Acórdão nº 1 290/11.9TXLSB-L.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução14 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, por decisão de 16/11/2015, constante de fls. 68/73, foi ao Arg.

[1] AAA, com os restantes sinais dos autos (cf. ficha biográfica de fls. 51), negada a liberdade condicional nos seguintes termos: “…I. RELATÓRIO Identificação do recluso: AAA Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.º n.º 1 e 173.º e ss., todos do CEPMPL) em renovação da instância com referência ao marco dos dois terços da pena.

Foi elaborado relatório pelos serviços de tratamento prisional e reinserção social versando os aspetos previstos no art. 173.º n.º 1 als. a) e b) do CEPMPL.

O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL).

Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional (art. 176.º do CEPMPL).

O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art. 177.º n.º 1 do CEPMPL).

  1. FUNDAMENTAÇÃO A) De facto i) Factos mais relevantes: 1.

    Circunstâncias do caso: o recluso cumpre a pena de 12 anos e 4 meses de prisão, aplicada no processo n.º 269/06.7GABBR do tribunal judicial do Bombarral, pela prática de um crime de homicídio e de um crime de detenção de arma proibida, consubstanciados resumidamente em, na sequência de uma discussão, ter efetuado dois disparos de pistola na direção da vítima, que se encontrava a cerca de 1,5 metros de distância, tendo um dos disparos atingido a vítima no hemitórax esquerdo.

    1. Cumprimento da pena: início em 17/09/2006, meio em 17/11/2012, dois terços em 07/12/2014, cinco sextos em 27/12/2016 e termo em 17/01/2019.

    2. Vida anterior do recluso (antecedentes e condições pessoais): natural da atual Crimeia, refere ter sido casado e ter tido uma filha, tendo a sua mulher e a sua filha falecido; refere ter exercido no seu país de origem a profissão de professor de geografia e biologia, durante cerca de vinte anos; emigrou para Portugal em 2000, tendo trabalhado no setor agrícola; não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

    3. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime – revela alguma ambivalência quanto aos factos que originaram a reclusão; tem consciência dos danos causados, mas desculpabiliza-se invocando ter atuado por legítima defesa; saúde – vem mantendo acompanhamento ao nível da psiquiatria, por manifestar períodos de instabilidade emocional; neste momento encontra-se emocionalmente equilibrado; personalidade – evidencia alguma dificuldade ao nível do controle da impulsividade; comportamento – do seu registo constam quatro sanções disciplinares, a duas últimas por factos praticados em janeiro e fevereiro de 2014, consubstanciadas em 12 dias de internamento em cela disciplinar e uma repreensão escrita; atividade ocupacional/ensino/formação profissional – trabalha desde 2009, sendo atualmente na oficina das tampas; nos anos letivos 2013/2014 e 2014/2015 frequentou o curso “Português para Todos”; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais – não frequenta; medidas de flexibilização da pena – não beneficiou, até à data, de medidas de flexibilização da pena.

    4. Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/projetos futuros – não dispõe de apoio familiar em Portugal, sendo visitado no estabelecimento prisional por membros da associação “RUTE”; verbaliza não ter atualmente qualquer referência familiar no seu país de origem; tenciona permanecer em Portugal, pretendendo ser acolhido e ajudado pela associação “RUTE”; a vítima era de nacionalidade ucraniana e na zona onde ocorreu o crime encontram-se radicados vários cidadãos ucranianos, sendo o recluso ali considerado persona non grata; o paradeiro dos familiares da vítima é desconhecido.

    5. Foi alvo de decisão de expulsão administrativa por parte do serviço de estrangeiros e fronteiras.

    6. Formulou pedido de asilo que foi admitido, pelo que a decisão referida em 6. está suspensa.

    ii) Motivação da matéria de facto: A convicção do tribunal no que respeita à matéria de facto resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica do recluso, do seu certificado de registo criminal, do relatório junto aos autos elaborado pela equipa técnica única, dos documentos juntos pelo serviço de estrangeiros e fronteiras e pelo recluso, que fazem fls. 300 e s. e fls. 326 e ss., do parecer do conselho técnico e das declarações do recluso.

    1. De direito “A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).

    Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. art. 61.º n.º 3 do código penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.

    Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expetativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente e sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração e na prevenção de cometimento de novos crimes.

    Na avaliação da prevenção especial o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.

    No caso presente, afigura-se ao tribunal continuarem patentes fragilidades do ponto de vista da prevenção especial. Na verdade, muito embora o recluso assuma os factos e tenha consciência dos danos causados, revela alguma ambivalência quanto a tais factos e desculpabiliza-se com a invocação de uma legítima defesa que não encontra correspondência na decisão condenatória. Esta circunstância, aliada ao facto de o recluso evidenciar alguma dificuldade ao nível do controle da impulsividade e de ter de manter acompanhamento psiquiátrico na sequência de períodos de instabilidade emocional, não permite que se formule um juízo de prognose favorável ao nível da prevenção especial negativa. Efetivamente, estes são fatores criminógenos relevantes que, pelos motivos enunciados, permanecem patentes.

    Por outro lado, o recluso não dispõe de apoio familiar, verbalizando o ensejo de ser integrado numa instituição, cuja capacidade contentora é desconhecida.

    Acresce estar por definir onde se irá reintegrar o recluso, já que manifesta a pretensão de passar a residir na referida instituição, mas foi alvo de decisão de afastamento coercivo do território, neste momento suspensa em virtude de estar em apreciação o pedido de asilo...

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