Acórdão nº 60/08.6IDFUN.L2-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução22 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: 1.

-Na sequência de julgamento por tribunal colectivo, no processo nº 60/08.6IDFUN, que corre termos na secção criminal da Instância Central do Funchal, comarca da Madeira, foi o arguido L., melhor identificado nos autos, condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 105º, nº 1, 2, 4 e 7, do RGIT, e 30º, nº 2, do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, por acórdão proferido em 24.06.2015.

  1. -Na sequência do recurso então interposto pelo arguido foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação, a 12 de Janeiro de 2016, no qual foi decidido «anular parcialmente o acórdão recorrido para que o Tribunal a quo se pronuncie sobre a possibilidade de substituição, nas modalidades legalmente previstas, da pena de prisão efectiva aplicada, ou então, que fundamente de forma clara porque considera imperioso o cumprimento efectivo da pena de prisão» e confirmado, no mais, o acórdão recorrido.

  2. -O tribunal de 1.ª instância proferiu então um novo acórdão, a 13 de Abril de 2016, no qual, suprindo aquela nulidade, manteve a condenação do arguido na pena de1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.

  3. -O arguido interpôs de novo recurso dessa decisão, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: A)-Em cumprimento do acórdão de 12/01/2016, do TRL, o Tribunal ora recorrido limitou-se a prolatar um "novo" aresto, exactamente igual ao inicial, mas juntando apenas as considerações que, em sua perspectiva, sanariam a nulidade decisória julgada procedente pela Relação. Assim, a pp. 28-31 do acórdão ora sob escrutínio, usando até um tipo (fonte) de letra diverso, acrescentou o Tribunal a quo as considerações que, em seu juízo, seriam suficientes para conformar o decidido com o ordenado pelo Tribunal ad quem.

    B)-Importando as penas de substituição um quantum de sofrimento em regra menor para o delinquente, é o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.° da Lei Fundamental que exige a sua consagração como verdadeiro poder-dever.

    Só assim existe um grau suficiente de vinculação judicial apto a cumprir o mandamento constitucional.

    C).-Tendo em conta a possibilidade de cognição, em via recursória, de toda a matéria sobre a qual o aresto recorrido se deveria pronunciar (artigo 410.°, n.° 1, do CPP), a presente decisão condenatória de 13/04/2016 enferma dos seguintes vícios: a)Erro na apreciação da prova no que contende com a escolha da pena, a qual deveria ter recaído sob uma sanção substitutiva e nunca de prisão efectiva; b)Sem prejuízo do antecedente, absoluta desproporcionalidade na aplicação de efectiva privação de liberdade e decisão no sentido de uma das penas substitutivas cogitáveis ao caso: a do artigo 43.°, n.° 3, ou a dos artigos 58.°, ss., todas do CP; c)Algumas interpretações seguidas pelo Tribunal recorrido violam regras e princípios recolhidos na Lei Fundamental estando, em consequência, inquinadas por vício de inconstitucionalidade material, as quais vão sendo indicadas nos lugares respectivos das presentes alegações recursórias.

    D)Começando pelo patente erro na apreciação da prova, pretende o Tribunal recorrido que a sanção do artigo 43.°, n.° 3 do CP não constituiria qualquer efeito prático, sendo até perniciosa do prisma preventivo-geral e especial. Fá-lo com desacerto e entrando em frontal contradição na sua própria lógica argumentativa.

    E)Assim, a fls. 28 do aresto no final, diz-se que não existiria qualquer efeito preventivo-geral e que a sanção de inibição de exercício dos cargos, actividades e funções que vinha exercendo seria até encarada pela população como quase um «prémio pessoal».

    F)Não se podia estar mais longe da verdade: a circunstância de o recorrente ter sido declarado insolvente não o impede de exercer as actividades que vinha exercendo, antes de mais, ao invés do que parece ressaltar do texto sob análise, tanto mais que nada no CIRE o impõe; por outro lado, em clara extrapolação do relatório social para julgamento, diz-se que a situação económico-financeira do condenado é confortável, pelo que mesmo que este não trabalhe, sempre se poderá manter.

    G)Começa por se ignorar que o dito relatório afirma que a situação financeira do recorrente lhe advém, na sua quase totalidade, do património da mulher com quem mantém uma relação conjugal, pelo que se não trata de património do condenado, o que implica que este sempre estará à mercê desse terceiro que, a qualquer momento, pode decidir deixar de o apoiar financeiramente.

