Acórdão nº 8945/13.1TDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução14 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. RELATÓRIO.

    No âmbito do processo supra identificado da 1ª. Sec. Criminal-J6 da Instrução Central da Comarca de Lisboa, o Mº.Pº. decidiu-se pelo arquivamento dos autos de inquérito quanto aos crimes p.p. pelos artigos 360 e 365 do C.P. denunciados pelo Assistente R... contra a arguida S.... Ordenou-se também naquele despacho de arquivamento, a notificação do assistente para querendo, deduzir acusação quanto ao crime de natureza particular, previsto no artigo 180 do C.P., contra a arguida, exarando desde logo o Mº.Pº., que não acompanharia a eventual acusação que viesse a ser deduzida em relação aos factos investigados.

    O assistente deduziu então acusação particular contra a arguida, imputando-lhe a prática do crime de difamação p.p. pelo artigo 180-1 do C.P., nas páginas 787 a 818 destes autos.

    A arguida requereu a abertura da Instrução relativamente aos factos da acusação particular, nas fls. 992 a 1025 dos autos.

    O assistente requereu a abertura da instrução relativamente aos factos objecto do arquivamento do Mº.Pº., nas folhas 884 a 923 dos autos.

    O despacho exarado a folhas 1094 dos autos admitiu e declarou a abertura da instrução. Deste despacho foi interposto recurso pela arguida, a fls. 1184.([1]) Realizada a Instrução, foi proferida a decisão Instrutória, constante de fls. 1223 a 1236 dos autos, da qual consta a final: (transcreve-se) Face ao exposto e nos termos do disposto nos artºs. 307° e 308° CPP, decido não pronunciar a arguida S... pela prática de um crime de denúncia caluniosa previsto e punido pelo artº. 365° CP, de um crime de falsidade de testemunho agravado previsto e punido pelos artºs. 360° n°.1 e 361° n°.1 b) CP e de um crime de difamação previsto e punido pelo artº. 180° n°.1 CP.

    Desta decisão o assistente interpôs recurso, cujas motivações e conclusões constam de fls. 1286 a 1375 dos autos.

    Por serem as conclusões que definem o objecto do recurso,([2]) transcrevem-se as mesmas: 1) O Despacho de Não Pronúncia ao omitir os factos suficientemente indiciados e os não suficientemente indiciados e a apreciação critica sobre a prova carreada para os autos está ferido de nulidade, devendo esta ser declarada por esse Venerando Tribunal.

    2) A não se entender assim, então haverá que ser proferido despacho de pronuncia contra a arguida pois resulta dos autos prova indiciária mais do que suficiente da prática pela arguida dos crimes pelos quais foi acusada em sede de acusação particular e em sede de RAI, estando reunidos todos os pressupostos de que depende a aplicação à mesma das penas correspondentes.

    3) Foram violados os artigos 6º, 20º e 205º nº 1 da CRP e artigos 97º nº 5 e 308º do CPP.

    Nestes termos deverá o presente recurso obter provimento com todas as consequências legais.

    O Mº.Pº. respondeu ao recurso, nas folhas 1394 a 1398, concluindo como vai transcrito: 1- Não existem nos autos indícios suficientes que permitam imputar à arguida S..., a prática dos crimes de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artº 360º, e de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art° 365º, ambos do Código Penal, 2-Analisada a prova produzida, verifica-se que, caso fosse sujeita a julgamento, existiria uma séria probabilidade de não lhe ser aplicada qualquer pena, ou seja, de a mesma vir a ser absolvida.

    3-Consequentemente, correcta foi a decisão da M. tª Juiz do Tribunal de Instrução Criminal ao proferir o despacho de não pronuncia.

    Razão pela qual, deve ser mantido na íntegra o despacho recorrido, assim se fazendo Justiça.

    Nas folhas 1382 a 1393, a arguida respondeu ao recurso, concluindo que improcedendo a argumentação da motivação do recurso, deve o mesmo ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão de não pronúncia.

    Neste Tribunal, o Ex.mº. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos e ali aderiu à resposta do Mº.Pº na 1º.Instância.

    Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

  2. MOTIVAÇÃO.

    Cumpre agora apreciar os dois recursos: I. O da arguida sobre o despacho de recebimento do requerimento para abertura da instrução requerida pelo Assistente.

  3. O do assistente, interposto da decisão de não pronúncia da arguida.

    Começaremos pelo que foi interposto pela arguida, relativamente ao despacho que admitiu o requerimento de abertura da Instrução do assistente.

