Acórdão nº 1262/12.6IDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução05 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: 1.

Nos presentes autos com o NUIPC 1262/12.6IDLSB, da Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância ... – Secção Criminal – J... em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foram os arguidos “3C – C.C.Center–C. em D. e T., S.A.”, M.A. de J.H.Lucas e S.M.F.L.P.Piteira condenados, por sentença de 25/06/2015, nos seguintes termos: “3C – C.C.Center”, na pena de 330 dias de multa, à razão diária de 10,00 euros, no montante global de 3.300,00 euros, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 7º, nº 1, 105º, nº 1 e 107º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 05/06; M.Lucas, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sob condição de proceder, no mesmo prazo, ao pagamento ao Estado do montante de 143.075,90 euros, acrescido de juros legais vencidos e vincendos, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 105º, nºs 1, 2 e 4, alíneas a) e b), da Lei nº 15/2002, de 05/06 e 30º, nºs 1 e 2, do Código Penal; S.Piteira, na pena de 330 dias de multa, à razão diária de 6,00 euros, no montante global de 1.980,00 euros, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 105º, nºs 1, 2 e 4, alíneas a) e b), da Lei nº 15/2002, de 05/06 e 30º, nºs 1 e 2, do Código Penal; 2.

Os arguidos não se conformaram com o teor da decisão e dela interpuseram recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): a)Os Recorrentes M.A.J.H.Lucas, S.M.F.L.P.Piteira e 3C - C.C. Center - C. em D. e T., S.A., não praticaram um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105.º, n.ºs1, 2, e 4, alíneas a) e b), da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, e 30.2, n.ºs1 e 2, do CP, no caso dos arguidos pessoas singulares, e pelos artigos 7.º, n.º 1, e 107.º, n.º1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, e 30.º, n.ºs l e 2, do CP, no caso da arguida pessoa coletiva.

b)Não obstante os princípios rastreadores da prova para o Julgador - como os princípios da oralidade e da imediação da prova, bem como da livre apreciação da prova -, que balizam a convicção que, neles assente, se forma, afigura-se que parte da matéria subsumida às epígrafes dos "Factos provados" e dos "Factos não provados" não traduz com fidelidade o que resulta da prova produzida em julgamento, pelo que se impõe a sua reapreciação, em abono da verdade e da boa decisão da causa.

c)A prova arrolada, quer pela acusação, quer pela defesa, revelou algumas ideias essenciais que, no rigor da aplicação da lei, não permitem - nem podem permitir - a condenação dos arguidos pelo crime de que surgiram pronunciados.

d)O espírito do legislador deve ser interpretado de acordo com a occasio legis em que a letra da lei se estrutura para que, com essa sede histórica, se proceda a uma aplicação reveladora de um efetivo juízo de equidade. Também, a reconstrução da mens legislatoris para apurar a razão subjacente à lei (ou ratio legis), associada ao elemento teleológico, ou de finalidade, da norma, auscultando o fim social da lei, se apresentam como essenciais para que se alcance uma decisão justa. Assim, a interpretação e subsequente aplicação da lei não se pode ancorar apenas no mero elemento literal para que se aplique o Direito aos factos sem racionalizar circunstâncias envolventes.

e)A sentença aqui em crise entrincheirou-se na letra da lei, fazendo tábua-rasa da motivação adjacente a cada conduta dos arguidos e, principalmente, do específico momento e do enquadramento em que as mesmas se desenvolveram.

f)Constitui facto público e notório - o qual não carece de prova - que particularmente nos anos de 2010 e seguintes a economia portuguesa, não destoando da economia mundial e sendo por esta arrastada, sofreu uma recessão sem precedentes depois da crise financeira de 2007-2009, que em primeira linha minou o setor bancário. A sociedade Recorrente não ficou imune a este contexto recessivo, cujo lastro a arrasou.

g)As dificuldades sofridas geraram exponenciais contingências principalmente porque quando os principais sintomas de declínio e de falta de apoio financeiro se começaram a fazer sentir com maior acutilância, a arguida 3C - C.C.Center,S.A. estava excessivamente dependente das instituições financeiras, e com necessidade de suportar o avultado Investimento em novas instalações.

h)Em paralelo, a atividade de call center, desenvolvida pela sociedade arguida, passou a sofrer uma acérrima concorrência por parte de outros agentes no mercado, aliando-se a essa disputa mercantil um esmagamento das margens de lucro.

i)A 3C - C.C. Center, S.A. tinha, à data dos factos, no seu quadro de colaboradores cerca de 700 (setecentas) pessoas - a que corresponde número equivalente de famílias.

j)Para ultrapassar as dificuldades de cumprimento pontual e integral das suas obrigações, a sociedade Recorrente formulou, por sua iniciativa, pedidos de pagamento faseado, incluindo quanto às obrigações fiscais perante a Autoridade Tributária e Aduaneira.

