Acórdão nº 848/13.6TGRD-A.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: Por apenso aos autos de processo executivo para pagamento de quantia certa que M. – ... Financial Services Portugal – Sociedade Financeira de Crédito, S.A., intentou contra Daniela ... de ... ...

, veio a executada deduzir oposição por embargos.

Alegou essencialmente: A livrança foi preenchida de forma abusiva já que o valor inserido não corresponde à quantia efectivamente devida pela executada à exequente.

A executada pagou as primeiras 23 prestações, ou seja, o total de € 4.882,44.

Tendo tomado consciência, em Julho de 2010, de que não conseguia cumprir o contrato, propôs à exequente a devolução do veículo.

Esta aceitou a devolução com a condição de creditar à executada o produto da ulterior venda do veículo, propondo-se cobrar esta diferença que viesse a verificar-se, aquando dessa venda entre o valor em dívida e o produto daquela.

Aceites as condições, a executada entregou à exequente o veículo em 23 de Agosto de 2010.

No mês seguinte, a exequente comunicou à executada que havia vendido o veículo por €7.150,00, valor que era imputado à liquidação parcial da dívida (que era então de €10.151,49), ficando pois a executada a dever mais €3.001,49, que não veio a pagar à exequente.

Não se compreende, portanto, como a livrança em branco veio a ser preenchida pelo valor de €6.980,90. Devida e regularmente notificado, o exequente apresentou contestação à oposição onde conclui pela improcedência da oposição à execução.

Foi proferido saneador-sentença que julgou a oposição parcialmente procedente e, consequentemente, ordenou que a execução prosseguisse os seus ulteriores termos “apenas para cobrança do montante que resultar da liquidação da obrigação exequenda de acordo com o interesse contratual negativo, acrescida dos juros moratórios (e não dos remuneratórios) contados desde a data em que ocorreu a resolução do contrato”, declarando a execução extinta quanto ao mais.

Apresentou a exequente opoente recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação.

Juntas as competentes alegações, formulou o apelante as seguintes conclusões: 1.O presente recurso vem interposto da sentença que julgou parcialmente procedente a oposição à execução deduzida, estatuindo que a execução “prosseguirá os seus ulteriores termos apenas para cobrança do montante que resultar da liquidação da obrigação exequenda de acordo com o interesse contratual negativo, acrescida dos juros moratórios (e não dos remuneratórios) contados desde a data em que ocorreu a resolução do contrato, declarando a execução extinta quanto ao mais.” 2.Ressalvando o devido respeito pelo Tribunal a quo e pela sua decisão, a Recorrente não se conforma com a sentença ora recorrida, porquanto, por um lado, os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão proferida, pelo que nos encontramos diante do vício de nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

  1. Por outro lado, a sentença proferida é ininteligível, inquantificável e iliquidável, pelo que a, a nosso ver, a decisão, já contaminada pelo vício anteriormente invocado, é também nula por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

  2. Por fim, e não obstante as nulidades invocadas, o tribunal a quo qualificou erradamente o contrato celebrado entre as partes e não andou bem ao limitar as responsabilidades da Executada/Recorrida pelos danos calculados de acordo com o interesse contratual negativo.

    Senão vejamos: 5.No exercício da sua actividade, a Recorrente celebrou com a Recorrida o contrato de financiamento nº. 42954, através do qual financiou a aquisição pela Recorrida do veículo automóvel com a matrícula 82-EV-54. O referido contrato foi resolvido pela recorrente, pela conversão da mora da Recorrida em incumprimento definitivo.

  3. Em face da resolução por incumprimento do contrato de financiamento foi celebrado pelas partes um acordo de pagamentos extrajudicial, com redução do valor em dívida sujeita às condições de (1) entrega pela Recorrida à Recorrente da viatura com a matrícula 82-EV-54, a fim de que esta pudesse ser vendida pela Recorrente e imputado o produto da sua venda nos montantes em dívida, bem como sujeito (2) ao pagamento do valor remanescente em dívida.

  4. Assim, a Recorrida cumpriu a primeira das condições e procedeu [de livre vontade e nos termos acordados entre as partes] à entrega da viatura com a matrícula 82-EV-54 à Recorrente, acompanhada do respectivo modelo de venda assinado, a fim de que a viatura pudesse ser vendida pela Recorrente. Ora, sendo a obrigação da Recorrida uma obrigação pecuniária (pagamento dos valores decorrentes da resolução por incumprimento do contrato de financiamento), estamos diante de uma dação em cumprimento, na modalidade de dação pro solvendo, nos termos e para os efeitos, do disposto no n.º 1 do artigo 840º do Código Civil.

  5. Como tal, o produto da venda da viatura [a viatura foi vendida pelo montante de €7.150,00] seria imputado aos valores em dívida por conta da rescisão do contrato de financiamento com hipoteca n.º 42954, tendo em vista a respectiva redução da quantia em dívida.

    Consequentemente, após concretização da venda da viatura entregue em dação pro solvendo, a Recorrente comunicou à Recorrida o valor da venda da viatura e a solicitou o pagamento do montante remanescente em dívida (segunda condição do acordo extrajudicial) que a Recorrida também veio a incumprir, pelo que ficou sem efeito a redução da dívida.

  6. Uma vez demonstrado o incumprimento da Recorrida (e reconhecido/confessado pela mesma no seu requerimento inicial de Embargos – artigos 9.º a 13.º), não restou à Recorrente outra alternativa se não preencher a livrança dada em garantia do cumprimento do contrato celebrado, somando todas as quantias devidas pela Recorrida, nos termos contratualmente previstos, e apondo o valor de tal soma na livrança.

  7. Como tal, a livrança foi preenchida pelo valor de €6.980,90 (seis mil novecentos e oitenta euros e noventa cêntimos), o qual corresponde à soma das quantias contratual e legalmente devidas em caso de incumprimento, já deduzido o montante de € 7.150,0013. Sublinhe-se que a livrança dada em execução foi preenchida em conformidade com o pacto de preenchimento firmado entre as partes e em conformidade com as cláusulas contratualmente previstas.

  8. A factualidade acima alegada ficou, sumaria e sucintamente, assente na decisão proferida sobre a matéria de facto que ora se transcreve para mera comodidade de V. Exas.: “Com relevância para a boa decisão da causa, poderão dar-se como assentes os seguintes factos: A)A exequente intentou a execução que constitui os autos principais e que assenta na livrança constante de fls. 5 desses autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

    B)A Exequente e a opoente celebraram entre si o escrito particular constante de fls. 7-8 dos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, apenas tendo liquidado 23 prestações.

    C)Na sequência do incumprimento contratual da opoente, a exequente enviou à opoente, que a recebeu, a carta constante de fls. 37, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não tendo a opoente regularizado a situação no prazo que lhe foi concedido.

    D)De comum acordo com a exequente, a opoente entregou à Recorrente o veículo em causa no contrato referido em B), que foi posteriormente vendido pela exequente pelo preço de €7.150,00.” (Fim de transcrição) 13-Correspondentes ao produto da venda da viatura, entregue em dação pro solvendo.

    DAS NULIDADES DA SENTENÇA.

  9. Feito o enquadramento factual, cumpre agora demonstrar porque é que se entende que a construção da sentença a quo é viciosa, uma vez que os fundamentos conduziram a uma decisão de sentido diferente.

  10. Para fundamentar a procedência parcial da oposição deduzida, optando pela teoria do ressarcimento dos danos por via do interesse contratual negativo, o tribunal a quo invoca o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de Abril de 2014, o qual versa sobre o incumprimento de um contrato de crédito, isto é, um mútuo oneroso, nos termos do qual a coisa financiada é de propriedade do mutuário.

  11. Depois de transcrever parcialmente o referido acórdão, o tribunal a quo conclui: “Ora, no caso vertente, é exactamente isso que sucede, sendo que, diversamente do que sucedia no aresto supra citado, a embargante – e aqui [no aresto supra citado] não se tratava de uma locação financeira, mas de um financiamento, em que o proprietário é a embargante e não a exequente – entregou o veículo à Exequente, que, inclusivamente realizou dinheiro com a respectiva venda, sendo, por isso, manifestamente injusto não optar pela solução clássica, de que resulta que a indemnização terá de ser calculada pelo interesse contratual negativo, repondo-se a situação que existiria se o contrato não tivesse sido celebrado.” (Fim de transcrição) 15.Estamos, assim, diante de uma errada qualificação e entendimento do contrato subjacente à livrança que se encontra a ser executada nos Autos principais, isto é, o tribunal a quo, qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida como um contrato de locação financeira (!!!), e, seguidamente, concluiu pela aplicação do mesmo julgamento/raciocínio efectuado por aquele tribunal superior.

  12. E ainda que o tribunal a quo tivesse qualificado correctamente o contrato dos presentes Autos, não poderia fazer tábua rasa...

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