    Nas motivações que foram juntas pela arguida/recorrente, de fls. 1184 a 1214 dos autos, concluiu-se: (transcreve-se) 1ª. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 1094 dos autos, que admitiu o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente R..., impugnando o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público quanto aos crimes de falsidade de testemunho e de denúncia caluniosa.

    1. Resulta do artigo 287.º n.º 2 do CPP que, contrariamente ao que sucede relativamente aos requerimentos de abertura de instrução apresentados por arguidos, em casos de despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo Ministério Público, os requerimentos de abertura de instrução apresentados por assistentes não podem limitar-se à mera impugnação do despacho de arquivamento.

    2. E bem se compreende que assim seja, pois o requerimento de abertura de instrução apresentado por assistente, na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, não tem a antecedê-lo uma acusação que tenha fixado o objeto do processo e delimite o âmbito da eventual pronúncia.

    3. Assim, o requerimento de abertura de instrução do assistente terá de conter uma acusação em sentido material, descrevendo os factos e indicando as disposições legais que fundamentem a aplicação à arguida de uma pena ou de uma medida de segurança.

    4. É o que inquestionavelmente se extrai da parte final do supra citado n.º 2 do artigo 287º, onde, depois de se indicarem os requisitos gerais dos requerimentos de abertura da instrução, se determina a aplicação, ao requerimento do assistente, do disposto no artigo 283º n.º 3 alíneas b) e c) do CPP, ou seja, as exigências que, sob pena de nulidade, a acusação terá de satisfazer: “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” e “a indicação das disposições legais aplicáveis”.

    5. É este o sentido da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores desde há largos anos.

    6. A ratio da parte final do n.º 2 do artigo 287º do CPP prende-se com o princípio da vinculação temática, uma vez que, tendo o Ministério Público proferido despacho de arquivamento quanto aos crimes de falsidade de testemunho e de denúncia caluniosa, o objeto do processo quanto a estes crimes só poderia ser fixado pelo requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente.

    7. O requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente quanto aos crimes de falsidade de testemunho e de denúncia caluniosa deveria fixar também o objeto da instrução, traçando os limites dentro dos quais se haveria de desenvolver a atividade de cognição do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal e determinando que a decisão instrutória (maxime, de pronúncia) só pudesse recair sobre os factos que foram objeto da acusação material que deveria estar contida no requerimento de abertura de instrução.

    8. Na ausência de acusação do Ministério Público, a acusação material deduzida pelo assistente quanto aos crimes de falsidade de testemunho e de denúncia caluniosa, em sede de requerimento de abertura de instrução, é pois o que delimita o objeto de processo (no que a estes crimes concerne, evidentemente sem prejuízo da acusação particular deduzida por crime de difamação), como decorrência dos princípios do acusatório e da vinculação temática, garantias fundamentais de uma defesa efetiva da arguida, e ambos princípios constitucionalmente consagrados.

    9. Além disso, o requerimento de abertura de instrução deduzido por assistente, subsequente a um despacho de arquivamento, também está balizado pela estrutura acusatória do processo.

    10. As fases subsequentes do processo – fase de instrução, quando a exista, e fase de julgamento – estão dependentes – e estão balizadas – pela necessária e prévia existência da fase de inquérito, à qual estão intrinsecamente ligadas, pois, como é sabido, no momento da dedução da acusação (pelo Ministério Público ou, inexistindo esta, pelo assistente em sede de requerimento de abertura de instrução), estabiliza-se o objeto do processo, conferindo-lhe assim uma estaticidade ou cristalização, que se consubstancia numa vinculação temática quanto aos poderes cognitivos do Juiz.

    11. Efetivamente, por força do princípio da vinculação temática, o objeto do processo fixa-se numa acusação concreta, não podendo ser proferida nem decisão instrutória de pronúncia, nem decisão condenatória senão relativamente a factos constantes dessa mesma acusação, como resulta dos artigos 1º alínea f), 303º e 359º, todos do CPP.

    12. Assim, nas fases subsequentes do processo, o Juiz apreciará os factos previamente fixados num concreto libelo acusatório (para além dos factos que, perante estes, foram invocados pela defesa), assim se respeitando, formal e materialmente, a estrutura acusatória do processo, bem como o princípio da vinculação temática que estrutura o processo penal português.

    13. Com efeito, as limitações decorrentes dos princípios do acusatório e da vinculação temática garantem igualmente a inexistência de incertezas quanto ao objeto da defesa da arguida, ou seja, tais limitações são intrinsecamente conexas com o núcleo das garantias da defesa, impedindo a condenação desta por factos diversos dos constantes da acusação ou da pronúncia, se a houver (sem prejuízo do regime consagrado nos artigos 358º ou 359º, ambos do CPP).

    14. Em suma, uma instrução que não pudesse...

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