.

  1. Verifica-se que o terreno era propriedade de particulares, não estava abrangido pelas excepções legais que possam impedir a sua aquisição originária, É usucapível 3. Sempre existiu a boa-fé, titulo e a posse.

  2. A posse foi pacífica ao longo de quase trinta anos, continua onde imperou sempre o usus possidendo, usus domini 5. A sentença é nula por ter tomado conhecimento de matéria que não podia, tendo prejudicado o autor arts. 4º, 5º e 615º, al. d) do C.P.C.

  3. Deu como provado o ponto 26, com o apoio de testemunhas interessadas e que nada sabiam por a sua existência, como administradores ser recentíssima, para além de utilizar questões de direito e não factos, deverá ser dado como não provado 7. Os pontos I e J formulados na negativa, a sua não prova aproveita ao autor artigo 343º do Código Civil não ao réu pelo que cabia a este provar a interrupção ou a interpelação 8. Por outro lado fez uma errada aplicação dos factos ao direito, usando, em nosso modesto entender, a interpretação não consentânea com a realidade do caso concreto.

  4. Saliente-se ainda o seguinte: como se referiu no Ac. do S.T.J. de 11-4-1978 (rel. Manuel Ferreira da Costa), B.M.J. 276-183 o fracionamento " […] tanto pode consistir numa operação material como num ato jurídico de que resulte, direta ou só mediatamente, a divisão de qualquer terreno destinado à construção (Ac. do S.T.A. de 11-4-1980, B.M.J. 276-183).

    O mero apoderar de parte de um imóvel por ocupante não configura uma operação material de divisão.

  5. Termos em que nenhum dos acórdãos citados na Decisão recorrida fundamentam nem a aplicação do Dec. Lei 289/73, nem a qualificação realizada na Decisão recorrida de “loteamento” muito menos as consequências legais da impossibilidade de aquisição da parcela dos Autos, por usucapião 11. Osvaldo Gomes, em Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1983, refere que o loteamento não é um «somatório de unidades interdependentes e autónomas, mas de lotes destinados a conservar, apesar da sua fragmentação, uma verdadeira coesão resultante do plano de conjunto preestabelecido», acrescentando que estavam excluídas do regime de loteamentos urbanos as situações em que, havendo embora divisão jurídica da propriedade, não haja lugar à formação de unidades autónomas.” 12. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente pelos acórdãos de 14 de Outubro de 1993 e de 22 de Outubro de 1999, Publicados nos apêndices ao Diário da República – Acórdãos da 1.ª Secção daquele Supremo Tribunal, do 4.º trimestre de 1993, e de 9 de Setembro de 2002, respectivamente, concluindo o primeiro que “não constitui loteamento urbano a divisão de prédio comum em que só um dos lotes seja afecto à construção” e que “não pode falar-se de loteamento num caso de divisão de terreno rústico de 3600 metros quadrados em dois lotes, um dos quais se destinou à construção de uma moradia e o outro manteve o seu destino rústico”. Escreveu-se ainda, no segundo aresto, que o requisito de divisão jurídica ou material de um ou vários prédios em lotes ou parcelas, exigida para o preenchimento de uma operação de loteamento no âmbito do Decreto-Lei n.º 400/84, “apenas se tem por preenchido quando da operação de divisão de um ou vários prédios até aí indivisos, resultarem, ou surgirem parcelas autónomas, ou lotes, sob pena de se estar a defraudar o regime e fim legais dos loteamentos definidos pelo legislador”.

  6. A construção em terreno alheio não pressupõe nem implica um fracionamento 14. As hipóteses de desanexação de uma só parcela de terreno...

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