Acórdão nº 755/13.2PASXL.L2-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Abril de 2016
Magistrado Responsável | FILIPA COSTA LOUREN |
Data da Resolução | 07 de Abril de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
EM CONFERÊNCIA ACORDAM, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA RELATÓRIO O MºPº, junto do Tribunal recorrido (Comarca de Lisboa, SEIXAL, Inst. Local-Secção Criminal-J1), veio recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho proferido a folhas 30, nestes autos de detenção de cidadão Estrangeiro em situação ilegal.
O arguido, cidadão Brasileiro, de seu nome J..., (…) , foi detido e depois interrogado no âmbito destes autos e ao abrigo do artº146º, nº1 da Lei 23/2007, de 4/07, no dia 27.12.2013.
No âmbito de tal interrogatório e através de despacho judicial transitado em julgado o arguido ficou sujeito á seguinte medida de coacção, transcrevendo-se aqui parcialmente o mesmo o qual consta a folhas 21 e 22 destes autos: (…) “das declarações do detido que o mesmo se encontra se encontra de facto em situação ilegal no território nacional, dado que é cidadão de nacionalidade Brasileira e não possui qualquer autorização de permanência no espaço português válido.
Resulta ainda, das declarações do próprio e da informação remetida pelo SEF, que o mesmo não obstante ter sido regularmente notificado para abandonar o território nacional pela identificada entidade, permaneceu em Portugal, tal circunstância é reveladora da sua determinação em não abandonar voluntariamente do País e representa um concreto perigo de fuga às autoridades competentes para instruir o seu processo de expulsão, tanto mais que o cidadão possui o seu passaporte já expirado.
Todavia verifica-se, por outro lado, que o cidadão em causa apresenta residência fixa e tem trabalho estável, mostrando-se assim a sua situação pessoal, com laços familiares em Portugal, com 3 filhos menores, em idade escolar, sendo capaz de providenciar pelo seu sustento e manifesta ainda intenção de se legalizar e obter nos próximos dias obter contrato de trabalho.
Mediante o exposto, afigura-se que as necessidades cautelares que se verificam, in casu, e que se confinam há necessidade de garantir a exequibilidade da futura decisão de expulsão, ficam suficientemente asseguradas atentos os princípios da legalidade, adequação e da proporcionalidade consagrados nos art. 191º,nº1 e 193º nº 1 e 2 do CPP com aplicação de uma medida de coacção não detentiva.
Assim deverá o cidadão aguardar os ulteriores termos de processo administrativo de expulsão, sujeito a TIR e ainda á obrigação de apresentação semanal no SEF, na delegação de Setúbal.
Termos em que, ao abrigo do disposto nos art. 142 nº2 al. a) e 146º nº 1 da Lei 23/2007 e art.191º,192º, 193º, 196º, 198º e 204 al. a) do CPP: -Valido a detenção do cidadão J..., por ter sido efectuada em observância no disposto no artº 146º; -Determino que o cidadão J..., aguarde os ulteriores termos processuais sujeito á medida de coacção de TIR e apresentação quinzenal no SEF, na delegação de Setúbal; -Restitua o arguido á liberdade: (…) Após, o arguido, a fls. 25 (10 de Março de 2014), e em fls.28 (20 Abril de 2015), veio nestes autos, sem sucesso, diga-se, requerer ao Tribunal “a quo” através de dois requerimentos a alteração da medida de coacção a que foi sujeito, e supra referida para apresentações mensais na PSP junto da sua área de residência, indicadas nos requerimentos por motivos laborais, económicos e familiares.
O 1º requerimento foi completamente ignorado e só mais de um ano depois, com a entrada de novo requerimento a fls. 28, é que o Tribunal “a quo” profere o despacho, agora sob censura e que infra se reproduzirá, através o qual em suma refere nada ter a decidir por se ter esgotado o seu poder jurisdicional.
O Ministério Público recorreu de tal decisão.
O recorrente (MºPº) inconformado com tal decisão apresentou no âmbito do seu recurso as seguintes conclusões: CONCLUSÕES 1 – por despacho de fls. 30 a Mmª Juiz a quo afirma que apenas tem de proceder a primeiro interrogatório judicial de cidadão estrangeiro detido por permanência ilegal e que a sua competência jurisdicional se esgota com esse acto nada tendo a apreciar sobre o que se passa no processo administrativo.
