Acórdão nº 985/15.2GCALML1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelA. AUGUSTO LOUREN
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, RELATÓRIO No âmbito do processo nº 985/15.2GCALM, que correu termos no Tribunal Criminal de Almada, em processo comum colectivo, foi o arguido, A… M…. B….

, julgado e condenado por aquele Tribunal nos seguintes termos: - «Por todo o exposto e em conformidade, decide este Tribunal Coletivo:

  1. Condenar o arguido A… M… B…, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2, do cód. penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão; b) Condenar o arguido, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nº 1 e 2, als. b), e c), do cód. penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão; c) Ao abrigo do disposto no art. 77º, do cód. penal, condenar o arguido A… M… B…. na pena única de 19 (dezanove) anos de prisão.

    Condenam-se ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.; O arguido aguardará os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva, como até aqui, uma vez que não existiu alteração das circunstâncias de facto que determinaram a sua aplicação, não se mostrando excedido o respetivo prazo legal.

    Oportunamente, remeta boletins para efeitos de registo criminal». * Inconformado com a decisão, veio o arguido A… M… B… a recorrer nos termos de fls. 465 a 470, tendo apresentado as seguintes conclusões: «1.Resultando provado que, anteriormente, o Arguido já havia apertado o pescoço da Anabela, sem que tivesse intenção de a matar, não será a circunstância de, na última ocasião, a Anabela ter falecido, que permite alterar o dolo, pelo que se não verifica praticado o crime de homicídio.

    1. A qualificação do homicídio não é automática, pelo que, face aos factos, nunca se poderia considerar praticado o homicídio qualificado.

    2. Resultando provado que a Anabela também provocava as discussões, à falta de prova, fica-se sem saber em que medida é que esta poderá ter provocado a agressão, igual às anteriores, com diferente resultado.

    3. A prova testemunhal não foi isenta, e o benefício da dúvida aproveita ao Arguido, que, com dignidade constitucional, se presume inocente.

    4. Toda a factualidade justifica a atenuação especial da pena concreta.

    5. Condenando o Arguido, ora Recorrente, nos termos do douto Acórdão ora em Recurso, violou o douto Tribunal “a quo” o disposto nos artigos 40º, 71º, 132º, 132º 152º-3-b) do cód. penal, e o artigo 127º do cód. procº penal, na medida em que ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, assim merecendo integral provimento o presente Recurso, em que se revogará o douto Acórdão, a substituir por outro que condene o Recorrente em não mais de 5 anos de prisão, que poderá ser suspensa na sua execução, por verificados os legais pressupostos.

    Nestes termos e nos demais de direito que Vªs Exªs doutamente suprirão, a não haver reenvio do Processo, para repetição do julgamento, deverá o douto Acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o Arguido, ora Recorrente, em pena de prisão não superior a 5 anos, que poderá ser suspensa na sua execução, assim merecendo provimento o presente Recurso.

    Porém Vªs Exªs decidirão como for de Justiça».

    Recorreu também o Assistente, F… M… P… B…, nos termos de fls. 473 a 481, tendo apresentado as seguintes conclusões: «

  2. A morte da mãe do Assistente às mãos do Arguido seu Pai lesou-o num bem jurídico essencial perdendo a sua mãe aos 20 anos quando mais dela necessitava.

  3. O Assistente tem legitimidade para recorrer criminalmente se demonstrar um concreto e próprio interesse em agir. c) O assistente que, com a morte da sua mãe se viu privado do seu convívio foi nessa consequência violentamente lesado com a prática do crime, tendo por isso também um interesse próprio na resposta punitiva dada pelo Estado.

  4. Existindo concomitantemente um interesse concreto do Recorrente de que seja dada uma resposta punitiva que no seu entendimento seja justa e adequada tendo em conta os bens jurídicos que foram ofendidos pela actividade criminosa do Arguido. e) A douta sentença considera para a fixação da medida da pena os seguintes elementos “O arguido agiu com dolo direto, o qual se revelou muito intenso... No que respeita em concreto ao crime de homicídio, salienta-se que, o modo como o mesmo ocorreu, se revela de extrema violência e apto a aumentar o sofrimento da vítima ... Mais, pese embora o arguido se encontrasse a olhar para o rosto da vítima - dada a posição em que ambos se encontravam não poderia ser de outra forma - e esta se tivesse debatido, tal não o impediu de prosseguir a sua intenção de lhe pôr fim à vida, pese embora o tempo que demorou a ocorrer a morte, quando teria sido não só possível, como tão simples interromper a sua atuação ... arguido teve tempo suficiente e oportunidade para interromper a sua atuação sem que o resultado se verificasse. E, ainda assim, não existiu, como se impunha, uma reflexão sobre a gravidade, a irreparabilidade e censurabilidade da conduta, de modo a ser afastada." f) Não se pode concordar que o crime tenha ocorrido apenas em virtude uma mera discussão como refere a douta sentença recorrida, a qual vai ao ponto de referir que ”A discussão ou uma mera discussão, como se queira dizer, é frequentemente motivo para se matar alguém - como, infelizmente, nos ensinam as regras de experiência comum - e muitas vezes sem que entre os envolvidos exista uma relação próxima. No caso, não só essa relação próxima existia como também era muito longa e, sobretudo, repete-se, carregada de ressentimentos e raiva”.

    g) Discussão derivada de injúrias proferidas pela vítima, "Porco de Merda" no dizer do Arguido.