k)Devido à excecional debilidade económico-financeira que a afetou, a sociedade arguida teve necessidade de se candidatar ao Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), candidatura essa que foi deferida pelo IAPMEI, em 31 de outubro de 2012, tendo o plano de pagamentos sido objeto de acordo, mediante prestação de garantias pela sociedade Recorrente, e encontra-se em cumprimento.

l)O SIREVE surge no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, acordado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, prevendo um conjunto de medidas que têm como objetivo a promoção dos mecanismos de recuperação extrajudicial de devedores, concatenando procedimentos alternativos ao processo de insolvência, e sendo reconhecido como instrumento fundamental numa estratégia de recuperação e viabilização das empresas em situação económica difícil, acompanhado pelo IAPMEI e não pelos tribunais.

m)A Recorrente 3C - C.C.Center, S.A. só se mantém ativa com o empenho e dedicação diária de todos os seus colaboradores - cfr. § 38 dos Factos provados. E tal sucede porque estes recebem os seus vencimentos com pontualidade.

n)Aos Recorrentes pessoas singulares não foi facultada qualquer opção entre pagar ou não pagar ao Fisco na data de vencimento das suas obrigações, sendo injuntivo, em claríssimo estado/direito de necessidade, o pagamento dos vencimentos dos seus trabalhadores e demais colaboradores para a sobrevivência da sociedade e, consequentemente, para angariar receitas destinadas ao cumprimento - ainda que prestacional - dessas mesmas obrigações fiscais.

o)Estes factos conjunturais compeliram os arguidos a atuar como atuaram, não desistindo de manter a sociedade ativa, com os seus colaboradores, factos esses (sem contemplar os factos notórios), que o Tribunal o ovo, ainda que de forma deficitária, julgou genericamente provados - cfr. parágrafos 1,3,19,20, 21, 30,31,32, 33,34,35, 36, 37,38, 39,40 e 41 dos Factos provados.

p)Todavia, a factualidade julgada peca, em parte, por defeito, e noutra parte, por cristalino erro de julgamento.

q)Destaca-se, pela sua importância, a falta de menção na sentença a factos suplementares aduzidos pelas testemunhas e que provam, com irrepreensível eloquência, o estado/direito de necessidade e o conflito obrigacional a que os Recorrentes foram sujeitos.

r)A administração de facto atribuída à Recorrente S.Lucas, no que respeita ao pelouro financeiro, não pode ter-se como assente, nem se pode admitir como provado que ambos os Recorrentes pessoas singulares decidiram as questões atinentes aos pagamentos da sociedade Recorrente e às entregas ao Fisco das quantias retidas e que, de forma antagónica, não resulte provado da abundante prova nesse sentido produzida em julgamento que o pelouro financeiro não se integra no âmbito dos pelouros executivos da Recorrente S.Lucas, mas sim do Recorrente M. Lucas, seu pai.

s)A Recorrente S.Lucas, apesar de estar designada como administradora e de a sua assinatura contribuir para a vinculação da sociedade Recorrente, não tinha sob a sua alçada o pelouro financeiro desta, não tendo, em consequência, domínio de ação e vontade no que concerne a tais matérias. Nesse sentido prestaram declarações os arguidos e depuseram as testemunhas D.P.M.C. Thiesa, J.M.C.P.Borges, M.F.M.L.Almeida, N.A.A.F.Sousa, R. A.C.P.Guerreiro, R.A.Joaquim e J.A.R.F.Guerra, depoimentos esses que praticamente esgotam quase toda a prova testemunhal produzida em audiência e que angariam absoluta sintonia quanto à distribuição efetiva de pelouros, não coincidindo aqueles que estavam alocados à Recorrente S.Lucas com os que eram do domínio de seu pai, o Recorrente M.Lucas.

t)A administração de direito estava confiada a ambos os Recorrentes pessoas singulares, ficando a Recorrente 3C - C.C. Center, S.A. obrigada com a assinatura dos dois administradores, e não apenas de um - como, de resto, consta do registo comercial -mas a administração de direito não coincide, quanto ao pelouro financeiro (único que interessa abordar no caso dos autos), com a administração de facto da sociedade Recorrente.

u)Não é indiferente conhecer, na situação sub judice, se existia, de facto, à data a que se reportam os factos, uma diferenciação efetiva de pelouros no contexto da administração da sociedade Recorrente - ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, desprezando a importância de conhecer essa dicotomia entre administração financeira executiva e não executiva.

v)Essa diferenciação, para efeito de tutela penal, não pode ser postergada, pois a sindicância penal de uma conduta exige conhecer condignamente o perímetro de atuação do agente e a natureza dessa mesma atuação.

w)Não basta referir que a Recorrente S.Lucas estava diariamente nas instalações da empresa Recorrente, que estava inteirada da...

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