Acórdão nº 23592/11.4T2SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução10 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO.

Em 03.10.2011 Anabela intentou no Juízo de Grande Instância Cível, de Sintra, Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, ação declarativa de condenação com processo ordinário contra Clínica, Lda.

e Dr. Fernando pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 498,08 a título de danos patrimoniais sofridos e quantia não inferior a € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais, montantes acrescidos de juros calculados à taxa legal desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento e ainda o montante que se viesse a apurar no decurso da ação como correspondendo aos danos por si sofridos de natureza patrimonial ou não patrimonial, acrescido de juros calculados à taxa legal desde a condenação e até integral e efetivo pagamento.

Para o efeito a A. alegou que a 1ª R. se dedica, com escopo lucrativo, à prestação de serviços de estomatologia e o 2º R., médico estomatologista, presta a sua atividade profissional na clínica da 1ª R., por conta desta, além de ser seu sócio e gerente. A 1ª R. tem estabelecimento aberto ao público e foi aí que a A. se dirigiu, tendo sido assistida e consultada pelo 2.º R., na sequência do que lhe indicou que o dente do siso, que se encontrava incluso, deveria ser extraído, ficando a extração agendada para o dia 10 de Outubro de 2008. Na data agendada, o 2º R. após examinar a ortopantomografia realizada, administrou-lhe anestesia local e a cirurgia iniciou-se sem que sentisse qualquer dor, mas durante a mesma sentiu uma forte dor, gemendo, o que levou o 2.º R. a reforçar a anestesia, sem resultado pois continuou a sentir dores, o que manifestou aos presentes 2.º R. e assistente. Quando a cirurgia terminou foi suturada e medicada pelo 2.º R. com antibióticos e analgésicos. Saiu da clínica com muitas dores e dificuldade em falar. Em 16 de Outubro de 2008 a A. teve de recorrer ao Posto Médico da sua Unidade pois continuava com muitas dores, dificuldade em falar e alimentar-se, apresentando falta de sensibilidade na hemilíngua direita, aí foi medicada para alívio das dores; no dia seguinte regressou ao posto médico pois as dores mantinham-se, tendo ficado com atestado médico que a dispensou do trabalho por um período de 5 dias; pelos mesmos motivos voltou a recorrer ao posto médico no dia 24 de Outubro de 2008. Ao longo de seis meses a A. manteve contacto com os RR., tendo-lhe o 2.º R. receitado por diversas vezes analgésicos, referindo que os sintomas que tinha eram resultado da anestesia e desapareceriam com o tempo; durante este tempo manteve sempre dores constantes na hemilíngua direita, com perda de sensibilidade na face direita, grande dificuldade em articulara fala e diminuição da força muscular facial. A dada altura apercebeu-se que sempre que fazia esforço físico maior, ou se enervava, a língua parecia inchar, as dores aumentavam e espalhavam-se. No início de 2009 o 2º R. fez uma placa de relaxamento flexível para o maxilar superior com vista a aliviar-lhe as dores, o que não surtiu o efeito desejado. Por conta deste quadro clínico e para seu tratamento passou a ser seguida em consultas de especialidade, com introdução de diversos medicamentos, com vários esquemas terapêuticos devido às dificuldades em tolerar a medicação, sofrendo com efeitos secundários provocados por esta; iniciou igualmente programa de reabilitação definido por médica fisiatrado Hospital da Força Aérea. Atualmente ainda mantém dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e na hemilíngua direita, com grande dificuldade e dor na mastigação, sintomas que se intensificam quando faz esforço físico ou está sujeita a estados de tensão; tendo alterado alguns dos seus hábitos de modo a não intensificar tais dores. Esta situação determina-lhe uma incapacidade para o trabalho, já que não consegue realizar com aproveitamento as provas físicas obrigatórias dada a sua condição de militar no ativo, o que impedirá igualmente a sua progressão na carreira militar e poderá mesmo implicar a reforma, o que muito desgosto e angústia lhe causa. Durante a exodontia o 2.º R. ao serviço da 1.ª R. ao manusear os instrumentos cirúrgicos e anestésicos atingiu e lesionou os nervos trigémio, mandibular, oftálmico, maxilar, lingual e alveolar inferior, não tendo procedido com o zelo, diligência, perícia e cuidado que a situação requeria; deveria ter feito e não fez uma avaliação cuidada da posição do dente a extrair face ao posicionamento dos nervos envolventes de modo a não os atingir. A exodontia era possível ser feita sem lesão de qualquer nervo na zona, desde que empregue o cuidado devido, o que no caso não aconteceu e foi essa falta de cuidado que determinou o quadro clínico que apresenta. Acresce que em momento algum os RR. a informaram da existência de algum risco na cirurgia a realizar.