  5. Ora tal não é compatível com a matéria dada como provada nomeadamente as vertidas nos artigos 8 e 13 que se transcrevem: 8º "Em data não concretamente apurada, no ano de 2014, o arguido proferiu as seguintes expressões, dirigidas à ofendida: "pões-me fora de casa, eu mato-te, parto-te os carros todos e a casa também, vou-te matar e depois vou para um T0 onde não pago renda" ... 10º "Desde o casamento e até ao momento em que ocorreu a separação, o arguido e a Anabela mantiveram uma relação tempestuosa, pautada por inúmeras discussões, provocadas, indiferentemente, por qualquer um deles e mantidas e prolongadas por ambos, sendo habitual que dirigissem um ao outro expressões de caracter ofensivo" i) Ora se era habitual existirem ofensas verbais recíprocas iguais au mais graves do que as que o arguido afirma terem sido proferidas, não se pode conceber que tal fosse motivo para que o arguido agisse como agiu.

  6. Nem tal é consentâneo com a matéria dada como provada no artigo 8º, pois o arguido já faz bastante tempo que alimentava a ideia de tirar a vida à mãe do Recorrente, só assim se compreende o conteúdo da afirmação "vou para um T0 onde não paga renda".

  7. É pois evidente que o Arguido agiu com o firme propósito de causar a morte da vítima, premeditando-a e planeando-a antecipadamente.

  8. Deverá assim o Arguido ser condenado na pena máxima aplicável ao crime de que vem acusado, ou seja na pena de 25 anos de Prisão.

    Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso alterando-se a douta decisão proferida condenando-se o Arguido na pena de 25 anos de prisão.

    Assim farão V. Exas Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa a Sã, Serena e Habitual Justiça!» * O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recorrente, A… M… B…, nos termos de fls. 499 a 515, pugnando pela improcedência do recurso e concluiu nos seguintes termos: «1. Versando o recurso a que se responde sobre matéria de facto e de direito, o Tribunal competente para a sua apreciação deveria ser o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos conjugados dos arts. 432º, nº 1, al. c), art. 12º, nº 3, al. b), 32º e 33º todos do cód. procº penal.

    1. Inexistem vícios previstos no art. 410º do cód. procº penal, que são de conhecimento oficioso, que cumpram analisar.

    2. O Tribunal ”a quo" valorou, de forma correcta, a prova produzida.

    3. Os depoimentos das testemunhas indicadas e ainda do assistente, que presenciaram parte dos factos, prestaram um depoimento objectivo e isento, pese embora os contornos dos factos em apreço, o que foi valorado pelo Tribunal "a quo", conforme está fundamentado na decisão ora recorrida e bem andou.

    4. É certo que outros episódios anteriores se haviam verificado, nos quais o arguido havia apertado o pescoço à vítima, como o próprio admite, que em momento anterior a mesma não havia falecido, que no dia em que a Anabela faleceu inexistiram testemunhas presenciais que tenham visualizado o arguido a apertar-lhe o pescoço, de tal sorte que lhe provocou a morte.

    5. Mas é do mais elementar senso comum que se alguém apertar o pescoço a outrem de tal forma que o priva de respirar, como foi o caso dos autos, em face do teor do relatório da autópsia junto aos autos, ainda que, admita-se motivado por provocações verbais por parte da vítima, necessariamente lhe irá provocar a morte.

    6. E esta circunstância basta para a verificação do elemento subjectivo do ilícito imputado ao arguido, no que ao crime de homicídio diz respeito.

    7. E a prova produzida foi de tal sorte abundante que nem sequer foi colocada a hipótese de existência de uma dúvida, a qual, a existir imporia ao Tribunal" a quo" uma alteração da qualificação jurídica dos factos, para ilícitos de menor gravidade, em obediência ao princípio do "in dubio pro reo".

    8. Também não foi violado o princípio da presunção de inocência.

      10-A subsunção jurídica operada está correcta.

    9. A medida concreta da pena foi bem fixada e mostra-se equilibrada e inexiste motivo algum para o recorrente beneficiar de atenuação especial.

    10. O acórdão do Tribunal "a quo" não merece reparo. Deve assim negar-se procedência ao presente recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida, uma vez que só assim se fará a costumada justiça».

      Respondeu ainda o...

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