Acórdão nº 2455/13.4YYLSB-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução14 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO G.E., S.A.

., com sede na ……., veio deduzir oposição, em 11.03.2013, contra CARVÕES, LDA., com sede ……. - por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, titulado por sentença arbitral datada de 02.12.2012, que esta deduziu contra aquela - tendente a obter a respectiva extinção do pedido executivo.

Fundamentou a opoente, no essencial, a sua pretensão, nos seguintes termos: 1. O título dado à execução é uma sentença arbitral proferida já depois da Lei n.º 63/2011, de 14.12, Nova Lei da Arbitragem Voluntária – NLAV), mas tendo-se iniciado o processo em meados de 2008, é aplicável ao caso a Lei n.º 31/86, de 29.08, sendo a mesma passível de impugnação com fundamento na sua anulabilidade, nos termos e para os efeitos do artigo 27º daquele diploma.

  1. A Exequente cumulou ilegalmente juros de mora com a actualização da quantia indemnizatória fixada na decisão arbitral, pretendendo, dessa forma, obter um benefício ilegítimo no valor de €4.776.248,14, a título de juros de mora vencidos desde 2005, para o qual inexiste título executivo.

  2. Existe erro de cálculo aritmético da quantia exequenda, quer no que respeita ao cálculo da actualização das dívidas, quer no que respeita ao início da contagem dos juros de mora, bem como no que concerne à taxa de juros de mora aplicada.

  3. A sentença exequenda ofende a ordem pública interna, na medida em que viola o regime jurídico da prescrição, cujas normas são parte da ordem pública do ordenamento jurídico português, condenando a ora Opoente no pagamento de dívidas prescritas, quando a prescrição tinha sido expressamente invocada, 5. Enferma ainda a sentença de falta ou insuficiência de fundamentação porque não esclarece a razão pela qual entendeu que nas compras de carvão de 1985 e 1986 havia liberdade de negociação de preço, diversamente do que entendeu suceder nas compras de 1987; 6. Viola também a sentença o princípio do dispositivo relativamente a uma componente do montante indemnizatório.

  4. A peticionada sanção pecuniária compulsória não é devida e, para o caso de assim não se entender, deverá ser reduzido o seu valor diário para o valor diário de €182,04.

    Foi liminarmente admitida a oposição e, notificada a exequente, veio esta deduzir contestação, na qual reconhece, no que respeita ao cálculo aritmético da quantia exequenda, que não existe título executivo quanto aos juros moratórios, que apenas são devidos a partir da decisão actualizadora.

    Invocou, por outro lado e, em síntese, que: 1. A nova LAV aplica-se à presente execução, porquanto a mesma foi instaurada após a data da sua entrada em vigor.

  5. A oposição deduzida não se enquadra em qualquer dos fundamentos que o artigo 814º do CPC taxativamente prevê.

  6. Não ocorre qualquer dos fundamentos previstos para a acção de anulação da sentença arbitral mencionados no artigo 815º do CPC e no artigo 46º, n.º 3 da LAV de 2011, pois estes são exclusivamente de índole adjectiva, não sendo permitido, como pretende a executada, censurar o mérito da decisão final, ou das decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo, que nela tenham influído.

  7. Os fundamentos invocados pela executada apenas poderiam ter sido por si invocados em acção de anulação da sentença arbitral, ou no prazo de propositura da mesma, que a executada não intentou atempadamente, com o que viu precludido o direito os invocar, não se verificando, de todo o modo, qualquer dos fundamentos previstos no artigo 46º, n.º 3 da LAV de 2011 ou no artigo 27º da LAV de 1986.

  8. É extemporânea a invocação do erro na apreciação da certidão extraída da acção nº 1538/05.9BEPRT, por não ter sido colocada à consideração do Tribunal Arbitral.

  9. A prescrição não integra o conceito de ordem pública, qualquer violação desta.

  10. A decisão arbitral não enferma de falta absoluta de fundamentação, e que apenas esta constitui causa de anulação; 8. Não se verifica qualquer violação do princípio do dispositivo, porquanto o valor da condenação é claramente inferior ao do pedido, sendo que decorreu já o prazo para se requerer a rectificação de qualquer erro de cálculo inserto na decisão arbitral.

    Impugnou, no mais, a exequente, os factos alegados pela executada/opoente e pugnou pela improcedência da oposição à execução e à penhora.

    Teve lugar a audiência preliminar, no âmbito da qual foi facultado o exercício do contraditório no que respeita às questões colocadas no âmbito da contestação, e se procedeu à discussão de facto e de direito das questões a decidir.

    O Tribunal a quo proferiu desde logo decisão final, em 27.05.2015, por entender que seria possível conhecer do mérito da oposição, sem necessidade de mais provas, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Em face do exposto, e ao abrigo do disposto nos citados preceitos legais, decido: a. julgar a oposição parcialmente procedente por provada e, em consequência julgar extinta a execução no que respeita aos pedidos de juros e de fixação de sanção pecuniária compulsória; b. julgar, no mais, a oposição improcedente, por não provada.

    Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento – artigo 446º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.

    Registe, notifique e informe o Agente de Execução.

    Inconformada com o assim decidido, a executada/opoente interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

    São, designadamente, as seguintes as extensas CONCLUSÕES da recorrente: i. O regime aplicável à anulabilidade e à oposição à execução da decisão arbitral impugnada nos presentes autos é o que resulta da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, e das disposições do Código do Processo Civil para as quais aquela remetia, porque a arbitragem que culminou na decisão arbitral impugnada nos presentes autos decorreu, quase inteiramente, na vigência da LAV de 1986, só aquela decisão tendo sido proferida na vigência da LAV de 2011.

    ii. Apesar de o art. 27.º da LAV de 1986 não referir expressamente “a contrariedade à ordem pública”, entre os fundamentos de anulação da sentença arbitral nele elencados, entendia a melhor doutrina, secundada por decisões dos tribunais superiores portugueses, que essa omissão não implicava que a sentença arbitral de que não coubesse recurso ordinário e que resultasse em violação de regras ou princípios da ordem pública, ficasse imune ao controlo dos tribunais estaduais, a fim de poder ser por estes anulada, com tal fundamento.

    iii. Para a maioria dos autores que admitiam de jure constituto esta causa de anulação da sentença arbitral, aquilo que constituía fundamento de anulação da sentença arbitral era a violação de “ordem pública interna” (de direito material).

    iv. Com efeito, sendo a ordem pública um fator sistemático de limitação da autonomia privada, essa limitação impunha-se tanto às partes, na sua actuação negocial, quanto aos árbitros (e aos juízes) que tivessem de julgar os litígios entre elas surgidos.

    v. Em bom rigor, o princípio enunciado no art. 280.º, n.º 2, do Código Civil, que continha um imperativo basilar de salvaguarda do sistema jurídico, permitiria sempre ao tribunal estadual anular a sentença arbitral que tivesse um resultado contrário à ordem pública, sem necessidade de tal fundamento de anulação estar explicitado no art. 27.º, n.º 1, da LAV de 1986.

    vi. A ‘ordem pública’ é um conceito indeterminado, semelhante a outros a de que os sistemas jurídicos sofisticados não prescindem, pelo que, tal como acontece com outros conceitos indeterminados, também este tem de ser densificado ou integrado pela jurisprudência, com o auxílio da doutrina.

    vii. O conjunto de princípios e regras que integram a ‘ordem pública’ duma ordem jurídica tem um âmbito mais restrito do que o universo das normas imperativas dessa ordem jurídica.

    viii. Esta asserção vale mesmo perante a aceção daquele conceito que pode estar em causa em arbitragens puramente domésticas, ou seja, a que se designa por ‘ordem pública interna’ (por oposição à ‘ordem pública internacional’).

    ix. Em sede de anulabilidade de decisões arbitrais pelos tribunais estaduais, a noção de ‘ordem pública’ relevante é a usualmente apelidada de ordem pública de direito material, a que se referem os arts. 81.º, n.º 1, 182.º, d), 192.º, n.º 2, d), 271.º, 280.º, n.º 2, 281.º, 345.º, 465.º, a), 800.º, n.º 2, 967.º, 1083.º, n.º 2, b), 2186.º, 2230.º, n.º 2, e 2245.º do Código Civil.

    x. Desta noção de ‘ordem pública de direito material’ há que distinguir a “excepção ou reserva de ordem pública internacional” (ordem pública de direito internacional privado) ― prevista no art. 22.

    º do CC, no art. 56.º, n.º 1, b), ii) da LAV de 2011 e no art. 978.º f) do CPC atual (art. 1096, f) do CPC de 1961) ― que constitui um limite ou barreira à aplicação do direito estrangeiro competente segundo as pertinentes normas de conflitos ou ao reconhecimento de uma decisão estrangeira.

    (…) xi. O pedido de anulação da decisão arbitral formulado pela Embargante na oposição à execução contra ela movida, deve, por isso, ser apreciado “por recurso aos critérios gerais de direito”, sendo o reduto axiológico-normativo compreensivo formado pela ‘ordem pública interna’ que deve convocado para esse efeito.

    xii. É errada a proposição segundo a qual “ao juiz competente para anular a sentença arbitral é vedado o reexame do mérito da sentença”, que só por flagrante erro de leitura e desconhecimento do escopo da disposição do n.º 9 do art. 46.º da LAV de 2011 se pode ver aí consagrada.

    (…) xiii. O juiz, ao apreciar a sentença arbitral submetida ao seu controlo, tem o dever de verificar se tal sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica do foro.

    xiv. Há, portanto, que não confundir revisão e controlo da sentença, mesmo quando ambos incidem sobre questões atinentes ao fundo da causa, como acontece no controlo para verificar se houve ofensa da ordem pública, sendo os objetivos do juiz clara e radicalmente...

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