Acórdão nº 473/12.9TVLSB-C.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em fevereiro de 2012 C (…), Lda, intentou nas Varas Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra P (…), S.A.

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A A. alegou, em síntese, que em 15.10.2010 celebrara com a R. um contrato-promessa de compra e venda, mediante o qual a R. se comprometera a vender à A. e esta se obrigara a comprar à R. uma parcela de terreno situada na Zona de Intervenção da Expo 98, em Lisboa.

Sucede que, por culpa da R., o contrato foi definitivamente incumprido.

A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar à A. a quantia de € 1 050 000,00, correspondente ao sinal em dobro ou, subsidiariamente, o valor do sinal em singelo e ainda, independentemente da procedência dos pedidos anteriores, que a R. fosse condenada a pagar à A. uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual, em valor não inferior a € 1 320 325,31.

A R. contestou e reconvencionou, pedindo que fosse declarado fundamentadamente resolvido o contrato-promessa pela R., fazendo a mesma seu o sinal entregue.

A A. replicou e a R. treplicou.

O tribunal a quo fixou à ação o valor de € 2 370 325,31, não atribuindo, para esse efeito, autonomia ao pedido reconvencional, por constituir mero reverso do peticionado pela A.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, foi proferida sentença (em 06.11.2013), parcialmente favorável à A., que foi alvo de alteração, pela Relação de Lisboa (em 15.5.2014), na sequência de recurso de apelação que fora interposto pela R., acórdão esse que por sua vez foi revogado por acórdão do STJ (em 15.01.2015), na sequência de recursos de revista interpostos pela A. e pela R. (esta subordinadamente), do qual resultou o total ganho de causa pela R..

Transitado em julgado o acórdão do STJ, foi elaborada conta de custas, relativamente a cada uma das partes, imputando-se à A., ora apelante, taxa de justiça no montante total de € 42 381,00, da qual estaria em dívida € 38 301,00, e à R. taxa de justiça no montante total de € 40 035,00, do qual estaria em dívida € 38 326,50.

A A.

, notificada da conta, dela reclamou, pedindo, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do RCP, que fosse dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, correspondente ao valor da ação excedente a € 275 000,00.

Em 10.9.2015 foi proferido despacho em que se indeferiu o aludido requerimento, por extemporaneidade.

A A. apelou de tal despacho, tendo apresentado alegações, em que formulou as seguintes conclusões: I. O presente recurso é interposto com fundamento nas disposições conjugadas dos artigos 629.°, n.° 1, 631.°, n.° 1, 644.°, n.° 2, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, e do artigo 31.°, n.° 6, do Regulamento das Custas Processuais.

  1. O presente recurso tem por objeto o douto despacho de 10 de setembro de 2015 (fls. 1559 e 1560 dos autos principais), que julgou extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, que havia sido formulado pela ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas.

  2. Na verdade — ao invés do decidido no douto despacho recorrido —, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (artigo 6.°, n.° 7, do Regulamento das Custas Judiciais) pode ser apresentado após a notificação às partes da conta de custas, dentro do prazo disponível para a reclamação da dita conta.

  3. Com efeito, a questão da dispensa do remanescente não se pode considerar abrangida pelo caso julgado da sentença ou acórdão finais, uma vez que estes últimos se limitam a fixar definitivamente a repartição da responsabilidade pelas custas, mas não o montante das mesmas.

  4. Para além disso, o mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo, relação que é radicalmente negada quando a Recorrente se vê confrontada com um encargo de custas processuais de 105 985,65 €, numa acção declarativa de reduzida complexidade, cuja audiência de produção de prova durou menos de 8 horas.

  5. Ora, só depois de elaborada a conta final do processo é que o tribunal e as próprias partes ficam a conhecer o valor exato da taxa de justiça que seria devida e se encontram em condições para apreciar devidamente se o valor da taxa de justiça é ou não é excessivo e desadequado face ao circunstancialismo do processo.

  6. Conforme resulta do artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, o tribunal tem o poder-dever de dispensar oficiosamente o remanescente da taxa de justiça, quando a "especificidade da situação o justificar", pelo que não se compreende porque não o poderia fazer, após a notificação da conta de custas – momento em que a desproporcionalidade das custas em face da actividade processual concreta se torna finalmente patente e manifesta.

  7. Até porque, o poder jurisdicional do Tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta de custas, como aliás, se comprova pelo facto de o Tribunal poder apreciar pedidos de reforma e de reclamação da dita conta.

  8. A nulidade processual reconhecida pelo Tribunal "a quo" no outro despacho de 10.09.2015, consubstanciada na omissão da notificação à Ré que, nos termos do artigo 14°, n° 9, do Regulamento das Custas Processuais, deve ser efectuada "nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n° 7 do artigo 6º' contribuiu objectivamente para que a Recorrente não tivesse suscitado a dispensa do remanescente, em momento anterior à notificação da conta de custas.

    X.

    À luz da referida finalidade do artigo 6°, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais de evitar desproporções excessivas entre as custas processuais e o serviço de justiça prestado, seria até inconstitucional — por violadora do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça (artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, e 20.° da Constituição da República Portuguesa) — a interpretação do referido artigo 6.°, n.° 7, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer pode apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas.

  9. Por outro lado, sempre deveria considerar-se materialmente inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigos 2°, 13°, 18°, N° 2, E 20°, n°S 1 e 2° da C.R.P.), a interpretação dos artigos 6°, n°s 1, 2 e 7, 31 °, n°s 1 e 3, e Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, segundo a qual numa acção de condenação por incumprimento de um contrato-promessa, sem qualquer complexidade, o volume da taxa de justiça e, portanto, das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, com o efeito de fazer ascender a conta de custas processuais (incluindo custas de parte) a € 105 985,25.

  10. Por conseguinte, o tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, n.° 7, parte final, e 31.°, n.°s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pela ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas.

  11. A taxa de justiça global de € 82.416,00, tal como fixada na conta final, é manifestamente excessiva e desproporcionada para um processo no qual (i) se discutiu apenas uma questão jurídica simples, relativa ao incumprimento e resolução de um (e só um) contrato-promessa de compra e venda de um imóvel (com 6 considerandos e 15 cláusulas), cuja apreciação não requer qualquer tipo de especialização do julgador, e em relação à qual já existe, desde há muito, jurisprudência e doutrina consolidadas, (ii) se discutem questões de facto notoriamente simples, não se produzem meios de prova onerosos (como perícias e inspeções judiciais) e a audiência de julgamento tem uma duração que não chega a 8 horas, com a inquirição de apenas 10 testemunhas, (iii) ambas as partes se comportaram de forma correta e colaborante, tendo deduzido pretensões de tal forma fundadas que a Recorrente ganhou em primeira e segunda instâncias (enquanto a contraparte venceu no Supremo Tribunal de Justiça), e contribuído para que o processo ficasse definitivamente decidido em menos de 3 anos.

  12. Por conseguinte, estão patentemente verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor global de € 78.336,00 (dos quais € 39.933,00 imputados à Recorrente e € 38.403,00 à contraparte), ao abrigo do disposto no n.°...

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