Acórdão nº 5349/12.7TBFUN-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFARINHA ALVES
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: Maria, residente no concelho de Câmara de Lobos, intentou contra o Fundo, com sede em Lisboa, e contra Volodymyer, natural da Ucrânia, com última residência conhecida no Funchal, a presente ação declarativa de condenação com processo sumário.

Pediu que o Fundo fosse condenado a pagar-lhe a quantia total de €27.478,68, sendo 20.000€ a título de danos morais e € 7478,63€ a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, desde a data, 25-03-2004, em que o Fundo foi citado para os termos do pedido cível deduzido no âmbito do processo penal, que foi instaurado com base no mesmo acidente.

Alegou, em fundamento, ser esse o valor dos danos que sofreu em consequência de acidente de viação, ocorrido no dia 01-02-2002, que imputa a culpa do réu Volodymyer , que não possuía seguro do veículo que deu causa aos danos.

Os mesmos factos deram origem à instauração de processo-crime, no âmbito do qual o 2.º réu foi constituído arguido e acusado da prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, e a ora autora se constituiu assistente e deduziu, no dia 18-11-2003, pedido de indemnização.

Tendo sido designado o dia 03-06-2004 para realização do julgamento.

A que o arguido não compareceu, tendo sido declarado contumaz.

E, desde então, esse processo esteve a aguardar o eventual conhecimento do paradeiro do arguido.

O que justifica a dedução do presente pedido cível em separado da ação penal.

Citado, o Fundo impugnou, por os desconhecer, os factos alegados na petição inicial e considerou exagerado o montante reclamado a título de danos não patrimoniais.

O réu Volodymyer foi citado por éditos e não interveio nos autos.

Citado em sua representação, o Ministério Público apresentou contestação onde invocou a exceção de prescrição, considerando que não tinha ocorrido, em relação a este réu, qualquer facto interruptivo do prazo de prescrição aplicável, que era de cinco anos.

A autora respondeu, defendendo a improcedência da exceção de prescrição, considerando que o respetivo prazo foi interrompido, nos termos do art. 323.º, n.º 2 do CPC, pela dedução, menos de um ano depois do acidente, de pedido de indemnização no âmbito do processo penal instaurado pelos mesmos factos, posto que não lhe era imputável o facto de o réu Volodymyer não ter sido citado para os termos desse pedido.

Os autos prosseguiram para julgamento.

Que culminou na sentença onde foi julgada procedente a exceção de prescrição e a ação foi julgada improcedente, com a absolvição dos réus do pedido.

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões, onde defende a improcedência da exceção de prescrição e a alteração da decisão sobre matéria de facto.

Já nesta instância foi considerado que a exceção de prescrição deveria ser julgada improcedente e que, nos termos do art. 665.º, n.º 2 do CPC, havia que conhecer do mérito da causa em substituição do tribunal recorrido, com audição prévia das partes nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

No seguimento, a autora/apelante veio defender a procedência do pedido.

Cumpre decidir.

Sendo o objeto dos recursos delimitado, em regra, pelas respetivas conclusões, e não se suscitando a apreciação de questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, no presente recurso está em causa: -A improcedência da exceção de prescrição.

-A alteração da decisão sobre matéria de facto.

-O mérito da ação, traduzido na verificação dos pressupostos do direito de indemnização invocado pela autora.

Vejamos: I–A exceção de prescrição.

Com relevo para a apreciação desta questão, mostram-se provados os seguintes factos: O acidente de viação, de que resultaram os danos sofridos pela autora, ocorreu no dia 01-12-2002.

Com base nesse acidente, e nas lesões nele sofridas pela autora, foi instaurado processo-crime.

Nesse processo 2.º R. foi constituído arguido e acusado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido no artigo 148º, nº 1 do Código Penal.

A aqui autora constituiu-se assistente nesse processo onde, no dia a 18.11.2003, deduziu pedido de indemnização contra os 1º e 2º RR..

Tendo o 1º R. apresentado ali contestação em 02.04.2004.

Esse processo-crime seguiu os seus trâmites normais, tendo sido designado o dia 03.06.2004, pelas 14:30H, para a realização de audiência de julgamento.

O 2º R., ali arguido, não compareceu à audiência, tendo sido declarado contumaz a 22.07.2005.

No seguimento, foram ali proferidos sucessivos despachos a determinar que os autos aguardassem, por 6 meses, o eventual conhecimento do paradeiro do arguido.