    H)A interpretação efectuada pelo Tribunal a quo é materialmente inconstitucional o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais, na medida em que parece ignorar o princípio da pessoalidade das penas e da sua não transmissibilidade (artigo 30.°. n.° 3 da CRP). Assim, na prática, pretende o Colectivo justificar que a situação económico-financeira do recorrente se manteria boa com base em património alheio, o que constitui uma forma larvar de dizer que quem vai acabar por responder pela sanção é a mulher com quem o condenado partilha a sua vida pessoal. Mais, ao usar-se tal argumento para impedir a aplicação de uma pena substitutiva, com base em uma pretensa perda de eficácia preventiva-geral da sanção, mais uma vez não é a situação concreta e específica do condenado - como deveria - que o Colectivo aferiu, mas a de um terceiro, o que também por aqui importa a vulneração daquele princípio constitucional e do princípio da individualização das penas, também com respaldo constitucional no artigo 30.°, n.° 3 e legal, de entre outros, nos artigos 40.°, n.°s 1 e 2, e 71.°, ambos do CP.

    I)Violou, assim o Colectivo recorrido o artigo 30.°, n.° 3, da CRP e os artigos 40.°, n.°s 1 e 2, e71.°do CP.

    J)Por outro lado, ao retirar uma conclusão contrária ao vertido no relatório social, o Tribunal a quo avaliou também erroneamente o seu conteúdo, tal como o mesmo documento se acha definido no artigo 1.°, al.

    g), do CPP, para os efeitos e nos casos previstos no artigo 370.°, cujo n.° 1, do mesmo Código, como aqui sucede.

    K)Não se ignora que o referido relatório está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.° do CPP), mas a partir do momento em que o Colectivo recorrido delibera dar como provados os factos que dele consta, auto-vincula-se como em relação a qualquer outro facto assente, a seguir a linha argumentativa que lhe subjaz, o que, in casu, não sucedeu, assim se violando os artigos 1.°, al.

    g), e 370.°, n.° 1 do CPP.

    L)Na jurisprudência, de entre outros arestos citados na motivação recursória, o valor processual do relatório social, de entre outros, é apreciado no ac. do TRP de 22/1/2014, Proc. n.° 156/11.7GARSD.P1, Des. NETO DE MOURA, disponível em http://www.dgsi.pt, em cuja fundamentação se lê que em relação ao mesmo existe uma «(...) valoração autónoma do relatório social face à da prova por declarações (...)».

    Como se expende no mesmo aresto, pode o Tribunal ad quem corrigir o erro na apreciação das informações contidas no relatório social, como acontece in casu: «diferentemente do que acontece com a invocação dos vícios decisórios previstos no artigo 410.", n." 2, do Cód. Proc. Penal, em que temos uma impugnação de âmbito restrito porque o recorrente tem de cingir-se ao texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, no erro de julgamento a apreciação alarga-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento dos ónus de especificação impostos pelos citados n." 3 e 4 do art. 412.°do CP. Penal».

    M)Destarte, o Tribunal a quo valorou erradamente o relatório social para julgamento, que não é contrário à substituição da pena principal, em extrema súmula por dele derivar que o recorrente não tem meios de subsistência própria e por referir que se trata de pessoa bem inserida socialmente, respeitada, pelo que a prevenção geral e especial depõem no sentido diametralmente oposto ao extraído pelo Colectivo recorrido do dito relatório social. Mesmo sabendo-se que este último não configura, tecnicamente, uma prova pericial, foi o próprio Tribunal recorrido que nele se esteou para as conclusões que retirou no sentido de se justificar uma efectiva privação de liberdade. Assim, não pode, sob pena de um ilegal venire contra factum proprium, agora não o valorar correctamente e dele fazer uma leitura contrária ao que aí se encontra escrito.

    N)A pena do artigo 43.°, n.° 3, do CP acautelaria, aqui, de pleno, as finalidades punitivas tal como as mesmas se acham plasmadas no artigo 40.°, n." 1 do mesmo diploma.

    O)Violou, assim, o Tribunal recorrido, o disposto no artigo 43.°, n.° 3 do CP. por não o aplicar a uma situação concreta em que todos os respectivos pressupostos se achavam verificados.

    P)Se assim se não entender, é conhecido o movimento de valorização da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC), o que aliás tem conduzido a que, e vários Estados, ela seja elevada à categoria dogmática de pena principal. Demos nota disso mesmo nas motivações antecedentes e até de trabalhos em Portugal que apontam no mesmo sentido.

    Q)De acordo com o Decreto-Lei n.° 375/97, de 24/12, o qual regulamenta a PTFC, ela desempenha as seguintes finalidades: «a) Reprovar o crime através de acções positivas de prestação de trabalho; b) Reparar simbolicamente a comunidade, promovendo a utilidade social do trabalho prestado; c) Facilitar a reintegração social do delinquente.» R)Desempenhando a PTFC um elevado potencial preventivo-especial - na medida em que a prestação gratuita de trabalho conleva a possibilidade de o condenado reflectir no acto praticado e de, em alguma medida, repor a situação ex ante facto, por via de uma prestação sua, que é pessoalíssima e que, através de acções concretas e vantajosas para a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT