Acórdão nº 159-11.1TBTVD.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

Relatório: C..., residente em ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra R... Ldª, com sede em ..., peticionando a final a declaração de resolução do contrato-promessa, por incumprimento da Ré, e a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €100.000,00 correspondente ao sinal prestado acrescido do dobro, e em juros legais desde a citação e até integral pagamento. Alegou em síntese que celebrou em 27.2.2007, com a sociedade comercial J... S.A., com sede em ..., celebraram, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma do tipo T2, correspondente ao segundo andar direito, para habitação, pelo preço acordado de € 190.000,00, que seria pago da seguinte forma: € 25,000,00, como sinal e princípio de pagamento, aquando a celebração do referido contrato-promessa; no dia 31.03.2007, € 25,000,00 a título de reforço de sinal; e o remanescente, de €140,000,00 no acto da celebração da escritura pública de venda.

A autora foi visitando o prédio com alguma regularidade, e, numa das visitas, já após ter reforçado o sinal, descobriu que as caixas dos elevadores tinham sido completamente emparedadas.

Para a decisão da A., e de seu marido, de comprar a fracção, foi fundamental a existência do elevador, sendo que junto ao processo de construção do edifício, na Câmara Municipal de Torres Vedras, existe um termo de responsabilidade em que está atestado que o projecto de instalação do elevador "observa as normas técnicas gerais e específicas de construção", motivo acrescido para a A. ficar ciente da futura existência de um elevador em funcionamento no edifício. A essencialidade do elevador era do conhecimento do representante da sociedade promitente vendedora.

A A. e o seu marido solicitaram-lhe por diversas vezes explicações sobre o emparedamento das caixas de elevador, que ele não prestou.

Ao contrário do que ficou estipulado no contrato-promessa, a promitente vendedora não marcou a escritura pública de venda, de forma a que a mesma fosse "outorgada 30 após a emissão do respectivo Alvará de Licença de Utilização", nem escreveu qualquer carta registada para a residência da A. convocando-a para qualquer escritura, como mandava a cláusula 5ª nº 1 do contrato-promessa.

A A. recebeu, em 05.12.2009, uma carta da Ré, em data muito posterior à prevista para a celebração da escritura, a comunicar-lhe que era a actual proprietária do edifício onde se situa a fracção prometida vender, e que, “com a aquisição do prédio referido em 1º, transferiram-se para a R... todos os direitos e obrigações decorrentes dos contratos-promessa celebrados”.

Atento o lapso de tempo decorrido entre a data que estava prevista no contrato-promessa para a celebração da escritura, 30 dias após a emissão da licença de utilização, e a falta de colocação e funcionamento dos elevadores no edifício, a A. deixou de estar interessada em comprar a fracção autónoma, fazendo saber à Ré que resolvia o contrato-promessa, com base no incumprimento por parte da promitente vendedora e mais lhe solicitou a devolução do sinal em dobro.

A Ré negou que tivesse havido incumprimento contratual da sua parte, concedeu à A. o prazo de 15 dias para entregar a documentação necessária, e por nova carta, convocou-a para a escritura. A escritura foi marcada, a A. compareceu no Cartório com o marido, lavrando a notária um certificado de comparência e da razão pela qual a A. declarava não outorgar, a saber, por já ter resolvido o contrato.

A Ré incumpriu o contrato-promessa porque não cumpriu o prazo para a celebração da escritura pública previsto no contrato-promessa e porque não cumpriu a condição essencial para que a A. celebrasse o contrato definitivo, ou seja, não tinha a funcionar o elevador no prédio.

A Ré encontrava-se em mora, atento o disposto no art. 805º nº2 al. a) do C.C. e a A. perdeu o interesse na compra da fracção atento o lapso de tempo decorrido e a falta do elevador, passando a Ré encontrar-se em incumprimento definitivo, nos termos do disposto no art. 808º nº.1 do C.C.

Contestou a ré, por impugnação, e alegando, em síntese que assumiu a posição de promitente vendedora já depois da emissão da licença de utilização, quando, na prática, já não poderia evitar a ultrapassagem do prazo previsto no contrato, não tendo por isso dado azo a mora nem a incumprimento. Mesmo antes de assumir a posição de promitente vendedora, a ora Ré comprometeu-se expressamente, na Câmara Municipal, a instalar os elevadores, não podendo por isso também ser imputada qualquer conduta, sequer negligente, à ora Ré.

A Ré retomou as diligências para celebração dos contratos, e no caso da A., convocou-a para reunião em que o seu marido informou que o restante preço seria financiado pela Caixa Geral de Depósitos, e por isso ficou à espera de ulterior contacto, sendo que apenas recebeu a carta de resolução que a A. lhe dirigiu.

A A. recusou-se a celebrar o contrato definitivo porque já tinha desistido da casa, da qual se havia desinteressado ainda antes de findar o prazo contratualmente previsto para a celebração da escritura pública (30 dias após a emissão da licença de utilização: 31 de Agosto de 2009).

A existência de elevadores nunca foi condição do contrato, não se aceitando motivos subjectivos da A. não cognoscíveis pela contraparte.

O mero atraso na realização da prestação mais não seria que uma situação de mora, que não se converteu em incumprimento definitivo. A A. não dirigiu à Ré nenhuma interpelação admonitória. Não ocorre perda objectiva de interesse na realização do contrato prometido, em virtude do atraso, sendo que a perda do interesse do credor deve ser aferida objectivamente.

De resto, a apreciação objectiva do interesse é reportada à prestação, no caso, à realização do contrato prometido, sendo que a eventual existência de vícios ou deficiências na coisa não justificam a recusa em contratar nem legitimam a pretensão resolutiva. Tais eventuais vícios só poderiam relevar, noutra sede, após a celebração do contrato definitivo.

Só o incumprimento definitivo, imputável ao promitente vendedor, confere ao promitente comprador a faculdade de exigir o dobro do que prestou.

Deduziu a Ré reconvenção contra a Autora, imputando-lhe incumprimento definitivo do contrato-promessa, após interpelação que lhe fez para a outorga, não comparência da A., e posteriores declarações inequívocas de incumprimento.

Presumindo-se aliás a culpa da A., a Ré poderá fazer sua a quantia entregue pela A.

Formulou pois o pedido de declaração de incumprimento definitivo do contrato-promessa, por causa imputável à A., com todos os efeitos legais, nomeadamente a perda do sinal de €50.000,00.

Replicou a A. ao que disse serem excepções não discriminadas expressamente pela Ré, impugnando a matéria alegada e aduzindo que nem mesmo na data marcada para a escritura, pela Ré, estavam os elevadores em condições de funcionar. A Ré assume que se transferiram para ela todos os direitos e obrigações decorrentes dos contratos-promessa celebrados, pelo que assume integralmente, sem excepções e sem limitações temporais, a posição da anterior promitente vendedora.

A A. sempre esteve de boa-fé e foi a Ré quem não cumpriu, pelo que improcederá o pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador, em que se admitiu o pedido reconvencional, se fixou o valor da acção em € 150.000,00, se admitiu a réplica, se apreciou tabelarmente os demais pressupostos processuais, se organizou a matéria de facto assente e se fixou a base instrutória, sem reclamação.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “1. Julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, declaro a resolução do contrato-promessa em causa nestes autos e condeno a Ré R... Limitada a pagar à Autora C... a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros moratórios, desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor.

  1. Julgo a reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a autora/recoinvinda do pedido reconvencional contra si formulado pela ré/reconvinte.

  2. Custas da acção e da reconvenção pela ré”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: A. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida em 01.03.2016, a qual julgou (i) a presente ação inteiramente procedente, por provada, e, em consequência, declarou a resolução do Contrato Promessa em causa nos autos, condenando a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 100.000,00, correspondente ao do sinal prestado, acrescida de juros, e julgou ainda (ii) a reconvenção da Recorrente totalmente improcedente, por não provada, dela absolvendo a Recorrida; B. A Sentença recorrida não espelha a verdade dos factos tal qual decorrem dos meios de prova (testemunhal) produzidos, não tendo o Tribunal a quo procedido à adequada apreensão e valoração da factualidade em apreço, tendo incorrido, nestes termos, em verdadeiro erro de julgamento. Vejamos, DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: C.A Recorrente impugna, por considerar incorretamente julgados, os factos constantes das Alíneas GG) e HH) dos Factos Provados, conforme constantes da Sentença sub judice, os quais, no seu entender, deveriam ter sido dados pelo Tribunal a quo como não provados, nos termos propugnados nas presentes Alegações; D.No que concerne ao facto constante da Alínea GG) dos Factos Provados, nenhuma das testemunhas ouvidas nos autos (à exceção da testemunha J..., marido da Autora) afirmou, ou deixou sequer entrever, que a Autora apenas celebrou o Contrato-Promessa dos autos porque estava projetada a existência de elevador; E.As testemunhas J... e S... limitaram-se a referir a um conjunto de razões pelas quais a existência de um elevador seria relevante para a Autora. Do seu depoimento só pode, pois...

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