2 – nega assim pronunciar-se sobre o pedido de alteração efectuado pelo arguido que pretende apresentar-se periodicamente no OPC da área da sua residência; 3 - o artigo 117º, nº 1, do Decreto-Lei nº 344/98 de 8/8, dispõe que “o estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido por autoridade policial e, sempre que possível, entregue ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras acompanhado do respectivo auto, devendo o mesmo ser presente, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, ao juiz competente para a sua validação e aplicação de medidas de coacção”; 4 - Esta norma tem que ser vista em consonância como que dispõe o artigo 28º, nº 1, da Constituição, segundo o qual “a detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”.
5 - E daqui decorre que o cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional e que, por isso, seja detido, ao abrigo daquele normativo deve ser apresentado pelo SEF ao juiz e submetido a interrogatório judicial nos moldes previstos no artigo 141º do Código de Processo Penal, em ordem à subsequente apreciação da validade da detenção e aplicação de uma medida de coacção, de entre as previstas nos artigo 197º e seguintes do mesmo Código, pois que só após esse interrogatório estará o juiz legalmente habilitado a fazer essa apreciação e aplicação da medida de coacção, seja esta a imposição de TIR ou qualquer outra.
6 – Pelo que a constituição e a lei penal não querem que sejam os orgãos administrativos, nesta caso o SEF, a determinar qual seja a medida de coação exigindo que esta seja ponderada, justificada e aplicada por tribunal por forma a garantir todos os direitos de defesa; 7 – E, consequentemente, se é requerida a alteração da medida pelo dito cidadão não pode o juiz pronunciar-se no sentido de que nada tem a ver com isso porque tem obrigação de ponderar se se mantêm as necessidades cautelares, não podendo ser o OPC quem decide da alteração ou, pelo menos, permitindo sempre o controlo da sua alteração ou agravamento, se for caso disso e enquanto durar o processo administrativo.
8 – Bem como pronunciar-se sobre a eventual caducidade da medida; 9 – Ocorre assim omissão de pronúncia; 10 – Mas mais, ao assegurar o «acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos», a primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo 205.º). A defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos integra expressamente o conteúdo da função jurisdicional, tal como ela se acha definida no artigo 206.º da lei fundamental; 11 - Do mesmo passo, ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º.
12 - E não existe qualquer fundamento para justificar uma diferença de tratamento no que diz respeito à salvaguarda de direitos fundamentais entre cidadão estrangeiro e nacional. Pelo contrário, aquele preceito, art.º 13º da Lei Fundamental proíbe a discriminação de pessoa por mera razão da sua nacionalidade.
13 - apesar de a Constituição da República não consagrar expressa e textualmente, o «princípio da segurança jurídica», este tem sido associado e extraído do «princípio do Estado de Direito» (artigo 2.º, da CRP), à semelhança do que já sucedera, pela doutrina juspublicista germânica, relativamente ao artigo 20.º da «Grundgesetz» alemã. Tal princípio exige a garantia de previsibilidade das atuações jurídico-públicas (normativas e outras), por parte dos respetivos destinatários, desdobrando-se numa «dimensão apriorística» que pressupõe uma «certeza na orientação» e numa «dimensão aposteriorística», que já reclama uma «segurança na implementação» (adotando esta contraposição, ver Reinhold Zippelius, Filosofia do Direito, Quid Iuris, Lisboa, 2010, 215-216). Por um lado, o «princípio da segurança jurídica» exige que o legislador ordinário adote normas suficientemente claras e precisas, de tal modo que possam constituir parâmetro expectável da atuação a prosseguir pelos particulares, funcionando assim como verdadeiras normas de conduta («certeza na orientação»). Por outro lado, impõe ainda que uma atuação levada a cabo em consonância com as normas vigentes se consolide na ordem jurídica, a tal ponto que os poderes públicos garantam o respeito, por terceiros, das situações jurídicas geradas por tal atuação, se necessário, mediante o emprego de meios coercivos («segurança na implementação»).
14 - No caso ora em apreço, em meu entender, suscita-se o problema da compatibilidade da interpretação normativa aplicada com o princípio da segurança jurídica (artigo 2.º da CRP), na sua dimensão de «segurança na implementação» porquanto é expectável a quem veja aplicada uma medida de coação que possa requerer a sua alteração ao aplicador da mesma não ficando dependente apenas da administração pública.
15 – Pelo que a interpretação é ainda inconstitucional por violação do princípio da igualdade, da justiça e do Estado de Direito; Resta-nos aguardar a decisão de V.Exas. que é , por certo , a mais Justa.
(…) O recurso foi rejeitado através do despacho de folhas 42 destes autos.
Foi apresentada reclamação deste despacho...
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