A presente ação deu entrada em juízo a 28.11.2012.

O 1.º réu foi citado nos presentes autos a 7.12.2012.

O 2.º réu foi citado editalmente nos presentes autos a 26.06.2013.

Por despacho proferido a 21.05.2013 no processo-crime nº 983/02.6PDFUN, foi declarado extinto o procedimento criminal, por prescrição.

Sendo estes os factos a considerar, mantém-se o entendimento, já enunciado no despacho prévio, de que a exceção de prescrição deve ser julgada improcedente.

Antes de mais, e tal como foi uniformemente entendido nos autos, o prazo de prescrição aplicável era de cinco anos, nos termos do art. 498.º, n.º 3 do C. Civil, atenta a relevância penal dos factos em que assenta o pedido da autora.

E esse prazo começou a correr na data do acidente, visto o preceituado no art. 306.º n.º 1 do C. Civil.

Mas foi interrompido, nos termos do art. 323.º do mesmo Código, com a dedução, contra os mesmos réus, de pedido cível de indemnização no âmbito do processo penal instaurado com base nos mesmos factos. A citação dos demandados civis para os termos desse pedido interrompeu o prazo de prescrição. Em relação ao demandado Volodymyer, ausente em parte incerta, a falta da sua citação não é imputável à demandante, pelo que esse efeito interruptivo produziu-se cinco dias depois de ter sido requerida, nos termos do art. 323.º, n.º 2 do C. Civil.

E, uma vez interrompido o prazo de prescrição em relação aos dois demandados na ação penal, o prazo interrompido não voltou a correr. Posto que a presente ação foi intentada ainda na pendência da ação cível enxertada na ação penal, tendo dado causa a que fosse declarada a inutilidade superveniente da lide da ação cível enxertada.

Assim, o prazo de prescrição foi interrompido cinco dias depois de ter sido deduzido pedido cível no processo penal. E, depois disso, não voltou a correr, visto o preceituado no art. 327.º do C. Civil, uma vez que, quando o processo penal foi extinto, já tinham passado mais de cinco dias sobre a propositura da presente ação.

E não havia fundamento para requerer a citação urgente, posto que o pedido foi deduzido ainda dentro do primeiro ano do prazo de prescrição, e não havia como imputar à requerente o atraso na realização da citação.

Improcedendo, manifestamente, a exceção de prescrição.

II–A impugnação da decisão de facto.

Nesta sede, a Recorrente, pretende ver julgados provados os seguintes factos, que a decisão recorrida julgou não provados: 3)A A. ficou impossibilitada de desempenhar as mais simples funções do dia-a-dia, nomeadamente as lides domésticas.

7)Ainda hoje, cerca de 10 anos após o acidente, a A. continua a sentir dores na perna e a cambalear.

10)A A. carece de nova intervenção cirúrgica para que lhe sejam removidas das pernas as sobreditas placas e parafusos.

O que foi justificado nos seguintes termos que, por comodidade, ora se reproduzem: Entendeu o Tribunal a quo que da prova produzida não resultou provado que “A A. ficou impossibilitada de desempenhar as mais simples funções do dia-a-dia, nomeadamente, as lides domésticas” (cfr. ponto 3) dos factos não provados).

Sucede que das declarações de parte prestadas pela própria apelante esta referiu a esse propósito que “não podia e teve ajuda da mãe para cuidar da filha, e a lide da casa era a mãe e a irmã” (V. declarações da A. recorrente, gravado no sistema digital integrado no Tribunal da Comarca da Madeira, do minuto 6´15´´ ao 7´).

Também não ficou provado que “Ainda hoje, cerca de 10 anos após o acidente, a A. continua a sentir dores na perna e a cambalear”(cfr. ponto 7) dos factos não provados).

Porém, da prova produzida resultou provado tal facto, conforme foi claramente afirmado pela A. recorrente nas suas declarações, tendo dito que “ ainda hoje tem dores, é complicado.”(V. Declarações da A. minuto 7´24´´ ao 7´40´´).

E pela testemunha X, foi também dito que “…ainda hoje sente dores…”(V. depoimento desta gravado no mesmo sistema digital, minuto 7´35´´ ao 8´10´´).

Não ficou igualmente provado que a “ A A. carece de nova intervenção cirúrgica para que lhe...

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