Os RR., citados, vieram contestar, aceitando prestar as atividades indicadas pela A., esclarecendo que a mesma desde há muitos anos era doente do 2º R.. Aceitam igualmente ter o 2.º R. proposto a extração cirúrgica do referido siso, alegando ter este prestado toda a informação sobre o diagnóstico e procedimentos adequados ao caso, bem como fornecido informações detalhadas sobre a intervenção, o pós-operatório e os potenciais riscos, tendo a A. dito que ia pensar na possibilidade da extração, dada a possível dificuldade da mesma; posteriormente a A. decidiu efetuar a extração do dente incluso. A cirurgia correu bem, sem quaisquer intercorrências ou complicações, seguindo-se todos os procedimentos, não obstante o 2.º R. ter tido necessidade de reforçar a anestesia. O 2.º R. usou de toda a diligência, zelo, cuidado e perícia, impugnando todos os factos e considerações em sentido contrário. Apenas em 23 de Outubro de 2008 a A. foi observada pelo 2.º R. que face às queixas apresentadas colocou como hipótese diagnóstica a nevralgia do trigémio. Em 28 de Outubro de 2008 a A. foi de novo observada tendo o 2.º R. prescrito um analgésico para as queixas dolorosas. Sem conceder alegam que a perda de sensibilidade na face direita é inexplicável por uma lesão dos nervos suscetíveis de serem afetados na cirurgia, nervo lingual e nervo alveolar inferior; acresce que a diminuição da força muscular não é suscetível de ser imputada à atuação do 2º R., já que os nervos passíveis de serem lesados são sensitivos e não motores; o mesmo dizendo quanto ao alegado agravamento das queixas em situação de stress físico ou psíquico. Em Janeiro de 2009, o 2º R. voltou a observar a A. tendo aplicado uma goteira de relaxamento dado o atipismo das suas queixas conjugadas com outras, anteriormente referidas, compatíveis com problemas nas articulações temporomandibulares; a partir desta data não voltaram a ter notícias da A.. Impugnam todos os factos pessoais alegados pela A., alegando não ter o 2.º R. atingido qualquer dos nervos por esta referidos; impugnam igualmente os montante peticionados a título de danos.

Foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória. Realizou-se prova pericial e procedeu-se à audiência final.

Em 29.12.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente por não provada e, consequentemente, se absolveu os RR. dos pedidos contra eles formulados.

A A. apelou da sentença, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões: 1.A Recorrente não concorda e impugna, por considerar incorretamente julgados, os pontos de facto u), bbb), hhh) e iii) da matéria de facto provada, bem como os pontos da matéria de facto não provada (os quais não foram objeto de numeração na sentença) enunciados nas posições 1, 28, 30, 31, 32, 36, 37, 44 e 47, pelos motivos especificadamente aduzidos supra no corpo das alegações, com referência aos concretos meios de prova convocados, incluindo indicação e transcrição das passagens da gravação dos depoimentos em foco, culminando também aí com a indicação da decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida sobre cada um desses pontos de facto impugnados.

  1. Relativamente ao ponto de facto u), está o mesmo relacionado com os factos não provados na posição 9 e 10, e resultam todos eles da matéria vertida nos quesitos11º e 15º da B.I., alegada pela A.; acontece que, ouvido o depoimento da testemunha Isabel Barros Silva (passagens 02:35 a 06:44), médica que assistiu e acompanhou a A. no aludido Posto Médico da Força Aérea, pelo menos deverá ser dado como provado que também referiu dificuldade em alimentar-se. Razão pela qual, se entende que cabe alterar o ponto de facto u) da matéria dada como provada, passando do mesmo a constar: “E no dia 24/10/2008 voltou a recorrer ao atendimento do mesmo Posto Médico, referindo dor, dificuldade em alimentar-se e sensação de encurtiçamento da língua, do lado direito”.

  2. A matéria em causa no ponto de facto provado hhh) e ponto de facto não provado 1, vinha alegada pelos RR. e pela A., correspetivamente, constando dos quesitos 80º e 2º da B.I., assentando o Tribunal a quo o seu julgamento nas declarações de parte prestadas pela A. e na sua ficha clínica existente nos 36 serviços da 1ª R. e junta pelos RR. na contestação; acontece que, ouvidas as declarações de parte (em especial passagens 02:00 a 02:54) e analisada a aludida ficha clínica, bem como analisados os articulados, conclui-se que da prova não resulta nem a parte aceitou que o 2º R. lhe tenha sugerido destartarização, nem proposto extração cirúrgica do dente. Cabendo, salvo melhor opinião, eliminar o ponto de facto 1 da matéria não provada e alterar o ponto de facto hhh) da matéria provada passando a constar “Perante as queixas da A. o 2º R. pediu ortopantomografia e propôs como solução a extração do referido siso”.

  3. O ponto de facto 44 da matéria não provada, vinha alegado pela A. na PI e foi quesitado sob 81º da B.I., entende a Recorrente que tal matéria deve ser julgada provada, com base na ponderação conjugada da ficha clínica da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT